sexta-feira, abril 23, 2021

Da cepa torta à boa nova

                           


Alguns podem detetar algo de gastronómico no título deste artigo. Têm e não têm razão.

Rui Paula, hoje um “chefe” mais do que credenciado, iniciou o seu percurso no ‘Cepa Torta’, em Alijó, atravessou o Douro para a Folgosa, aportou depois no Porto, andou pelo Recife e por Lisboa, e hoje, estrelado sem favores pela Michelin, oficia grande qualidade na Casa de Chá da Boa Nova, um pouco além de Matosinhos.

Neste entretanto, conseguiu, apenas à custa do seu esforço e mérito, romper barreiras e entrar na aristocracia gastronómica dominada por Lisboa e por algum Algarve feito para a estranja. Ele é, assim, a prova provada de que se pode sair da Cepa Torta…

Mas não, não era do Rui Paula que eu queria falar hoje. Era do país.

Portugal evoluiu muito. Somos muito diferentes do que éramos há décadas. As pessoas vivem, em geral, bem melhor, houve um salto imenso na sua qualificação. A sociedade (infraestruturas, saúde, educação, bem-estar) deu um grande passo adiante, as mentalidades abriram-se, há novas oportunidades.

Foi o 25 de Abril? Foi a entrada para as instituições europeias? Se não tivesse havido uma Revolução naquele dia, alguma coisa teria acontecido tempos mais tarde, embora provavelmente com mais sangue e mais lágrimas. Se não tivéssemos aderido às Comunidades em 1986, teríamos, com toda a certeza, chegado lá tempos depois, mas seguramente em condições mais desvantajosas. Portugal não ficaria parado no tempo. A única coisa que me parece certa é que a Revolução chegou tarde demais mas que, face a esse calendário, a entrada para o projeto europeu foi no momento certo.

Mas, aqui, começa a minha perplexidade: por que razão, com toda a liberdade e com fortes ajudas, não obstante os avanços que se produziram, o país continua a perder terreno face aos seus pares europeus? Há quantos anos ouvimos falar de planos, de projetos, de metas e, depois, tudo o que é concretizado acontece tarde, e sempre numa escala mais modesta?

Vem agora por aí a ‘bazuca’. Magnífico! Mas por que é que será que muitos não acreditam que “agora é que é”, que o passo adiante no nosso desenvolvimento pode, afinal, ser mais uma oportunidade falhada?

“Também tu alimentas o pessimismo?”, estou já a ouvir alguns amigos a inquietarem-se com estas minhas interrogações. Sou um otimista por natureza, mas, confesso, já estou tão “escaldado” que, de quando em vez, tenho quebras no meu ânimo.

Custa-me muito ter a sensação de que, por muitos esforços que façamos, não saímos da mediania, do “assim-assim”, de um resultado apenas razoável. Não consigo encontrar alguém que, de forma convincente, me diga, sem eu ter de fazer um esforço voluntarista para acreditar, que é desta que vamos deixar de ser o país mais pobre da Europa ocidental, que vamos parar de exportar mão-de-obra qualificada “chave-na-mão”, que vamos aproximar-nos, decisivamente, da média de crescimento e de riqueza da União. Gostava de ouvir alguém que me desse a boa nova de que vamos sair da cepa torta.

4 comentários:

aguerreiro disse...

Foi praga rogada pelo Marcelo I!

João Forjaz Vieira disse...

Tem, a meu ver, uma explicação bem simples: o governo não tem prestado para nada!

Francisco Seixas da Costa disse...

O João Forjaz Viana deveria ter notado que o texto é sobre os últimos 40 anos, isto é, inclui os governos de que, pelos vistos, gostou.

João Forjaz Vieira disse...

Em matéria de sair da cepa torta sigo as estatísticas da Prodata e vou sabendo, por elas, o desvalor dos sucessivos governos. É de facto lamentável e até uma vergonha o que se constata.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...