Há mais de sete anos, escrevi aqui isto. Repito o texto hoje :
“Em meados de 1996, recebi no meu gabinete o embaixador de Israel em Portugal. Meses antes, em Jerusalém, ambos havíamos almoçado em casa de Itzahk Rabin, horas antes deste ser assassinado. A partilha desse momento criara entre nós uma relação especial.
Israel tinha ido a votos, semanas antes. Netanyahu acabava de ser nomeado primeiro-ministro. O embaixador cessava as suas funções, por ter atingido a idade da reforma. Ia regressar a Israel. Era uma figura muito simpática, popular em Lisboa, onde ia deixar grandes amigos. Ofereceu-me um livro de Amos Oz, que tinha acabado de ser publicado em português. Trocámos algumas palavras amáveis, como é uso nas despedidas, desejei-lhe felicidades pessoais e fui levá-lo ao pátio do Palácio da Cova da Moura, onde estava o seu carro. Lá chegados, perguntei-lhe se achava que a vitória do Likud ia induzir mudanças drásticas no processo de paz que, pelo menos no papel, parecia ainda poder subsistir. Otimista por dever de ofício, disse-lhe que não esquecia que o mais corajoso passo político que testemunhara por parte de um governo israelita - o tratado de paz com o Egito - fora dado precisamente por um governo Likud. Seria este novo governo Likud capaz de uma "paz dos bravos"?
O embaixador olhou para mim de um modo estranho. Fez um ricto facial que não me pareceu dever-se ao sol que lhe banhava a cara. Notei lágrimas a surgirem-lhe nos olhos. Agarrou-me o braço com força e, com visível dificuldade para dizer o que diria de seguida, ousou expressar: "Meu querido amigo. Provavelmente, eu não deveria estar a dizer-lhe isto, mas digo-o: com a eleição de Netanyahu, o meu país entrou no caminho da tragédia. Qualquer paz é impossível com ele. Não o conhecem!". E entrou no carro. Nunca mais o vi. Não sei se, quase duas décadas passadas sobre aquele momento, ainda será vivo. Espero bem que sim.
Lembrei-me dele há minutos. Os israelitas voltaram a escolher Netanyahu.”
5 comentários:
Mais um caso que mostra que existe, de facto, responsabilidade coletiva.
Apesar disto, apesar do apoio reiterado dos israelitas a este traste, apesar do apoio reiterado dos russos a Putin, apesar do apoio dos alemães a Hitler, contina a haver muitos "poetas" que insistem na ideia de que os povos não são responsáveis pelo que lhes acontece a si e pelo que permitem que aconteça aos outros.
Qualquer paz é impossível com ele.
Sim, mas os israelitas não querem a paz. O que querem é vencer a guerra.
José, tem muita razão.
Os portugueses estão há dezenas de anos com a economia estagnada, mas estão assim, em boa parte, porque o querem. Ter uma economia progressiva custaria muito, seriam precisas muitas reformas dolorosas, muitas pessoas a cair dos seus lugares instalados, fazer muitas alterações penosas. Mais vale ficarmos sossegados, deixar tudo como está, assim como assim já estivemos pior, e continuarmos a votar PS, que é o partido que garante a modorra.
Não são somente os portugueses, aliás, que estão assim, muitos outros países, mais ricos, sofrem do mesmo síndrome.
O embaixador cessava as suas funções, por ter atingido a idade da reforma. Ia regressar a Israel. Era uma figura muito simpática, popular em Lisboa
Bem podia ter cá ficado, o judeu. Isto é um país bom, bem melhorzinho do que Israel. Podia ter cá ficado a gozar a reforma. Atualmente há cada vez mais judeus (de Israel) que veem para Portugal, e fazem eles muito bem.
O problema não é só Netanyahu, por mais que há 7 anos o Senhor Embaixador e o então embaixador de Israel em Portugal, tenham alertado sobre os perigos da eleição de Netanyahu para o futuro de Israel.
A verdade é que Netanyahu é já o primeiro-ministro há mais anos no governo de Israel, e após um curo interregno, acaba de ser eleito novamente e formar o governo mais à direita de sempre em Israel, numa coligação composta pelo seu partido, o Likud (direita), por 2 partidos ultraortodoxos e 3 de extrema-direita.
Ou seja, os israelistas voltaram a escolher Netanyahu, porque Israel se tornou num “Estado de apartheid”. Foi o escritor sul-africano John Maxwell Coetzee (Prémio Nobel Literatura 2003) que numa conferência dada em Ramallah, na Cisjordânia, afirmou que “o apartheid sul-africano foi um sistema de segregação forçada baseada na raça e na etnia, praticada por um grupo excludente e autoproclamado para consolidar uma conquista colonial e, em particular, para manter e estender seu domínio sobre uma terra e seus recursos naturais”. E acrescentou “Em Jerusalém e na Cisjordânia, para falar só de Jerusalém e Cisjordânia, o que temos é na mesma um sistema de segregação forçada baseada na religião e na etnia, praticada por um grupo excludente e autoproclamado para consolidar uma conquista colonial e, em particular, para manter e estender de facto o seu domínio sobre uma terra e seus recursos naturais”.
Mas também a própria organização israelista “B’Tselem – The Israeli Information Center for Human Rights in the Occupied Territories”, classifica Israel como um “Estado de apartheid”.
Assim como a África do Sul era uma democracia apenas para os brancos, também Israel se transformou numa democracia só para os israelistas, mas que o novo governo de Netanyahu com a integração do sionismo religioso, de Itamar Ben-Gvir e Bezalel Smotrich, e a alteração na definição de quem é judeu, parece afastar ainda mais da democracia, aproximando-o daquilo que alguém já apelidou de “um fascismo judaico”.
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