“Famalicão e Cacém seguem amanhã”. Era o texto de um curto telex, do meu colega Tavares de Carvalho, que estava na nossa embaixada em S. Tomé, enviado para mim, colocado na de Luanda, algures em 1985.
A nossa mensagem cifrada era em “ostensivo”, como se dizia nas Necessidades, para gozar com a “secreta” angolana, porque havia a suspeita de que ela lia a nossa “telegrafia”.
No caso, era irrelevante, mas a mensagem significava que o embaixador itinerante para as questões culturais, José Fernandes Fafe (daí o “Famalicão”) e o professor Lindley Cintra (daí o “Cacém”), viriam no bissemanal voo da TAAG, de S. Tomé para Luanda, que chegaria no dia seguinte. Foi nesse dia que os conheci a ambos, pela primeira vez.
No passado dia 25 de Abril, o presidente do município de Cascais, Carlos Carreiras, nas palavras que proferiu, aquando do encerramento do marco que atribui a José Fernandes Fafe o nome de uma rotunda na vila, evocou, imagino que perante o desconhecimento de muitos que por ali estavam, a associação do homenageado à “Esquerda Liberal”.
“Chapeau!”, pensei para comigo! Como é que alguém se lembrou disso, que está nos arcanos da memória político-cultural portuguesa?! Pressenti uma leve reação de surpresa e (só imaginei, por causa da máscara) um sorriso na cara do meu amigo Eduardo Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República, ali presente como amigo de Fernandes Fafe.
Achei graça porque, numa das belas noites de conversa que tivemos com Fafe e Cintra em Luanda, nesse ano de 1985, recordo-me de lhe ter manifestado a minha estranheza pelo facto de o ter visto surgir ligado a um grupo de antigos militantes da extrema-esquerda que, com um clube com esse nome, prosseguido depois com a revista “Risco” (onde o leque ideológico se alargou muito), iniciavam então o seu “luto” da aventura que os tinha levado pelas catacumbas dos diversos estalinismos.
Fernandes Fafe, que eu sabia ligado a outra bem diferente tradição política, dera a sua prestigiada “bênção” a esse grupo (Pacheco Pereira, João Carlos Espada, Villaverde Cabral) e, julgando conhecer as suas ideias, isso surpreendera-me. E disse-lho.
Nessa noite, Fernandes Fafe explicou-me, com um detalhe teórico que eu, posso imaginar hoje, só por educação terei fingido acompanhar, por que me não revia minimamente nas ideias da tal Esquerda Liberal, o mérito dessa iniciativa. Recordo bem ele ter feito um enfático elogio à qualidade intelectual dessas figuras, no que concordei, em absoluto. Mas só nisso!
Verdade seja que essa Esquerda Liberal viria a cair, então, inteiramente nos braços do “soarismo” que haveria de chegar a Belém, para depois alguns se afastarem até chegarem ao “cavaquismo”. Não foi esse, claro!, o percurso de Fernande Fafe.
Para uma pessoa para quem, desde há muito, a palavra “liberal” só soa bem quando é dita por um americano e com o sentido que por lá tem (na tropa, eu “insultava” o meu amigo e posterior colega embaixador António Franco, chamando-lhe “liberalóide”), tendo lido muito do que Fernandes Fafe publicou, até ao final da sua vida, permito-me crer que, nos dias de hoje, ele se sentisse menos confortável com uma proximidade à ideia “liberal”. Mas isto sou só eu a especular!
E como já não tenho já comigo, para tirar teimas, o meu amigo António Silva, uma das pessoas que venerava Fernandes Fafe, e que, há anos, editou uma muito interessante conversa com ele, só me posso ficar por estas conjeturas, hoje suscitadas por aquele episódio, que durou escassos segundos, na mais do que merecida homenagem a esse grande embaixador da Cultura que o Palácio das Necessidades teve.
Parabéns, José Paulo Fernandes Fafe, por esta justíssima homenagem ao seu pai. E agradeço-lhe muito o ter sido convidado a nela participar.
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