quarta-feira, abril 25, 2018

Um bom 25 de abril, meu capitão!


Um dia, o capitão Teófilo Bento surgiu na parada com um megafone. Estávamos nos primeiros meses de 1974, na Escola Prática de Administração Militar (EPAM), na Alameda das Linhas de Torres, uma unidade que, tempos depois, iria ser uma das primeiras a “sair para a rua”, para tomar o objetivo estratégico próximo, que eram os estúdios da RTP.

Lembro-me de alguns de nós termos estranhado o inusitado uso daquele aparelho nas mãos do Bento, porque nada o justificava. Creio que a ninguém passou pela cabeça ligar o uso do aparelho à Revolução que aí vinha. Porém, esse megafone iria ser a sua imagem de marca no 25 de abril, que se aproximava.

À época, eu era, simultaneamente, bibliotecário, diretor do jornal da unidade “O Intendente”, oficial e instrutor de Ação Psicológica na EPAM. Meses antes, ao ter ficado classificado em primeiro lugar entre os nove selecionados para a tal APSIC, fora convidado para ficar na EPAM naquele cúmulo de funções, tendo como principal missão coordenar os cursos de formação dos futuros oficial daquela especialidade.

Devo dizer que nunca percebi como fui parar à APSIC. Embora sem nunca ter pertencido a nenhuma estrutura política clandestina, tinha tido uma atividade bastante visível na CDE de Vila Real, durante as eleições de 1969. Na universidade, a minha eleição para órgãos associativos fora “não homologada” duas vezes, por decisão do governo, tendo ainda sido objeto de uma suspensão por “agitação académica”, que me impedira de frequentar as aulas e só ser autorizado a fazer as ‘frequências” e os exames finais. Estava longe, contudo, de ser um ativista ou um “politicamente ativo”, na gíria da PIDE/DGS. Por isso, estranhei um pouco a minha seleção para uma especialidade militar daquela natureza. Mas esses erros não eram incomuns: meses antes, António Reis, com muito destacada ação política e que fora candidato a deputado pela CDE, também viria a integrar o curso de APSIC.

Voltemos ao capitão Teófilo Bento. Uma tarde de fevereiro de 1974, no meio da parada da unidade, Bento, com quem eu tinha uma relação simpática, mas respeitosamente distante, dirigiu-se-me:

“Ó Seixas da Costa, preciso de falar consigo!” E como se fosse a coisa mais natural do mundo, foi adiantando: “Você estaria disponível para nos ajudar numa ação militar para deitar abaixo o regime?

Caí das nuvens! Tinha algum conhecimento da agitação que atravessava os meios militares, tinha estado presente em duas reuniões clandestinas de milicianos (uma num apartamento em Campolide, outra perto do Areeiro), mas não tinha a menor ideia de que a EPAM estivesse envolvida e de que Teófilo Bento tivesse um papel nesse contexto. Reagi, por isso, com grande prudência, não fosse tratar-se de uma provocação:

“Ó meu capitão! Isso é um assunto que não pode ser tratado assim! Tenho de ter mais informações para pensar nele”.

“Muito bem. Um destes dias falamos melhor”, respondeu-me Bento.

Nessa tarde, falei com o António Reis, que politicamente “bebia do fino” e que, rindo-se da inabilidade conspirativa do Bento, me confirmou que o capitão era a figura central da EPAM para as movimentações do que estavam em preparação. E que falaria com ele sobre o “incidente”.

Depois, as coisas aceleraram. Veio o 16 de março e, pelo modo como as pessoas na unidade reagiram a esse golpe frustrado, ficou mais claro quem estava com que lado.

Na madrugada de 25 de abril, o capitão Teófilo Bento, acompanhado do alferes Geraldes e do aspirante António Reis, teriam papel destacado na sublevação da unidade e na organização da coluna que iria tomar a RTP.

Na noite desse dia, foi Teófilo Bento quem, com todos nós a seu lado, fez as “honras da casa” na RTP a Spínola e à Junta de Salvação Nacional, que dali se dirigiu ao país.

Dois dias depois, a 27 de Abril, Teófilo Bento, que interinamente passou a chefiar a RTP, coordenou, na sala da biblioteca da EPAM, um encontro com um impressionante grupo de intelectuais, num "brainstorming" em que foi acolitado por António Reis e por mim. Pela sala espalhavam-se figuras como Luís de Sttau Monteiro, Mário Castrim, Luis Francisco Rebelo, Álvaro Guerra, Manuel Jorge Veloso, Manuel Ferreira, Adelino Gomes, Orlando da Costa e creio que cerca de duas dezenas mais de figuras cimeiras da nossa vida cultural e jornalística (ficarei muito grato a quem puder ajudar a completar esta lista).

Spínola tinha entretanto outras ideias para a RTP e elas não passavam pela manutenção de Teófilo Bento e dos militares da EPAM por lá, em funções que ultrapassassem a segurança das instalações. (No 25 de novembro do ano seguinte, o meu amigo Duran Clemente ainda procurou “recordar”, na RTP o papel original da EPAM).

Teófilo Bento viria a sair da EPAM. Iria mais tarde dirigir o empreendimento agrícola do Cachão, perto de Mirandela. Perdemo-nos de vista por muitos anos. Cruzámo-nos episodicamente e mantemos uma relação solidária de camaradagem, fruto desses dias únicos que vivemos em conjunto.

Um forte abraço, amigo Teófilo Bento! 

terça-feira, abril 24, 2018

Os direitos

Contrariamente ao que alguns pensam, exercer uma democracia opinativa, através da comunicação social, não é sinónimo de lançar debates questionantes sobre a legitimidade dos direitos constitucionais dos portugueses. Como se esses direitos devessem ser referendados no quotidano.‬

A cidade de Ontem


Neste dia 24 de abril, lembrei-me de reeditar um post antigo. 

“Ao ler que a Santos Júnior, polícia-mor de um dos períodos mais sinistros da ditadura, foi atribuído o nome de uma rua em Coja (se fosse em Corja, não me admirava), dei comigo a pensar se, de facto, não seria justo, para cultivo de uma certa memória afetiva, ser criada, algures no nosso país, uma cidade que tivesse o nome de Ontem. Para aí irem viver poderiam ser convidados, em prioridade, todos quantos, nas redes sociais e nas caixas de comentários dos sites e jornais, permanecem fiéis a um saudoso passado em que, pelos vistos, se sentiam tão felizes. Mas muitos outros seriam elegíveis, como se intui em colunas de jornais e até em certas tribunas políticas residuais. Em Ontem, o Diário da Manhã e o Novidades dariam, ao alvorecer, as notícias a que os seus cidadãos tinham direito - mas nem mais uma, ou, então, "factos alternativos", como fazem as relações públicas de Trump! E iríamos vê-los felizes, cara ao sol, sentados na esplanada do Café do Aljube, com vistas para a Praça do Tarrafal (no centro da praça, em dias de calor haveria um lugar a que chamariam "frigideira"), à qual se acederia pela grande Avenida Oliveira Salazar, de sentido único, que, lá bem ao fundo, conduzia ao Beco Américo Tomaz (com Z). No Centro Social Silva Pais, não muito distante, ouvir-se-ia a Emissora Nacional que os "senhores óvintes" quisessem, obrigatoriamente abrindo com "Uma Casa Portuguesa" ("a alegria da pobreza está nesta grande riqueza de dar e ficar contente"). Na Alameda Barbieri Cardoso, ficaria a Livraria Lápis Azul, que só venderia livros rigorosamente conformes aos cânones do antigo e benquisto regime, sendo de todo excluídos aqueles em que as palavras "liberdade", "democracia" e "povo" pudessem surgir. Em Ontem, Pide seria o nome de uma associação de beneficência, com o Centro de Artes "Estátua", recuperando a tradição de uma instituição com uma benéfica ação que tão deturpada tem sido - embora, felizmente, já haja por estes dias um grupo dedicado de rapazes da historiografia que começa a tentar mudar tais erróneas perceções. O fotógrafo oficial da cidade de Ontem, um tal Rosa Casaco, faria os retratos à maneira, de preferência um "photomathon" com frente e duas laterais, numa moda estética lamentavelmente caída em desuso. E, por falar em "casaco", iria ser com certeza um sucesso o alfaite o local, o conhecido "Vira Casacas", que tanto trabalho tinha tido no 25 de abril. Perguntará o leitor: E a Justiça? E a Saúde? Quem assistiria nesses domínios os habitantes de Ontem? A Justiça, ora essa!, estaria a cargo dessas vestais do direito que eram os juízes dos Tribunais Plenários! E a Saúde, essa não poderia ficar em melhores mãos do que de esses dignos seguidores de Hipócrates que eram os médicos do Tarrafal, de Peniche e de Caxias. Mas não se fala da Educação? Não, porque em Ontem ela não seria necessária, orgulhosa do analfabetismo sadio que outrora imperava. E, sejamos óbvios, os que fossem educados só por engano é que iram viver para Ontem. Resta a ordem pública? Nem por isso! Bastava ficar por lá o capitão Maltez (nunca percebi porque nunca foi promovido, ou, se calhar, foi, depois do 25 de abril e ninguém nos avisou) e nem uma agulha bulia na serena melancolia da paz dos cemitérios. Ah! E, em Ontem, haveria também uma Colónia de Férias (então eles passavam lá sem ter uma coloniazita...). Pela certa, finalmente, a cidade não enjeitaria uma geminação com Santa Comba ou com a angolana São Nicolau, porque há memórias que calam fundo - e calar é algo que Ontem saberia sempre fazer. Um ponto muito importante seria permitir que os cidadãos pudessem sair de Ontem sempre que lhes apetecesse. Não há, porém, a certeza de que isso, necessariamente, lhes agradasse, porque a liberdade é, no fundo, aquilo que eles menos apreciam. Enfim, Ontem é, talvez, o futuro que alguns desejariam. Por que não fazer-lhes a vontade? Será que para a criação desta urbe da saudade se arranja, finalmente, uma maioria decente na Assembleia da República?.”

Até amanhã!

Um dia, no Brasil, no auge de um tema que dominava toda a comunicação social, almocei com um político. Disse-me: “Verá que amanhã vai surgir outro escândalo! Não sei o que será, mas é única forma de desviar a atenção deste”. Lembrei-me ontem disto, ao ouvir falar da Misericórdia.

segunda-feira, abril 23, 2018

Nem às paredes confesso

Adoro os filmes “à Poirot” em que, quase no final (há sempre uma cena depois, repararam?), todo o pessoal se junta numa sala até queum confessa o crime, conquistado pela perspicácia do investigador. Ando há anos a treinar para não confessar, mesmo que muito pressionado. Acho que vou conseguir.

Paralelo 38

Alguém me há-de explicar um dia por que razão nenhum órgão de comunicação social portuguesa foi até hoje capaz de descobrir o estudante português que foi colega de quarto do líder coreano Kim Jong-un, quando este estudou na Suíça, entre 1996 e 2000.

Os puros

Nos desabafos catastrofistas sobre o futebol nacional - trafulhices dos dirigentes, conluios com arbitragens, golos mal assinalados, tempo a mais no jogo, alegados subornos a jogadores “adversários”, há sempre um clube miraculosamente impoluto: o nosso. Por que será? Tenham juízo...

O pé da Luisinha Carneiro


Ontem, ao voltar a página, rápida e indiferentemente, sem ler o texto da notícia, de um jornal que referia em título os mais de 60 mortos num atentado suicida no Afeganistão, pensei para mim mesmo: será que já estou conquistado pela síndroma “Luisinha Carneiro”? Mas quem é Luisa Carneiro?

Num texto que ficou para a história pela sua genialidade, Eça de Queiroz imaginou um dia uma cena de província, com uma senhora a dar conta, num grupo reunido em sua casa, das notícias que vinham no jornal local, acabado de chegar. Os “horrores” dos vários desastres pelo mundo (o “Correio da Manhã” não nasceu do nada, podem crer!) sucediam-se, com apartes de aborrecimento e ar pesaroso dos circunstantes, mas não muito mais: um terramoto que matara duas mil pessoas na ilha de Java, na Hungria um rio transbordara e causara vítimas e prejuízos sem fim, na Bélgica greves e repressão, um descarrilamento trágico no sul de França, etc. 

A senhora sobre quem convergiam as atenções, que permanecia agarrada ao jornal, do qual extraía todas aquelas pouco excitantes notícias, de súbito “solta um grito, leva as mãos à cabeça: Santo Deus!” Eça relata a cena com deliciosos pormenores: “Todos nos erguemos, num sobressalto. E ela, no seu espanto e terror, balbuciando: ‘foi a Luísa Carneiro, da Bela Vista, torceu um pé!’ Então a sala inteira se alvoroçou, num tumulto de surpresa e desgosto”. É que “todos nós conhecíamos a Luisinha” e ninguém sabia quem eram os javanezes, os húngaros, os belgas ou os franceses atingidos pelas tragédias distantes.

Os meus “javanezes”, ontem, foram os afegãos mortos em Cabul, entretanto já sepultados pela minha indiferença. E a “minha” Luísa Carneiro está, com certeza, numa novidade de proximidade da perna partida de um amogo que alguém me traga, daqui a pouco. Este é um mundo que nunca muda muito.

Macron

Macron pode ter uma extraordinária oportunidade - para si, para a França e para a Europa. Questão é que a não utilize como instrumento da sua ambição pessoal, da “grandeur de la France” ou subordinando-se, de forma oportunista, a Trump. Não é caminho fácil, mas seria interessante

Lições

Dizem-me que, entre nós, no ensino universitário na área das ciências humanas, a neutralidade científica deixou totalmente de existir. Um professor marxista ensina a sua doutrina, um conservador a sua. Quem se inscreve numa cadeira fica assim sujeito a esta ditadura opinativa. Será mesmo assim?

Sporting

O meu sportinguismo é mesmo “de trazer por casa”: não me consigo entusiasmar minimamente com vitórias em outra modalidade que não seja o futebol sénior masculino. Confesso esta minha falta de ecletismo emocional.

Rótulos

Alguns socialistas, depois de anos de escrúpulo semântico e ideológico, lá conseguem assumir que o seu partido é “social-democrata”. O mesmo não acontece ainda com a direita que, envergonhada, teima em não adotar a designação e se traveste do equívoco “centro-direita”. Que complexos!

América, América!

Há dias, durante um debate na Universidade do Minho, alguém sublinhava a nossa esquizofrenia face aos EUA: criticamo-los quando eles vão pelo mundo e, depois, acusamo-los de saírem de forma precipitada. É verdade, mas o segundo erro só é cometido porque foi praticado o primeiro.

Matas

Andei nos últimos dias centenas de quilómetros por estradas rurais do Norte. Vi muito trabalho de limpeza de matas já feito, mas fiquei espantado ao constatar que grande parte do que foi cortado está ainda lá pelo chão, sem ser recolhido. Com o calor a chegar, aquilo é “petróleo”

RTP

Nos últimos meses, tenho vindo a constatar algo que nunca antes fora para mim evidente: há por aí um imenso mundo de má-vontade contra a RTP, estimulando a intriga, fazendo figas pelo seu insucesso, colando-a a um “Estado” a abater. E há uns “inocentes úteis” a ajudar à festa!

Deputados da nação

Um dia espero poder vir a perceber se os deputados persistem em manter todas as imensas ambiguidades que existem em torno do seu estatuto (moradas, viagens, mordomias, incompatibilidades, etc), contribuindo assim para a progressiva degradação da sua imagem, apenas por arrogância ou inconsciência. É que outra razão não consigo ver.

Irão

Durante anos, o Irão tentou convencer o mundo que o seu programa nuclear era apenas para fins pacíficos. E só aceitou negociar depois de fortes sanções. Teerão diz agora que, se os EUA se afastarem do acordo, poderá retomar o programa. Se assim proceder, dará plena razão a quem nunca acreditou na sua boa fé.

Chinesices

A China vai ser o grande elefante na sala do encontro EUA - Coreia do Norte. E ajudou a preparar o terreno para ele. Pequim detesta ter um poder nuclear na vizinhança, em mãos imprevisíveis. Mas não poderia nunca aceitar que Pyongyang viesse a sofrer uma colonização do Sul. O caminho chinês é muito estreito.

Poderes

Não é preciso recuar muitos anos para chegarmos ao tempo em que a Rússia era muito mais determinante e condicionante do que a China, no comportamento dos líderes norte-coreanos. Hoje, Moscovo é uma sombra desses dias. Há uma boa expressão para quem conta: “The powers that be”

domingo, abril 22, 2018

Algum Minho à mesa


Um fim de semana no Minho deu para algumas incursões gastronómicas. Aqui ficam telegráficas notas das visitas, para quem estiver interessado:

CENTURIUM (Braga)

É um edifício antigo, bem modernizado, na Avenida Central de Braga. Uma lista “a puxar” para o caro, com alguma ambição. Uma experiência que, contudo, ficou um pouco aquém da expetativa. Nota para um serviço muito atento e profissional.

EL OLIVO (Braga)

No Hotel Melià, em Braga, há um excelente restaurante! Já me tinham dito e confirmei. Carta com alguma diversidade, com hipóteses de “defesa” em matéria de preços. Vou voltar.

RETIRO DA CABREIRA (Vieira do Minho)

Não tivemos sorte com a ocasião. A sala estava deserta, nesta moradia a escassos quilómetros de Vieira do Minho. Lista inteligentemente curta, mas com o essencial. Cometemos um erro: pedir cabrito à noite, quando é sabido que ele se prepara de manhã. Mas vamos voltar um dia, porque a casa promete, as entradas eram ótimas e a carta de vinhos simpática.

O ABOCANHADO (Campo do Gerês)

Andava há anos para visitar este belíssimo espaço em Bufre, no meio do Gerês, com bela vista sobre a barragem de Vilarinho das Furnas. Para se lá chegar é preciso andar um pouco, bem adiante de São Bento da Porta Aberta. Foi um almoço simpático embora não deslumbrante. A lista é muito bem construída, os vinhos são bons (embora um tanto carotes), o serviço agradável.

VICTOR (São João de Rei, Póvoa de Lanhoso)

Comer outra coisa que não seja o bacalhau seria sempre um sacrilégio no Victor. Com a atenção costumeira do patrão, provámos um “fiel” pescado, demolhado no ponto, de boa qualidade. Antes, provei aqueles que considero terem sido os melhores bolos/pastéis de bacalhau que comi em toda a minha vida (e sou um “habitué” do produto). O senhor Victor tem a tese de que, sendo os ovos do seu quintal, isso faz toda a diferença. É capaz de ter razão. O que importa é que se comeu muito bem, como sempre me aconteceu por ali, há muitos e muitos anos.

POUSADA DA CANIÇADA (Caniçada, Gerês)

Há muito que se deixou de comer barato nas pousadas mas, em compensação, raramente tenho tido más experiências, nos últimos anos, em qualquer daquelas que visitei. Foi agora o caso da Caniçada, onde pernoitei por uns dias (isto diz-se?). Pratos bem apresentados, saborosos, com produtos de qualidade, revelando que quem está na cozinha tem “métier”. O serviço foi muito profissional, não deixando de ser acolhedor e simpático.

CANEIRO (Arco de Baúlhe)

Era um endereço que trazia em agenda, há anos. O Arco do Baúlhe, a dois passos da A11, não fica muito “à mão de semear”, mas fiz um esforço para lá passar. O restaurante está modernizado, “confortabilizado” sem arrebiques excessivos, com um serviço muito atento e um ritmo bem oleado. Comemos lindamente, com um preço muito aceitável, vinhos “em conta”. Vou contar aos amigos e voltar quando puder.

Lamas de Olo


“Isso é quase em Lamas de Olo!”, dizíamos, na minha adolescência, quando queríamos significar um sítio que, embora relativamente perto de Vila Real, se tornava imensamente longínquo pelo muito difícil acesso, através dos péssimos e lamacentos caminhos que então serviam as aldeias das redondezas. E não era mais do que uma dúzia de quilómetros a distância que separava a aldeia de Lamas de Olo da cidade de Vila Real. 

Mas que mundo de diferenças! Em Lamas de Olo (e algumas outras “Lamas de Olo” havia por esse país fora) não havia um médico, uma farmácia, um comércio decente. Também não havia saneamento básico, nem água canalizada, nem tratamento de lixos. Uma agricultura pobre e o comércio de gado era tudo quanto mantinha aquela gente por ali, até que a guerra colonial ou a ousadia da migração lhe viesse chamar os homens.

Nenhum de nós, à época, se tinha alguma vez aventurado a ir a Lamas de Olo, pelo caminho do Alvão. Mas imaginávamos o que seria, para os habitantes da aldeia, a saga de vir à cidade - por questões burocráticas, de saúde ou para as feiras. Aquela vida miserável e primitiva, então com todas as casas de habitação cobertas de colmo (como mostra uma imagem tirada hoje), com os animais a viver por baixo, teria talvez “graça” para os etnólogos e para os cultores urbanos do Portugal “pobrezinho mas contente”, que a ditadura mantinha.

Um professor primário que, de Vila Real, se deslocava regularmente a Lamas de Olo, falou-me muito da vida dessa gente. E disse-me da dificuldade de contar certas histórias às crianças de lá. Nesse tempo em que o único canal de televisão mal chegava a Vila Real e a “venda” da aldeia ainda não tinha um aparelho, era difícil fazer imaginar o que seria um comboio ou o mar - coisa que nenhuma delas tinha ainda visto e só podia adivinhar pelas imagens estáticas dos livros. 

Parece que estamos a falar do século XIX, mas tudo isto se passava na segunda metade do século XX, já na transição dos anos 60 para 70, com os Beatles na moda e o homem na lua.

Depois, um dia, foi o 25 de abril. 

Hoje, a aldeia tem turismo, dizem-me que perto há uma casa com belos petiscos. Passei por lá, há minutos, através de uma estrada aceitável de Mondim de Basto para Vila Real, pelo Alvão, com passagem por Lamas de Olo.

O Acre não existe!


Já não sei a que propósito é que eu trouxe à conversa, nesse jantar com familiares de visita ao Brasil, num restaurante do Rio de Janeiro, uma próxima visita que iria fazer ao Acre, um dos 27 Estados brasileiros. Ia ser uma visita curta, de um dia, para encontrar a segunda geração de portugueses quecaí se tinha fixado e impulsionar projetos económicos e culturais.

À mesa desse jantar, estava a namorada de um familiar, então estudante universitária no Rio. "Ah! Acredita na existência do Acre ?!", reagiu. Confesso que fiquei siderado, mas a minha interlocutora logo me "esclareceu": "O Acre não existe! É uma ficção, uma criação dos militares brasileiros. As cidades ditas do Acre são, na realidade, na Amazónia e os senadores e deputados do Acre vêm de outros locais. É uma imensa montagem política". 

Para quem, como eu, ia visitar, dentro de dias, o Acre, numa viagem para cuja organização tinha contado com a ajuda de um dos políticos mais destacados do Estado, o senador Tião Viana, a “revelação” era muito interessante. 

A jovem “explicou-me” ainda que funcionava na sua universidade, a exemplo de outros locais, um “grupo de trabalho” que “acompanhava” o assunto e que bastava ir à internet e colocar “Acre não existe” para poder ter ampla “informação” sobre o tema. Era verdade, como pude e ainda pode ser constatado, uma década depois!

Dias mais tarde, já no Acre (ou no que passava por sê-lo...), contei a história ao meu amigo Tião Viana (hoje governador do Estado), ao seu irmão Jorge Viana e ao então governador Binho Marques. Todos acharam imensa graça e, ao que me recordo, revelaram estar a par do debate sobre a “inexistência” do Estado brasileiro de que eram figuras dominantes. Mas, por qualquer razão, não me pareceram nada preocupados. Deviam “estar feitos” com os militares...

A verdade é que as teorias da conspiração, por mais tontas que sejam, ainda continuam a ter muita força!

sábado, abril 21, 2018

Legal e moral

De há uns tempos para cá, explora-se muito a dicotomia entre a legalidade e a moralidade. Começo a ficar com a sensação de que, basicamente, se pretende, com esta dualidade, dar pasto aos opinadores para, quando alguém pratica um ato e afirma fazê-lo porque tem a lei do seu lado, poderem vir dizer: “Está bem! É legal, mas não é moral”.

Vem isto a propósito das verbas recebidas pelos deputados insulares. Ficou claro que essa prática é legal, mas logo surgiu um coro de acusação de imoralidade da prática. No caminho, a tentar atenuar a alegada imoralidade, apareceu o incrível argumento do “sempre foi assim”, como se isso fosse um fator minimamente legitimador.

Vamos a ver se nos entendemos! Não gosto de viver numa sociedade onde, perante o legítimo exercício daquilo que a lei incontroversamente me permite, possa surgir um qualquer fabiano, à luz de uma autoridade duvidosa, a dizer-me: “Está bem, é legal, mas não é moral!”

Se uma determinada lei não é moralmente aceitável, então mude-se de imediato a lei, tornando-a conforme com o juízo moral que, com toda a certeza, os deputados da nação estão qualificados para interpretar. E, já agora, comecem eles próprios por tornar mais “morais” as leis e regulamentos que regem a sua casa.

António Mafra


Neste tempo em que nos Correios - entre bonecos, lotarias, livros e um mundo de outras bambochatas (um destes dias, ainda vamos ter vinho ao copo, “finos” e sandochas) - já quase é uma raridade venderem-se selos), quero deixar uma homenagem a José Mafra, sucessor do seu irmão António Mafra, que há dias desapareceu, com um link para o histórico tema do grupo “O carteiro”. Até Sérgio Godinho gravou esta imorredoura canção.

O conjunto António Mafra teve um grande êxito nos anos 60, com temas humorísticos, em tom musical popular. “O carrapito da dona Aurora”, “Sete e picos, oito e coisa, nove e tal”, “O vinho da Clarinha”, “Arrebita, arrebita, arrebita”, “Aperta o cordão ó Berta” ou “No baile da Mariquinhas” foram grandes sucessos da rádio e dos espetáculos ao vivo. Os textos tinham alguma ousadia “marota”, mas ficavam bastante aquém do desbragamento posterior da pimbalhada rasca que por aí anda agora.

Leão


Recuperando forças para o que aí vem!

Joaquim Barbosa


Num país em que, a escassos meses da importante eleição presidencial, o leque de candidatos não para de se abrir, não significando necessariamente esse alargado espetro um refrescamento revigorador da vida política brasileira, ressurge agora o nome de Joaquim Barbosa. 

Trata-se de um magistrado negro, que chegou a presidente do Supremo Tribunal Federal, tido como um lutador contra a corrupção, como deu mostras aquando dos primeiros tempos da operação “Lava Jato”. 

O nome de Barbosa já várias vezes tinha sido citado como possível presidenciável mas, para tal, vai ser preciso “costurar” (como por lá se diz) uma base partidária mínima. E, no Brasil, essa é uma operação sempre complexa.

Ao ler estas referências a Joaquim Barbosa, recordei-me de um livro de Frei Beto, um intelectual e ativista religioso amigo de Lula, que li vai para uma década. O livro, creio, chamava-se “A Mosca Azul”, e nele Frei Beto contava que, um dia, numa fila de “check-in” de um aeroporto, ficou junto a um cavalheiro negro, com quem trocou o tipo de conversa que se tem nessas circunstâncias. A certo ponto, o homem revelou ser juíz. Frei Beto lembrou-se então de que, nos círculos próximos de Lula, não havia figuras negras na área da Justiça. Trocou contactos com o jurista e, mais tarde, proporcionou o encontro deste com Lula. 

A carreira desse juíz, Joaquim Barbosa, teve a partir daí um imenso impulso, culminando com o facto de ter sido escolhido por Lula para o tribunal máximo do país. 

A avaliar pelo seu comportamento posterior, Barbosa pode não ter agradado muito aos seus mentores, mas a vida é isso mesmo.

sexta-feira, abril 20, 2018

“Simplicidade amável”


Uma das poucas coisas que fragiliza a minha animosidade irredutível face ao Estado Novo são as nossas Pousadas. A sua criação foi iniciada em 1942, por essa curiosa figura que foi António Ferro e representa uma tentativa de dar realce às diferentes regiões do país, à diversidade da sua gastronomia e dos seus costumes, incentivando o turismo estrangeiro e um turismo interno mais exigente. 

Registo algumas das primeiras: Santa Luzia, Elvas (1942), São Gonçalo, Marão (1942), Santo António, Serém (1942), São Martinho, Alfeizerão (1943), São Braz, S. Braz de Alportel (1944), Santiago, Santiago do Cacém (1945), São Lourenço, Serra da Estrela (1948).

Vale a pena dizer que os "Paradores" espanhóis, instituídos nos anos 20, foram os verdadeiros inspiradores das nossas pousadas, mas a expansão destas foi mais rápida e sustentada do que o do (excelente, aliás) modelo vizinho, que só viria verdadeiramente a desenvolver-se a partir dos anos 70.

Ferro deixou bem claro o que pretendia das Pousadas, ao afirmar, na inauguração da primeira daquelas unidades, em Elvas: "o luxo e a ostentação, muitas vezes sem conforto nem bom gosto, não constituem, obrigatoriamente, a matéria-prima do turismo", pelo que as pousadas deveriam ser "pequenos hotéis que não se parecessem com hotéis". Embora isto possa chocar os espíritos de hoje, nada melhor para qualificar o seu objetivo do que esta sua frase: "se o hóspede, ao entrar numa destas Pousadas, tiver a impressão de que entrou num estabelecimento hoteleiro onde passará a ser conhecido não pelo número do seu quarto, mas na sua própria casa de campo, onde o aguardam os criados da sua lavoura, teremos obtido o desejávamos". E também: "o conforto rústico, bom-gosto fácil no arranjo das coisas e também no paladar, simplicidade amável, eis as grandes linhas do programa das nossas Pousadas", que se pretendiam "pequenos conservatórios da cozinha portuguesa". Os tempos mudaram muito e as pousadas também.

Inicialmente, as pousadas eram relativamente baratas e - imagine-se! - tinham um limite imperativo de três dias de ocupação por utilizador. A forma da sua gestão teve um percurso que partiu da plena dependência estatal até ao modelo atual, em que o grupo hoteleiro Pestana detém uma posição maioritária, numa forma de semi-privatização, que não deixou de ter consequências sensíveis na oferta atual de serviço e qualidade das Pousadas, sujeitas a um padrão de exploração onde praticamente desapareceram as preocupações originárias de serviço público. Algumas unidades vivem num regime de "franchising" que, igualmente, afeta a identidade do conceito. A Enatur, a empresa pública que antecedeu o grupo Pestana, já havia fechado várias unidades. O grupo Pestana, numa lógica de gestão em que o Estado não soube (ou não quis, essa é a minha conclusão) acautelar no contrato a dimensão de serviço público, fez uma razia em tudo quanto não fosse altamente produtivo.

No que me toca, só no início dos anos 70, quando tive o meu primeiro emprego, é que comecei a ser um “colecionador” de pousadas. Mas, a partir daí, passei a viciado... Durante alguns anos da minha vida, por razões que não vêm ao caso, tinha obrigatoriamente de trabalhar todos fins-de-semana, em paralelo ao meu emprego regular. As pousadas eram o meu "pouso" preferido para isso. Nesse tempo, quando os preços eram outros, cheguei mesmo a passar férias em pousadas. Por isso, tenho sobre elas muitas e diversas experiências, que vão desde grandes exemplos de profissionalismo a monumentais descasos. Mas, apesar de várias razões que possa ter em contrário, ainda hoje sou "addicted" das nossas pousadas e, sempre que posso, frequento-as.

Às vezes pergunto-me qual terá sido a primeira pousada onde dormi. Talvez na de Serpa ou na da Murtosa/Torreira*. Mas, por esses tempos, lembro-me bem de estadas em Santiago de Cacém, em Miranda do Douro, em Santo António de Serém, em Manteigas, na Caniçada*, no Caramulo. Porque as Pousadas eram então, como disse, “muito em conta”, lembro-me de passar mais de uma semana em São Brás de Alportel, na Quinta da Ortiga (perto de Sines), em Santa Clara, em Oliveira do Hospital. Das “históricas”, creio que comecei por Óbidos*, Évora* e Estremoz*. Fui também cedo a Bragança#, a Marvão* e a Elvas. Pouco tempo depois de abrirem, estive em Monsanto, em Vila Nova de Cerveira, no Bouro/Amares*, em Alcácer do Sal*, em Ourém#,em Vila Pouca da Beira, na de Viseu*, na da Serra da Estrela* (Covilhã), na da Rede (Mesão Frio), em Belmonte#, na de Vila Viçosa*, no Porto/Freixo*. Dormi também nas incaraterísticas de Condeixa#, de Almeida, de Proença-a-Nova, da Batalha. Também na moderna de Sousel e numa coisa inenarrável que abriu por um tempo em Braga. Estive muitas vezes em Viana/Santa Luzia* (antes e depois de ser pousada), fui uma vez à pousada de Beja*, outra à do Alvito*, outras ainda à de Estói* e à de Sagres*. Dormi por mais de uma vez nas duas de Guimarães, Santa Marinha da Costa* e Senhora da Oliveira, e no Vale do Gaio. Conheço bem a de Arraiolos* e a do Crato*. Tenho boas memórias da do Castelo do Bode (Tomar) e de Valença#. Estranhamente, ou não, dormi algumas vezes na Pousada do Marão, a meia dúzia de quilómetros de minha casa, em Vila Real. E, muito mais estranhamente, já dormi na Pousada do Terreiro do Paço*, em Lisboa, bem como nas de Queluz* e de Cascais*. E também em Palmela*.

Por ter sido criada e ter desaparecido num tempo em que eu ainda não era nascido, nunca estive na pousada de Alfeizerão, como não estive numa unidade que chegou a existir nas Berlengas, que rapidamente deixou de existir. E, porque nunca calhou, acabei por nunca dormir, tendo apenas almoçado, nas pousadas de Setúbal e Alijó#. E nunca estive numa pousada que houve na Madeira e nas duas que ainda há nos Açores - Terceira* e Faial*. Mas frequentei muito - fui mesmo o cliente número 1 - da primeira pousada portuguesa no exterior, em Salvador da Baía no Brasil.

Nos dias de hoje, em que muitas das pousadas acima referidas já desapareceram, ou passaram a estalagens sem marca Pousadas de Portugal, constato só me falta conhecer, no continente português, a pousada de Tavira*. Mas lá irei um dia. (Duvido que alguém me “bata” em número de pousadas visitadas em território português. Foram 53!)

Hoje, estou a escrever naquela unidade que, como pousada, existe há 50 anos, tendo antes sido uma pequena estalagem, propriedade de um casal belga. Tem, a grande distância, a mais bela vista de todas as pousadas portuguesas. Onde é?

(Houve até hoje 61 pousadasCom um (*) assinalei as 27 pousadas que hoje ainda  integram a rede do grupo Pestana e com um (#) as 6 pousadas que já estão em regime de “franchising”. As 24 restantes que referi no texto, e não têm (*) ou (#), já não existem. Um dia tentarei listar as pousadas fechadas antes da entrada em cena do grupo Pestana, aquelas cujo encerramento ou alienação foi promovido pelo Pestana e, finalmente, aquelas que foram criadas no “reinado” Pestana .)

Chama-se a isto Europa



Manuel Valls nasceu na Catalunha. Até aos 20 anos teve apenas nacionalidade espanhola. Naturalizou-se francês e, já nessa nova qualidade, chegou a primeiro ministro da França.

(Um parêntesis para notar que acho isto seria inviável em Portugal. Não somos ainda um país preparado para aceitar que alguém, nascido no estrangeiro e mantendo apenas essa nacionalidade externa até à fase adulta da sua vida, viesse a chegar à chefia de um governo entre nós. Não posso provar isto, mas sinto-o).

Agora surge a hipótese de Valls poder vir a candidatar-se à chefia da municipalidade de Barcelona. A Europa de que eu gosto é precisamente isto.

Tradutor

Um bom tradutor é como um bom árbitro de futebol: quando chegamos ao fim da obra não damos sequer pela sua existência. E, no entanto, uma boa tradução pode fazer toda a diferença, sendo que, por razões opostas, o contrário é igualmente verdade. 

Ontem, juntamente com uma revista que adquiri, vinha uma “fatia” de um livro - nessa técnica de vendas que consiste em obrigar à fidelização, até completar a totalidade da obra. Não foi por isso que comprei a revista, nem costumo ler esses mini-volumes.

Excecionalmente, porém, deitei uma vista de olhos ao texto e logo me irritei: a obra está traduzida ”com os pés”, com expressões inadequadas. O que é típico numa má tradução, como é o caso desta, é que se consegue mesmo perceber, por detrás de alguns dos erros, o que estava escrito na língua original.

Até onde irá Macron?


Há dias, o presidente francês, Emmanuel Macron, deu uma longa entrevista televisiva, por ocasião do primeiro aniversário da sua eleição. Contrariamente a uma prática comum a muitos dos seus antecessores, que tinham quase sempre à sua frente interlocutores respeitosos, quando não dóceis, Macron aceitou que as questões lhe fossem colocadas por dois jornalistas que ele sabia, à partida, que lhe iriam ser muito incómodos. E foram. O programa chegou a ter momentos tensos, com o presidente a manter uma notável frieza. Ele, contudo, correu o risco. E ganhou.

Recordaria que Macron é um presidente de circunstância. Na primeira volta das presidenciais de 2017 teve 18% dos votos, tendo sido eleito pela lógica “tudo menos Le Pen”, que alguma direita e suficiente esquerda seguiu no segundo turno. Se François Fillon não se tivesse enredado em nepotismos, seria hoje o presidente francês. Quero com isto dizer que Macron, à época da sua eleição, não correspondeu a nenhuma “vaga de fundo” que tivesse varrido a França, numa onda avassaladora de entusiasmo em torno de uma figura providencial.

E, no entanto, Macron é, nos dias de hoje, uma surpresa. 

Ainda o estou a ver, numa sala do Eliseu, em meados de 2012, a informar os embaixadores da UE das prioridades de François Hollande no seu primeiro Conselho Europeu. Era então secretário-geral adjunto da Presidência. Apresentou tudo com grande rigor, respondeu a uma ou duas perguntas nossas com precisão e assertividade. À saída, o meu colega sueco, Gunnar Lund, comentou, para gargalhada de alguns de nós: “podia perfeitamente ser assessor de Sarkozy”.

Macron viria a afirmar não ser muito sensível à distinção entre esquerda e direita, coisa que, em França (e não só), segundo o filósofo Alain, só é dita por alguém de direita. É um liberal, com experiência no setor privado, com um programa de “modernização” (outro eufemismo conservador para o desmantelamento do Estado) do setor público, no país europeu onde ele consome maior percentagem da riqueza.

A França vive um momento interessante. Com o Brexit, passará a ser o único poder nuclear europeu, o único país da UE com direito de veto no Conselho de Segurança da ONU, com as únicas forças armadas com capacidade significativa de projeção.

Para a Europa, Macron tem propostas ousadas de reforma, embora a palavra final alemã seja determinante. Mas a sua capacidade de iniciativa em certos domínios institucionais é evidente e, para sermos honestos, muito estimulante.

Há nele qualquer coisa de Valéry Giscard d’Estaing, entre alguma arrogância, manejo fácil dos dossiês económicos e um “look” kennediano. 

Irá Macron ser um grande presidente, escorado na sua visível auto-confiança, na sua determinação? Até onde irá Macron? 

quinta-feira, abril 19, 2018

Abafado


A expressão foi: “sinto-me abafado com esta paisagem!”. Foi há muitos anos, precisamente neste mesmo local. Estávamos por aqui com uns amigos e um deles, infelizmente já desaparecido, revelou-nos o que podia ser a reação natural de um “ser urbano” a um cenário imponente de montanhas. Lembro isto porque, ao aqui chegar, há pouco, foi essa frase insólita, que trazia gravada e me veio, de súbito, à memória. Gosto imenso de cidades, admito que talvez goste mesmo bastante mais de cidades do que “do campo”. Mas a majestade deste fantástico pedaço de Portugal nunca me “abafou”, bem antes pelo contrário. A esse amigo, sim, e eu até o posso perceber: um filho do asfalto, das esquinas e das avenidas do mundo, sedento do ruído, a ele por aqui ensurdecido pelo forte silêncio dos montes. Pelo contrário, a mim, hoje, esta vista, numa estupenda temperatura primaveril, deu-me um sopro tão grande de bem-estar que logo me fez encomendar um gin tónico, em copo alto, como prolegómeno líquido a um sólido cabrito que viria ao jantar. E que bom que estava o Evel 2014!

quarta-feira, abril 18, 2018

Obama e Trump

Tenho constatado ser muito difícil explicar que a minha leitura sobre a desprezível ação externa de Trump não “valoriza”, um milímetro que seja, a opinião altamente negativa que tenho da caótica e desastrosa política externa do seu incensado e estimabilíssimo (no plano humano e das políticas públicas internas) antecessor.

América

Uma das grandes “vantagens” de Trump é que, com ele no terreno, podemos dizer todo o mal que nos apetecer sobre as políticas da América sem nos arriscarmos (salvo nas ironias por ora contidas de alguns cromos, “católicos” e “fládicos”, nostálgicos de Cheney, Rumsfeld & Cia) a ser apelidados de anti-americanos.

Marcelo a dois tempos

Gostei ontem muito das palavras do presidente da República na Cortes espanholas. E, hoje, ainda sem as conhecer, vou gostar das que ele irá, com certeza, dirigir à Procuradora-Geral da República, depois de mais uma vergonhosa exposição mediática do modo de funcionamento da dita justiça.

Tirar as palavras da boca

Só não digo que Ferreira Fernandes me "tirou as palavras da boca" porque não seria verdade. Eu não tenho um dom de escrita capaz de me comparar com a dele. Mas, confesso, gostaria de ter sido eu a assinar o texto "Marcelo em nosso nome", que ele hoje publica no seu (em que agora é diretor) "Diário de Notícias".

Imagino que haja muita gente que não concorda: com Ferreira Fernandes e com o que Marcelo Rebelo de Sousa disse ontem nas Cortes espanholas. Eu concordo. Ponto. É tudo.

Israel

Um dos mais difíceis exercícios em política é conseguir, com seriedade, denunciar abertamente as recorrentes barbaridades e a escandalosa impunidade internacional dos governos de Israel e, simultaneamente, conseguir não se ser rotulado de anti-semita. 

terça-feira, abril 17, 2018

Olhar o Mundo


Aqui fica o video da minha derradeira participação no programa Olhar o Mundo, da RTP

Um poder regional

O que (não) se passou na Síria mostrou que Obama tinha razão quando qualificou a Rússia de “poder regional”. Essa “região”, contudo, evoluiu: Moscovo está, como nunca antes esteve, no Médio Oriente. Mas tem aí um poder limitado, como os três ocidentais do CSNU agora lhe lembraram

Sócrates

Aquilo que a SIC apresentou ontem, depois do seu Jornal da Noite, com extratos video dos interrogatórios da PGR ao antigo PM José Sócrates, é um programa que, pelas mais contraditórias das razões, deve ser visto.

Não há almoços grátis!

Tem alguma graça a ingénua indignação de quantos se acham “pirateados” e invadidos na sua privacidade pela empresas proprietárias das redes sociais.

Será que andavam, há anos, a usar e-mails à vontade e achavam que isso era ”à borla”, só pelos seus lindos olhos?

E quem seria o “benemérito” que, sem pagarem um tostão, os deixava trocar conversas no Facebook, mandar bitaites no Twitter, contar histórias nos blogues e colocar inspirados pôr-do-sol no Instagram?

Não há almoços grátis! Aprendam!

segunda-feira, abril 16, 2018

"From Russia with love..."

Quanto russófilo de nova geração por aí anda, apenas porque Putin parece aborrecer Trump!

A Rússia de Putin é, nos dias que correm, o "next best" de quantos têm saudades do muro de Berlim, dos anti-yankee "de carteirinha", dos eurocéticos ferozes.

Ser pró-Putin é assim como estar "um pouco" com Guevara na floresta Bolívia, com Giap nos túneis do Vietcong, com a Pasionaria às portas de Madrid.

Estas novas Brigadas Internacionais da tecla e do sofá colam-se hoje ao KGB reconvertido em estadista com ar grave, borrifam-se para os jornalistas liquidados nas noites de Moscovo, para os opositores encarcerados, para as barbáries da Chechénia.

A América é para eles, desde sempre, o inimigo principal e, agora com Trump, nunca se pôs mais a jeito...

PPMO

Ainda sou do tempo em que falar do “processo de paz do Médio Oriente” (PPMO, para os iniciados) era referir o conflito israelo-palestino. Onde isso vai!

Questão

Ainda não vi isto respondido de forma serena e convincente: se o governo de Assad estava, como tudo indica que continua a estar, com a situação sob crescente controlo, no caminho para uma vitória militar, que interesse teria em provocar o mundo com uma ação com armas químicas, de cuja não utilização o seu parceiro russo era garante?

TV Damasco

As televisões sírias que cobrem as manifestações de apoio a Assad seguem o “método” das nossas televisões durante as campanhas eleitorais: filmam de frente e de perto, com a câmara baixa, para ajudar à ideia de que está muita gente a assistir. Lá pode ser por medo, cá por que é?

Dormi melhor!

O modo como correu o ataque ocidental à Síria deixou-me bastante mais descansado: houve um cuidado extremo em não atingir forças ou pessoal russo. As “rules of engagement”, pelos vistos, ainda seguem as boas regras da Guerra Fria. E isso são muito boas notícias.

Os pequenos grandes

Reino Unido e França, que “no grupo dos pequenos fazem papel de grandes” (dizia um MNE com quem trabalhei), têm de fazer “prova de vida” para justificarem o seu lugar no CSNU. Ao serem “úteis” a Trump, limitam o unilateralismo americano e condicionam a dimensão das ações. É bom!

A França e a guerra

Foi interessante a posição francesa no caso Sírio. Até Trump citou a França antes do Reino Unido! Macron, contando com o Brexit e inexistência militar da Alemanha, está-se a sugerir como o parceiro europeu, simultaneamente fiável e eficaz. E a Arábia Saudita e Israel agradecem.

O Irão e guerra

Veremos se um dos “preços” que Trump vai ter de pagar pelo apoio franco-britânico na Síria não será no dossiê nuclear com o Irão. O teste está aí em semanas: se o “State Department” confirmar uma vez mais que o Irão está a cumprir o acordado, Paris e Londres (e Berlim) ganharam.

O Reino Unido e a guerra

A Theresa May saiu a Taluda com estas “oportunas” crises, ironicamente todas à sombra das armas químicas. Se a isso somarmos as trapalhadas de Corbyn com Israel, deve ir festa rija em Downing Street. Mas Berlim não deixará de cobrar, no Brexit, o seu apoio a Londres, podem crer!

A Rússia e a guerra

A reação russa à iniciativa ocidental na Síria foi do género “agarrem-me senão bato-lhe!” Com um pé no Médio Oriente como nunca antes teve (recordo-me do seu papel irrelevante no “Quarteto” para o processo de paz), Moscovo percebeu que a sua reação só podia ser retórica.

Publicidade enganosa

Andam aí falsos “artigos” com a indicação de “conteúdo patrocinado”. Por que razão a ERC não obriga a chamar “os bois pelos nomes” e a forçar a identificação real desses conteúdos: publicidade?

Centeno

Tenho Mário Centeno na mais elevada conta. Não sendo minimamente qualificado para julgar a sua competência técnica, enquanto cidadão parece-me que tem feito um lugar excelente, com a conjuntura a ajudar, naturalmente.

Foi uma bênção para o país esta excelente escolha de António Costa.

Não fui, contudo, dos portugueses que ficaram mais satisfeitos com a ida de Centeno para a presidência do Eurogrupo. Porque temi que, no seu louvável esforço para mudar, naquele contexto, a imagem de Portugal, ele pudesse ser tentado a alguns excessos de zelo. E que, nessa mesma onda, pudesse ser seduzido por hipóteses futuras em lugares de maior influência, embora não desconheça o efeito positivo que tudo isso pode vir a ter para a imagem e os interesses a longo prazo do nosso país. Mas eu sou um cético do longo prazo...

Confio - mas confio mesmo! - em que António Costa e Mário Centeno acabarão sempre por tomar as melhores decisões. Mas gostava que ambos nunca se esquecessem de que esta nossa gente e este nosso país vivem aqui, hoje e nos amanhãs imediatos que contam (mesmo que eles já não “cantem”), não a um prazo longo em que, como bem lembrou Keynes, todos estaremos mortos.

"Estou aqui!"

É quase sempre um ano e picos antes das eleições que começam a surgir entrevistas e artigos de deputados, nacionais ou europeus, mostrando-se e passando “a mão pelo pêlo” aos respetivos líderes, sugerindo-se subliminarmente para mais um mandato. Foi sempre assim! Este ano são ainda poucos. Estou mesmo a estranhar...

Uma boa ideia

Rui Rio disse ontem uma coisa bem sensata: é preciso saber os nomes dos grandes devedores (e dos beneficiários de perdão de dívida) da Caixa Geral de Depósitos, que os contribuintes foram chamados a refinanciar. O argumento de que isso dificultava o refinanciamento já não é válido. Quem tem medo?

Parlamento

Há algo que não honra a imagem do nosso parlamento: o surgimento regular de dúvidas sobre viagens, subsídios, ajudas de custo e similares dos deputados. É assim desde sempre. Fica mesmo a ideia de haver um “omertà” transpartidário para evitar a fixação de regras estritas e transparentes. Não quero crer que seja verdade.‬ Mas será?

Em chávena quente

Vou episodicamente a esse café. Fui lá hoje, ainda não eram nove horas.

De dentro do balcão, vinha uma voz "encarnada", furibunda. A conversa, com um colega adverso que atendia às mesas, ia pesada, ouvida por toda a sala, com indiferença ou com sorrisos, alguns dos quais só íntimos, como era o meu caso. Tratava-se do alegado "roubo" do penalti, ontem. 

Foi então que entrou o "senhor engenheiro". Pediu uma bica e um queque. De trás do balcão, sorridente e solícito, o empregado "encarnado" tinha dito: "Bom dia, senhor engenheiro! O costume?". E para o lado: "Tira aí uma bica curta em chávena aquecida, aqui para o senhor engenheiro". E acrescentou, acolhedor: "Tem ali o "Público", se quiser, senhor engenheiro!"

O senhor engenheiro estava com pressa. Mas não resistiu à conversa cruzada que atravessava o balcão. Enquanto escorropichava a bica, saiu-lhe: "Aquilo ontem, vendo bem, não foi penalti!".

De dentro do balcão, feita súbita trincheira, o empregado urrou: "Não foi penalti? Essa agora! Foi um roubo, uma vigarice, uma falta descarada que ficou por marcar! Querem dar o campeonato àqueles morcões! Isto é tudo um bando de gatunos!"

O senhor engenheiro, não tendo apreciado o "outburst", de cara fechada, já limpava as migalhas do queque no sobretudo quando, imprudente, adiantou, salomónico: "Cada um olha as coisas como lhe parece. Bom dia!" e, moedas postas sobre o balcão, foi saindo.

Foi então que ouviu, gritado, bem alto, de trás da trincheira, com a ousadia da raiva: "Ó senhor engenheiro! Vá mas é ao oculista!"

Fiquei convencido - pelos olhares, eu e vários clientes - que o senhor engenheiro, amanhã, é capaz de mudar de café. 

domingo, abril 15, 2018

Jornalismo


O jornalismo televisivo tem três básicas componentes: a política (nas últimas horas, a guerra), os desastres e “o que corre mal” e o futebol. O que sai disto é quase irrelevante e atirado lá para o fundo dos alinhamentos, para que não se diga que não se mencionou. Em particular, se for algo “positivo”, que vai a contra-ciclo do sentido dessa informação.

Hoje, é o dia em que as televisões se dedicam a “isto”, depois de terem andado com o presidente do Sporting ao colo noticioso por quase uma semana.

Em lugar de 90 minutos de transmissão de um jogo, seguido de uma análise serena de meia hora de comentário por quem sabe, sem emblemas nem tribos, temos estas horas de enxurrada de imagens de adeptos, javardice, emoções insultuosas.

As nossas televisões, todas sem exceção, embora umas mais do que outras, são cúmplices objetivos deste clima balcanizado que atravessa o país. São parceiros da violência e da agressividade. Companheiros da vergonha em que a exploração do futebol de transformou.

Uma tristeza!

Fernando Reino (1929/2018)



Morreu Fernando Reino. Era um transmontano de Felgar. Foi o meu primeiro embaixador quando, em meados de 1979, fui colocado na Noruega. Trabalhámos pouco tempo juntos. Menos de um ano depois, Reino viria a ser chamado por Ramalho Eanes para chefe da sua Casa Civil. Mas, desde os fiordes, ficámos amigos para sempre.

Fernando Reino, como já aqui escrevi, foi um excelente diplomata, com grande sentido de Estado e dos interesses nacionais, com uma muito exigente leitura do serviço público, que impunha aos seus colaboradores. Aprendi imenso com ele. Era uma “força da natureza”, incansável e absorvente, com um ritmo de atividade difícil de acompanhar. Não era fácil trabalhar com Fernando Reino, mas, no que me respeita, foi sempre muito bom, profissional e humanamente.

Europeísta e profundamente empenhado na reforma e modernização da nossa máquina diplomática, via o país em grande. Ainda na semana passada, em Madrid, olhei o prédio onde ele um dia sonhou, quando aí foi embaixador, concentrar todos os serviços oficiais portugueses - da embaixada e consulado às áreas de turismo, comércio externo e até a TAP. As “capelinhas” de Lisboa impediram a concretização desse sonho, a fixação de uma prestigiante centralidade lusitana na capital espanhola.

Como diplomata, Fernando Reino começou por estar colocado na NATO (então ainda em Paris), em Tóquio (recordo-me da sua bela coleção de leques japoneses e das memórias sobre seu primo orientalista, Armando Martins Janeira), em Madagascar, no Cabo, em Tunis (curiosamente, foi diplomata português dentro da embaixada espanhola, que então cuidava dos nossos interesses) e na missão junto da CEE, onde viria a apurar o europeísmo que passou a ser a sua imagem de marca. 

Com o 25 de abril, uma das grandes alegrias da sua vida, coordenou a Comissão Nacional de Descolonização, tendo participado na Conferência do Alvor. Amigo próximo de Melo Antunes, tinha uma excelente relação com Mário Soares e esteve sempre identificado com a ala mais progressista dentro do MNE. 

O seu primeiro posto como chefe de uma embaixada foi em Oslo, em 1977, onde com ele colaborei, tendo daí passado a Belém, por cerca de um ano. Foi depois para Genebra, onde representou Portugal junto de diversas organizações internacionais. Daí, viria a transitar para a embaixada em Madrid, tendo concluído a sua brilhante carreira em Nova Iorque, como embaixador junto das Nações Unidas.

Tenho muita pena que Fernando Reino não tenha deixado obra publicada, como testemunho do muito que viu, das figuras com quem se cruzou, dos momentos históricos em que participou e teve mesmo papel destacado. Falámos muitas vezes da algumas ideias que tinha nesse domínio. Era dono de uma memória privilegiada, como pude constatar em dois agradáveis almoços que, nos últimos anos, tive com ele e com dois diplomatas e seus grandes amigos, João Niza Pinheiro e Alfredo Duarte Costa, que muito vão sentir a sua falta. Agora, ficou para nunca mais o novo repasto que estávamos a organizar.

Deixo um abraço sentido de pesar à Ana Isabel e à Sofia, agora que à saudade da mãe Maria Gabriela juntam a do pai.

A festa grisalha


Ontem, em Coimbra, almocei com um grupo de umas dezenas de vila-realenses, natos ou adotivos, que comigo têm de comum o facto de terem passado um dia pelo velho Liceu Camilo Castelo Branco. 

Alguns são do “meu tempo”, outros mais velhos, nenhum é de uma geração mais jovem. Somos, assim, os últimos nesta bela aventura de amigos. 

Ao longo dos anos, em que por razões atendíveis fui muito relapso, alguns foram desaparecendo dos encontros, outros, nos dias de hoje, já não podem comparecer. Sei lá bem porquê, “eles” são sempre bem mais facilmente identificáveis do que “as belas do meu tempo”, para utilizar o qualificativo clássico do Fernando Assis Pacheco. Há caras de que me lembro muito bem, sem contudo lhes conseguir colar um nome. Outras, permanecem um mistério. Ainda outras, saltam-me de repente à memória, chamando episódios, mais ou menos recortados de verdade ou fantasia. Estas são sempre jornadas com muita graça, de saudável nostalgia, de que cada um leva para casa retratos falados muito diferentes.

Pelo que me toca, fico muito grato a quantos conseguem, generosamente, juntar-nos e organizar estes encontros. Nunca lhes agradeceremos o suficiente.

Ontem, encontrei por lá o Ilídio. Demos conta de que já nos não víamos vai para quatro décadas. Nesse tempo de liceu, ele era uma figura imensa, um bom “gigante”, que sempre revejo embrulhado na capa preta, arruando pelos Primeiros de Dezembro. 

O Ilídio era uma fator de ligação entre todos nós, tinha uma grande paciência para os mais novos, em que eu me incluía. Tinha uma graça infinda, a que a sua figura física ajudava, e disso dava testemunho nos “saraus” estudantis desse primeiro dia do último mês do ano. Para a história académica de Vila Real, ficaram para sempre os seus mano-a-mano com o Zé Amaral, diálogos que, estou certo, o eterno encenador dessas sessões, o Achilles, não conseguia controlar nem disciplinar.

Grande Ilídio! Combinámos encontro para o próximo Primeiro de Dezembro. Etapa a etapa se faz a caminhada, companheiro, por mais dura que ela às vezes vá sendo. Até lá, caro Ilídio!

O Nintendo e o álcool


Este aparelho com quase três décadas ajudou-me a perceber uma coisa essencial.

Creio que em 1990, em Londres, houve alguém que me ofereceu um “Game Boy”. Em semanas, nele me tornei um especialista no jogo “Tetris”, com resultados cada vez mais espetaculares, que me tornavam orgulhoso dos meus reflexos. Batia recordes uns atrás dos outros e a abstração das chatices que a máquina me proporcionava constituia-se como um agradável fator des-stressante de desconcentração.

Um dia, porém, comecei a constatar que, sempre que praticava o jogo depois de um jantar, com vinho seguido de um whisky, um cognac ou um vodka, os meus resultados, por mais que tentasse, nunca eram tão notáveis. 

E dei comigo a pensar: se isto sucede com o “Nintendo”, como estarão, realmente, os meus reflexos na condução do meu carro, depois de uma refeição bem bebida? Os tempos (ainda) eram outros em termos de controlo de taxas de alcoolémia (e os diplomatas eram menos escrutinados), mas eu aprendi rapidamente a lição. Felizmente sem custos...

Onde é que andará o meu “Nintendo”?

sábado, abril 14, 2018

Os raios do “Sol”


O “Sol” zangou-se hoje comigo. Por, neste blogue, eu ter antecedido o nome do jornal de um inocente artigo “o”, e por ter cometido a graça de qualificá-lo de “clandestino”. E lembrou, não fosse eu esquecê-lo, que me entrevistou um dia, em 2016.

Não se amofine o “Sol” por tão pouco! 

A referência ao artigo é manifestamente um preciosismo, eufemismo para picuinhice, ó “Sol”! Ficou-me de um programa radiofónico dos “pioneiros” do MPLA, que se chamava “O Sol”. É que pensei que não se importassem, mosquitos me mordam! 

O termo” clandestino”, que é uma palavra com uma história muito nobre, foi usado a propósito das baixas tiragens que me consta que o jornal está a ter, pelo facto de não conseguir consultar em parte alguma esses números (mas admito que seja defeito meu). Se e quando houver números comprovados para aqui apresentar e comparar, estou ao dispor!

De uma coisa pode o “Sol” estar descansado: cá em casa, chova ou vente, o “Sol” entra em todas as manhãs de sábado. Não será por minha culpa que as tiragens não sobem!

“Olhar o mundo”



Gravei há poucas horas aquela que foi a minha última participação regular no programa de relações internacionais “Olhar o Mundo”. O programa pode ser visto este sábado, às 14.30, na RTP3.

Foram mais de quatro anos de conversas com Antonio Mateus, a quem agradeço a amável hospitalidade que deu às minhas opiniões. Tive um imenso gosto em fazer parte desta bela aventura televisiva.

Embora com assumida nostalgia, tomei a decisão de pôr fim a esses comentários, por ter constatado, de forma crescente, uma incompatibilidade entre as datas de preparação e gravação do programa com outros compromissos por mim assumidos, muitas vezes fora de Lisboa. No calendário dos próximos meses, novas sobreposições vinham já a caminho.

Quero agradecer a constante adaptabilidade do António Mateus e dos meus companheiros de programa, ao longo dos últimos anos, alguns dos quais, por mais de uma vez, sacrificaram as suas agendas em benefício da minha. 

Esse “dream team”, um magnífico grupo de especialistas de relações internacionais, teve ao longo do tempo Ana Isabel Xavier, Catarina Albuquerque, Felipe Pathé Duarte, Luis Tomé, Monica Ferro, Teresa Anjinho e Tiago Moreira de Sá. Foi para mim um privilégio trabalhar com esta nova e competente geração de académicos. Em todos, sem exceção, fiz excelentes amigos.

Felicidades para o “Olhar o Mundo”, um excelente programa, como não há outro na cena televisiva portuguesa, que ajuda a interpretar a vida internacional, com rigor, independência e seriedade.

Em tempo: afinal, o programa passou para as 11.30 de domingo... Se não houver uma transmissão de uma partida de matraquilhos! 

sexta-feira, abril 13, 2018

13

Para sexta-feira 13, o dia até não correu muito mal...

Marvila


Há não muitos anos, se alguém dissesse, em Lisboa, que havia algo de divertido para fazer em Marvila passava por lunático. 

De Xabregas ao Beato, passando pelo Grilo, do Poço do Bispo a Marvila, a Lisboa oriental era apenas um amontoado de fábricas, silos, armazéns e casas de uma vida suburbana sem qualidade. Depois, já mais para longe, era o Braço de Prata, a Matinha, Cabo Ruivo e Beirolas - hoje, o Parque da Nações, ainda Expo para muitos.

No meu tempo de faculdade, em que vivia nos Olivais, ia de manhã cedo a Moscavide apanhar o “28” para o Restelo, que me iria deixar na Junqueira. Para lá chegar, porém, tinha de começar por atravessar toda essa zona. 

No autocarro, cheio de gente sonolenta, fechávamos bem os vidros para inspirar, o menos possível, o cheiro que nos vinha com o fumo das refinarias da Sonap, olhávamos o cais abandonado onde jazeu por muitos anos a carcaça do último hidroavião para a Madeira, fazíamos graças entre nós sobre um eventual uso de uvas nos armazéns de vinho do Abel Pereira da Fonseca, víamos os motoristas “aviarem-se” no urinol (ainda lá está, é o último de Lisboa, creio) no largo do Poço do Bispo. E, bem incómodos, no irregular do empedrado, íamos como sardinhas em lata verde da Carris, na caloraça do verão ou no gelo húmido do inverno. Nem com esforço tenho saudades desses tempos, confesso!

Olhei há pouco a capa da excelente “Evasões” de hoje e fiquei a saber que Marvila - onde foi criado o histórico Oriental, o Clube Oriental de Lisboa - agora está na moda. Galerias, lojas, restaurantes, um mundo novo! 

Grande Lisboa!

Olá, vizinho!


As plantas do horto estavam, há minutos, a entrar-lhe para a nova casa, a dois passos da minha.

“Soyez le bienvenu” ao bairro, Eric Cantona!

Tiago Moreira de Sá


Tiago Moreira de Sá tem sido, desde há anos, um companheiro no grupo que, a convite de António Mateus, faz o “Olhar o Mundo”, na RTP.  É um professor universitário que tem já importante obra publicada, com uma atenção particular nas relações luso-americanas, tema em que se converteu no maior especialista nacional.

Recordo-me que, há poucos meses, no pátio da Universidade Nova, tive uma conversa com o Tiago sobre Rui Rio, ainda a montante do anúncio da decisão deste de se candidatar à liderança do PSD. Notei a leitura positiva que fez sobre o perfil político daquele que agora é líder da oposição e como contrariou alguns argumentos críticos que eu então adiantei sobre ele.

Tiago Moreira de Sá surgiu ontem no Conselho Estratégico do novo PSD de Rui Rio, responsável pela área das Relações Externas. Dificilmente o principal partido da oposição poderia ter encontrado uma figura mais competente e com uma visão clara sobre os interesses nacionais naquele domínio. Digo isto com a maior sinceridade.

Desejo ao Tiago, nas novas e futuras funções, todas as felicidades que forem compatíveis com o meu desejo político de que o PSD se mantenha, por muitos e bons anos, na oposição. É que, com gente da sua qualidade a titular essa mesma oposição, as coisas tornam-se bem mais difíceis para quem pensa como eu...

Um forte abraço, Tiago!

A segunda fronteira da Rússia

Barack Obama afirmou um dia que a Rússia se tinha transformado numa potência regional. Tecnicamente, a “boutade” provocatória podia ter algum sentido, mas a região a que o antigo presidente americano se referia era então muito mais limitada do que aquela em que poder militar de Moscovo hoje se afirma. Por ironia, iriam ser as inconsequentes opções políticas do próprio Obama que acabariam por oferecer à Rússia um papel central numa área geopolítica onde a sua presença era até então bem menos relevante: o Médio Oriente. 

Obama herdou um mundo em que os Estados Unidos vinham a tentar libertar-se do custo político-militar de uma ocupação arbitrária do Iraque, sem mandato internacional, com as desastrosas consequências que isso veio a ter no equilíbrio estratégico da região. As pessoas podem já ter esquecido o Estado Islâmico, mas essa sinistra organização, responsável por inomináveis barbáries e por um proselitismo fanático que a Europa sentiu na pele, foi uma óbvia consequência dos vazios de poder gerados por aquela ação. E o perigoso “tandem” entre os turcos e os curdos mais não é do que uma decorrência disso mesmo.

Em cenários de elevada tensão, a vida internacional há muito que ensinou que há equilíbrios em que é irresponsável tocar, sob pena do resultado de uma rotura poder vir a desencadear efeitos mais gravosos do que a situação precedente. No limite, há mesmo que ter o realismo de admitir que determinados problemas não têm uma visível solução. Nesse caso, a sensatez recomenda que nos habituemos a viver com a existência dos conflitos, apenas garantindo que a sua baixa intensidade é preservada, sem prejuízo de continuar a tentar resolvê-los. 

Os Estados Unidos, contudo, parece não terem aprendido a lição do Iraque. Derrubar ditadores e provocar mudanças de regime é sempre uma opção tentadora e, em geral, traz aplausos fáceis. Mas o dia seguinte é imprevisível, como a História o tem demonstrado. George W. Bush colocou a América a cometer esse erro. E Obama repetiu, noutra escala: veio a dar cobertura ao grave erro estratégico de dois impulsivos líderes europeus que embarcaram numa acção na Líbia que, ninguém hoje o duvida, tornou a emenda bem pior que o soneto. O caos no Sahel e o agravamento exponencial do drama das migrações transmediterrânicas resultou diretamente daí. 

Convirá recordar que a aventura líbia havia sido abençoada por um mandato do Conselho de Segurança da ONU, aprovado com luz verde da Rússia. Mas o facto dos poderes ocidentais terem ultrapassado tal mandato, que simplesmente previa a defesa da Cirenaica contra a agressão da Tripolitânia, aproveitando para se verem livres de Kadhafi, fez a Rússia aprender a lição. Por isso, quando Assad, na Síria, esmagou violentamente os alvores de uma “primavera” política, a Rússia não permitiu, com o seu veto na ONU, a repetição do cenário. Terá feito isso apenas por “amor” a Assad? 

A Rússia não tem menos receio do que os ocidentais no tocante aos riscos do extremismo islâmico. Receia que uma eventual afastamento do poder de Assad possa vir a converter o espaço da Síria num terreno vizinho de instabilidade. Moscovo já percebeu que os EUA – e os seus aliados da NATO – vão deixar um caos no Afeganistão, onde foram à caça legítima dos responsáveis pelo 11 de setembro, e que isso acabará por sobrar para eles. Do Médio Oriente ao Cáucaso, que é a sua fronteira sul, a Rússia sabe que é um passo muito curto – e já viu o que sucedeu na Chechénia, no Daguestão e na Ossétia do Norte. O islamismo radical espreita também a Rússia na fragilidade da Ásia Central.

O poder em Moscovo explora o sentimento de humilhação que os russos sentem pela derrota na Guerra Fria. E usa bem o espetro de cerco que derivou da chegada da NATO e da União Europeia a escassas centenas de quilómetros da sua capital. Depois da descarada tentativa ocidental de instabilizar a Ucrânia em seu favor, a Rússia “empatou” o jogo por ali, criando um “conflito congelado”. Mas percebeu que vale mais ser temida do que respeitada. Já tinha testado os ocidentais na Geórgia, e ganhou. Tomou a Crimeia com um custo razoável – as sanções e o afastamento do G8. A Síria transformou-se agora na sua segunda fronteira. 

Não perceber a Rússia é meio caminho andado para não a conseguir enfrentar.

“The Economist”


A guerra dos outros


Anteontem, ao final do dia, alguém me dizia: “Vamos ver se já há imagens do ataque à Síria”, que se presumia para essa noite. Mas a pessoa ia fazer “zapping”, para ver o resumo alargado do Real-Juve.

É impressionante o modo quase indiferente como o nosso mundo olha, nos dias de hoje, para o risco real de guerra que se perfila no Médio Oriente. 

Leem-se as notícias, as bravatas twitadas pelo presidente americano e tudo nos parece uma realidade quase virtual, que nunca nos afetará. Ouviu-se Putin anunciar, com deslumbre tecnológico, um mar de armas “inteligentes” e ficou-nos a sensação de estar a ver um documentário de conquistas científicas. 

As gerações europeias que aí estão perderam, por completo, a memória da guerra e, por isso, nem sequer a imaginam plausível. A guerra, para os europeus contemporâneos, é sempre a guerra dos outros. O mais próximo que a sentiram, foi nos Balcãs ou no leste da Ucrânia. Banalizaram, pela televisão, os mortos alheios no Iraque ou no Afeganistão, a tragédia síria, o caos líbio. E, por terem visto os Estados Unidos e a Rússia a lançar mísseis à distância, e a enviar drones para proceder a “extra-judicial killings”, acham que tudo se passará sempre com essa “limpeza” estratégica. E, claro, com as vítimas de que nunca conhecerão os nomes.

E, no entanto, de há muito que uma guerra não estava tão próxima. Não sabemos que tipo de guerra, não sabemos mesmo se haverá alguma, e, se houver, o que ela poderá vir a ser. Pensamo-la sempre limitada, distante de nós, como se houvesse um escudo protetor que dela nos afastasse. E, inconscientemente, excluímos um conflito nuclear, pensamos que a dissuasão o afasta do cenário de hipóteses. Damos por adquirido que o poder militar limite está sempre em mãos responsáveis.

Ora, no caso americano, a guerra ou a sua ausência estão nas mãos de um megalómano desequilibrado, cada vez mais rodeado de belicistas. No terreno russo, num autocrata que tem menos fatores de controlo do que tinham os dirigentes soviéticos ao tempo da Guerra Fria. Em seu torno, para além de um assassino sanguinário que, na Síria, segue as passadas criminosas do pai, encontramos hoje um líder turco com ambições desmedidas e incontroladas e aquele que é, talvez, o mais radical dirigente na história de Israel. A isso se soma a tensão extremada entre o Irão e a Arábia Saudita.

O mundo está perigoso. Com sorte, a guerra não virá. Sem ela, poderá surgir. Com grande azar, poderá envolver-nos. Em qualquer caso, não a vemos chegar.

Boas e más notícias

Não é todos os dias que recebemos boas notícias, como esta, sobre o afastamento das chances de gente insalubre. Mas, ao fim do dia, ninguém ...