domingo, abril 25, 2021

Há 20 anos, dia por dia


Eu estava em Nova Iorque há menos de dois meses. Nesse dia, saí de casa, muito cedo, diretamente para a sede da ONU, onde tinha reuniões, umas a seguir às outras.

Com alguma ingenuidade, algo “stakhanovista”, eu tinha decidido encontrar-me pessoalmente com todos os colegas estrangeiros embaixadores na ONU! Todos! Os 189, à época! Toda a gente achou que era uma loucura, mas eu só cheguei a essa conclusão ao final de quase três meses.

Com uma “vingança” pessoal: ganhámos todas as eleições para todos os cargos a que concorremos, algumas ditas impossíveis. É verdade que eu tinha uma equipa “eleitoral” de luxo, herdada do meu colega António Monteiro, mas ter a “lata” de ir ver o embaixador de Vanuatu, seguido do de Saint Kitts and Nevis e o do Burkina Faso e, depois, nos dias seguintes, mais 185, não terá deixado de contar alguma coisa para isso. Foram longas semanas nisto!

Cheguei assim, nesse dia, à nossa Missão, já depois do almoço. Ainda não tinha entrado no gabinete e já as minhas secretárias me avisavam da lista das “chamadas em atraso”. Nas Nações Unidas, está sempre alguma coisa em atraso! E havia ainda a lista dos colaboradores que tinham feito “reserva” para me verem, com “telegramas” para eu dar “luz verde”, antes de seguirem para Lisboa, onde já eram umas horas mais tarde, com informações ali aguardadas, o que aumentava a angústia.

Só quando me sentei na secretária é que dei por ele: um ramo de cravos vermelhos. Era 25 de abril! E eu nem me lembrara da data! Nas embaixadas bilaterais era feriado! Ali, em Nova Iorque, era um dia de trabalho, como os outros!

“Cristina! Quem trouxe estes cravos?”, perguntei, imagino que com o sentimento de ter ganho o meu dia. “Foi a Dra. Clotilde Mesquita!” A Clotilde era uma funcionária da Missão, que eu conhecia já de Lisboa.

Quis a sorte, ou o azar (hoje a minha doutrina interior divide-se sobre o assunto) que só tivesse mais um 25 de Abril em Nova Iorque.

No ano seguinte, em 2002, também no dia 25 de Abril, organizei um jantar em casa em que juntei Xanana Gusmão e Mari Alkatiri, para lhes apresentar aquele que iria ser o sucessor de Sérgio Vieira de Mello em Timor, o indiano Kamalesh Sharma, até ali meu colega como embaixador da Índia junto da ONU.

A minha mulher, que não estava presente no jantar, tinha posto um cravo vermelho em frente de cada convidado. Xanana e Alkatiri sorriram muito. Ao indiano tive de explicar o porquê da flor.

Mas, também nesse dia, já de manhã, a Clotilde me tinha deixado cravos sobre a minha mesa de trabalho na Missão portuguesa. E, depois disso - e já passaram quase duas décadas - esses cravos passaram a virtuais, em Viena, em Brasília, em Paris e, finalmente, aqui em Lisboa. Em todos os 25 de Abril.

Obrigado, querida Clotilde! E viva o 25 de Abril! Sempre! 

1 comentário:

Lenah disse...

https://www.youtube.com/watch?v=M7oeAH1Rj3I

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