Renato Janine Ribeiro é um intelectual brasileiro que, há uns anos, ocupou o cargo de ministro da Educação do Brasil. É um figura serena, dialogante, com uma sabedoria amável, a que, seguramente, não será alheia a sua formação em filosofia. Um democrata e um amigo.
Tenho o gosto de, com ele, ser membro de uma agremiação “do bem”, o Forum Demos, uma estrutura animada por Álvaro de Vasconcelos, que Portugal se habituou a conhecer como a alma do Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais (IEEI) e que, mais tarde, ajudou as instituições europeias a pensarem-se no mundo.
O Renato enviou-nos hoje, a propósito do 25 de Abril, uma data que os nossos amigos além do Atlântico saúdam connosco a cada ano, este delicioso testemunho que, com sua autorização, me atrevo a partilhar:
ANIVERSARIO DA REVOLUÇÃO DOS CRAVOS
Penso que nunca relatei este episódio de que fui testemunha.
Hoje, aniversário da Revolução dos Cravos, que tornou possível falar em público de liberdade e democracia na língua portuguesa, até então presa de vis tiranos, eu a conto.
Estive em Portugal todo o mês de agosto de 1974, conhecendo o vigor de um povo que se libertara. Voltando a Paris, onde eu era bolsista (não, não fui exilado), recebi um convite de um amigo de meu pai que ia dar uma recepção pequena, em seu apartamento, para o 7 de Setembro. Era o adido cultural em Paris, Clovis Graciano, um dos grandes pintores brasileiros.
De vez em quando, aliás, ele me chamava a almoçar em sua casa, onde ele e a esposa me recebiam. Seu filho Paulo trabalhou com meu pai, ainda jovem, na editora Banas de publicações econômicas. Mais tarde, meu pai assessoraria Paulo, quando este foi presidente do Instituto Brasileiro do Café, o IBC. Havia, então, uma discreta amizade de família.
Paulo Graciano era um pintor vigoroso, que tinha militado à esquerda. Agora, era adido cultural do embaixador Delfim Neto.
Pois a certa altura, numa destas rodas que se formam e dissolvem num coquetel, todos de pé, um jovem filho de dono de jornal importante começou a contar sua viagem a Portugal, dias antes, e o descontentamento que ouvira dos motoristas de taxi. Clovis Graciano então disse o que sua empregada, portuguesa como era muito comum em França naquela época, lhe afirmara:
- Dr Clovis, os comunistas estão a tirar as quintas, as herdades de quem as tem!
Os circunstantes, dois além de mim, ficaram animados, esperando a frase fatal anticomunista que deveria arrematar esse depoimento da senhora portuguesa. Mas Clovis:
- Minha filha, tu tens quintas? Tens herdades? Não? Então tens é que estar com os comunistas!
O silêncio foi sepulcral. Os dois outros circunstantes saíram da roda, ressabiados. Clovis ria. Eu exultava.
1 comentário:
Em seis linhas, com humor, mas muita verdade, assim se explica o atraso de muitos portugueses, como a empregada, politicamente incultos, ao ponto que até nem sabem onde se situa o seu campo…
É sobre esta “massa” amorfa que se move o fascismo, desde sempre, e hoje mais que ontem. É a base do populismo.
O Dr. Clóvis via mais longe …
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