segunda-feira, dezembro 13, 2021

Pécresse, Zemmour e a França que aí vem


A quase seis meses do sufrágio, a luta política em torno das eleições presidenciais francesas segue já bastante animada. 

À esquerda, Jean-Luc Mélenchon é o único a conseguir furar, ainda que ligeiramente, a barreira dos 10%, com a candidata socialista Anne Hidalgo a mostrar-se sem hipóteses de dar um salto significativo nas sondagens. A desesperada tentativa que fez para lançar uma espécie de “primárias à esquerda”, para escolher “quem estivesse em melhores condições para derrotar a direita”, ideia que envolvia Mélenchon, os Verdes e candidatos de outros setores, foi acolhida com total frieza por esses mesmos candidatos e lida por toda a gente como sintoma de total isolamento.

Mélenchon, um antigo secretário de Estado de Mitterrand (facto pouco conhecido) que tenta federar a “esquerda da esquerda” através da sua “France Insoumise”, é um candidato sem condições de ser eleito ou mesmo qualificar-se para a segunda volta. Isto acontece por muitas razões mas, muito em especial, pelo facto da esquerda, em geral, ser, nos dias de hoje, um setor político com um “appeal” conjunturalmente reduzido no cenário francês. Um dia poderá tentar perceber-se o que levou a este “desastre”, à revelia de uma tradição política de muitas décadas. O que, no entanto, não significa que não seja uma tendência reversível.

À direita, há duas surpresas. 

No seu extremo, o surgimento de Éric Zemmour, um jornalista, prolífico comentador televisivo e escritor ultra-conservador, trouxe uma quebra sensível à força de Marine Le Pen, que, por muito tempo, se considerou, com razão, a federadora da extrema-direita e, nessa qualidade, a “challenger” natural de Emmanuel Macron. O presidente da República estaria, ao que se diz, bastante confortável com esse cenário. É que, em 2017, Le Pen havia dado clara mostra das suas limitações, no debate entre as duas voltas, e nada levava a supor que as coisas se tivessem alterado em termos que pudessem colocar em risco a reedição das pretensões de reeleição de Macron.

O surgimento de Zemmour veio alterar esse equilíbrio. Le Pen teve uma queda imensa nas sondagens, claramente em favor de Zemmour, que, nas primeiras semanas, chegou a equivalê-la na preferência potencial dos eleitores. O jornalista defende uma agenda anti-islâmica e de rejeição da presença dos estrangeiros, dizendo querer reconstituir uma França “para os franceses”, que entende estarem a ser privados do seu país por uma “invasão” islâmica que, a seu ver, tenderá, a prazo, a tomar conta da França (“le grand remplacement”). Com um discurso muito articulado, Zemmour é um razoável tribuno e um excelente debatedor, sendo que a sua sofisticação intelectual (no que se distingue imenso de Trump) o pode tornar mais ouvido em setores mais conservadores da direita tradicional. Em seu desfavor funcionará um excesso de agressividade verbal, alguma misoginia e um sensível recuo em temáticas de género, que o isolam de um eleitorado mais centrista. Tem contra ele muitos setores de imprensa, os quais, no entanto, lhe continuam a dar imenso palco. Num debate recente com o ministro da Economia, Bruno le Maire, Zemmour mostrou um manejo dos temas económicos que surpreendeu muitos observadores, que o consideravam limitado a uma agenda quase monotemática - assente na segurança e na identidade.

A segunda surpresa, também à direita, foi dada pela escolha de Valérie Pécresse, numa eleição “primária” entre os militantes da direita clássica. Embora a imagem de Pécresse fosse sólida e, ainda recentemente, tivesse sido reconduzida pelos eleitores à frente da região do Grande Paris, estava longe de ser dada como favorita na seleção do candidato do “Les Républicans” às presidenciais. Xavier Bertrand, também presidente de região e antigo ministro de Sarkozy era visto como a escolha mais provável. O antigo comissário e negociador do Brexit, várias vezes ministro, Michel Barnier, parecia oferecer uma “imagem de Estado”. E até Éric Ciotti, da ala direita do partido, com uma linguagem e propostas de grande radicalismo, “pescando” claramente nas águas de Le Pen e Zemmour, parecia surgir como mais qualificado. Seria, aliás, Ciotti quem iria passar a uma segunda volta com Pécresse, sendo aí derrotado. O facto de todos esses putativos candidatos terem já declarado apoiar Pécresse ajudá-la-á muito na mobilização das hostes comuns.

Pécresse, também ministra de Sarkozy, traz consigo um passado governamental sólido, competente, mas não muito espetacular. Ser mulher acabará por um fator importante, ter tido um percurso político sem falhas e sem “gaffes” redunda numa excelente qualificação. Contra ela funcionará um tom algo arrogante e um ar “social-urbano” a que os franceses chamam “bobo”. Mas Pécresse revela uma interessante determinação no discurso e revela ter ideias claras. Parece, ainda assim, “à esquerda” de François Fillon, o primeiro-ministro de Sarkozy que, em 2017, terá ficado atrás de Macron por virtude de trapaças nepotistas em que se havia envolvido. Pode assim dizer-se que Pécresse estará no “mainstream” do “Les Republicans”. Ela própria afirma que quer ser “um terço de Thatcher e dois terços de Merkel”. 

A escolha de Valérie Pécresse é, assim, uma má notícia para Macron e para Zemmour. 

Macron foi (e, a sê-lo de novo, assim será) eleito com muitos votos do eleitorado da direita clássica, que Pécresse agora passou a representar. E esta parece ter possibilidade de vir a deslocar muitos dos apoios que Fillon tinha perdido, na sua “débacle” ética, em 2017. E, claro, numa hipotética segunda volta Macron-Pécresse, a tarefa do presidente será mais difícil do que o seria com Le Pen, bem menos qualificada, em quem muitos eleitores da direita tradicional continuariam a não se rever e que todos recordariam ter sido “destroçada” no debate entre os dois turnos.

Mas também Zemmour, que contava com parte do eleitorado do “Les Républicans” para garantir apoios que pudessem ir para além da “direita popular” de Le Pen, terá agora um desgaste na sua margem de eleitorado potencial. Aliás, numa sondagem feita já depois do surgimento de Pécresse como candidata do “Les Républicans”, Zemmour recuou nas intenções de voto.

Porém, é ainda muito cedo, faltam alguns meses para as eleições e muita coisa pode ainda acontecer. 

Macron, com a saída de cena de Merkel e com a titularidade da presidência francesa da União Europeia, que vai exercer no primeiro semestre de 2022, ganha visibilidade, passando a ter consigo um forte sopro de prestígio institucional. A sua vitória em maio de 2022 continua a ser o cenário mais provável. Depois de Sarkozy e Hollande não terem tido condições para renovar o quinquenato, isso significaria um retorno à viabilidade prática de recondução dos presidentes.

Leonor


Partiu a Leonor Xavier. Foram anos de luta corajosa contra o “passageiro clandestino” que lhe rondava as horas. 

Há meses, escrevi aqui este texto sobre ela. Hoje, neste dia de tristeza, fico contente pelo facto de ela ter podido lê-lo e apreciado, como me disse.

“É uma mulher com algumas vidas, com muitos livros, com imensos amigos, com uma coragem acima do mundo. À minha amiga Leonor Xavier, a existência tem pregado partidas, sustos e, às vezes, jogado com ela às escondidas. A Leonor, com aquela voz rouca e doce que, à primeira vista, poderia transportar um discurso naïf, é alguém que descobriu que as dificuldades se agarram de caras, que os problemas se resolvem combatendo em terreno aberto. É uma cabeça arejada, positiva, que olha as pessoas de frente, guiada por uma ética à prova de bala, com valores que caldeou ao longo dos anos. Quando saímos do seu convívio, das conversas sempre interessantes que com ela temos, fica-nos uma admiração imensa pela sua força e determinação. Posso dizer uma coisa muito sincera, sem correr o risco de se julgar que estou a fazer um ’número’?: saio sempre melhor do que me sentia, depois de falar com a Leonor, nem que seja apenas pelo telefone. Mas, claro, tenho saudades dos almoços lentos no Ribatejo, das ocasiões em que ela sabe juntar a gente certa, para horas divertidas, coisa que a pandemia interrompeu. Lembrarei para sempre aquele seu aniversário louco, com baile, na Barraca! E a poesia na igreja do Rato. E o debate sobre o Brasil no El Corte Ingles. E recordo as histórias com Sérgio Godinho e Nélida Piñon no CCB. E também me fazem falta as noites na Dois, no Procópio, com a Leonor a dar a deixa para as gargalhadas da Alice. Em outros tempos, também com o Raul por lá, depois os tempos passaram a ser com alegres saudades dele. A Leonor faz sempre da vida uma festa - e, para nossa sorte, convida-nos para ela!”

(Estou certo de que a Leonor teria gostado que eu utilizasse, nesta sua despedida, a fotografia que lhe tirei, em sua casa, no Ribatejo, há seis anos, no aniversário de Maria Antónia Palla, quando foi descortinar aos baús a sua imensa coleção de trajes de Carnaval.)

De cor

Jorge Palma tem uma canção em que, a certa altura, fala de um tipo que no “domingo sabe de cor o que vai fazer segunda-feira”. Pois eu, ontem, não sabia! Este dia vai ser tão cheio que, durante o domingo, constatei, por mais de uma vez, que não me conseguia lembrar de tudo o que teria de fazer até ao final da noite de hoje. Seria falta de memória, já fruto da idade? Ou será que, na realidade, não me devia meter numa vida que, de tão ocupada, já não é para a essa mesma idade, é “areia” demasiada? É com “angústias” como estas que vou passando os meus dias de “ex-reformado”, para utilizar um epíteto que um amigo me dá. Mas não me tenho dado nada mal, confesso. Por isso, olhem!, vou andando…

(Não levem isto à letra, por favor! Foi só a dificuldade pontual de me lembrar a hora exata de sete compromissos seguidos num só dia, sem ir à agenda, o que, em mim, não é vulgar.)

domingo, dezembro 12, 2021

A falta de vergonha

Fotografia de Rendeiro de pijama. Alguma comunicação social esforça-se por confirmar a mediocridade de que, com razão, a acusam. Já nem sequer é triste; é apenas patético.

sábado, dezembro 11, 2021

JR


Isto da idade não perdoa! Imaginem que ainda sou do tempo em que o JR vivia em Dallas e não em Durban…

“ Encontros Imediatos”




É um programa da Antena 1, feito por João Gobern e Margarida Pinto Correia. Chama-se “Encontros Imediatos”. São duas horas serenas, de muito boa música e bela conversa, sem uma agenda que não seja um passarinhar pelo percurso de vida do entrevistado. Hoje, na manhã deste sábado luminoso, saiu-me a  mim “em rifa”. Fico muito grato pela lembrança. Falou-se um pouco de tudo, de Vila Real à diplomacia, da gastronomia à política, de comboios e de cidades, de outros tempos e dos de hoje, passando por algumas escolhas minhas, na música e na poesia. Até a esquina da Gomes e a aletria do Aprígio vieram à baila, imaginem! Tive imenso prazer em ter podido participar nesta conversa, dividida em duas partes, que aqui ficam, não vá dar-se o caso de haver alguns ouvintes benévolos, dispostos a ouvir-me.

sexta-feira, dezembro 10, 2021

São Bentos

Ao contrário de Rui Rio, António Costa irá ter oportunidade de constituir um grupo parlamentar com densidade técnico-política, muito graças aos ex-governantes que vão sair de cena e regressam ou passam a integrar a AR. Conhecer os dossiês é uma imensa mais valia para o trabalho parlamentar, em especial em comissão. 

Também ao contrário de Rio, Costa pode dar-se ao luxo de preservar no “backbench” alguns ”tokens” de diversidade opinativa, por muito que eles o irritem. É que se torna importante amansar os extremos heterodoxos do partido, sejam aqueles por quem a direita morre de amores, sejam os que são o ai-jesus dos antigos parceiros da Geringonça. A ambos, as televisões chamam-lhes um figo. Na guerra, chama-se a isto ”friendly fire”.

Para um próximo governo, Costa terá, contudo, um desafio difícil: que caras novas e independentes, com qualidade publicamente reconhecida e capacidade política para afrontarem a selva da política, estarão dispostas a entrar noutra aventura minoritária? E como compatibilizar esses egos emergentes, com notoriedade mas sem disciplina partidária, com a coesão de um executivo de combate em que a autoridade do primeiro-ministro possa exercer-se da forma plena, como já se percebeu que Costa não dispensa? 

Porém, enquanto o pau vai e vem folgam as costas e o exercício do poder, embora se vá desgastando, revela-se sempre um excelente cimento, dando, por algum tempo, pano para mangas e saias. E há muito que, em Portugal, não se via alguém a exercer esse mesmo poder com tanta maestria como o faz António Costa. Sob o olhar, algo lúdico, divertido, mas eu diria que também bastante admirativo, de Belém.

Lembram-se do PPD?

Percebe-se a opção de Rui Rio de construir um cómodo grupo parlamentar recheado de fiéis. Para quem viveu acossado por deslealdades, cair nessa tentação é compreensível. Mas convém lembrar que, historicamente, desde os tempos do PPD, a natureza (e a força?) do partido foi exatamente ser uma espécie de “salada de frutas”, muitas vezes federada por uma vitamina chamada cheiro de poder, odor que hoje, é verdade, não se sente muito na Rua de São Caetano à Lapa. O partido que Rui Rio está a construir, deixando deliberadamente na órbita uma bolha raivosa de viúvos de Passos Coelho, arrisca-se, assim, a ser uma coisa bem diferente. Isso pode acabar por ser boas notícias para quem, no espetro partidário, se situa à direita do PSD. Mas não sei se o será para a estabilidade a prazo do regime político.

Belo conselho


Na casa de banho de um restaurante: “Estimado cliente. Utilize esta casa de banho como se tivesse cometido um crime: não deixe vestígios”.

“Outro Tempo Bar”


Não sei quantos lugares sentados tem, mas não são muitos. Por isso, é prudente reservar (ontem, quase que me arrependi de o não ter feito). É um local magnífico para um tête-à-tête, mas a proximidade das mesas não assegura o segredo das confissões. Fica numa rua que ladeia o Jardim da Estrela. A decoração e o mobiliário não têm ”peneiras”, como antes se dizia. Apresenta uma lista simples, prática, com muitas opções, a preço acessível, vista à luz do que por aí agora se paga. Às mesas, servem dois cavalheiros com grande profissionalismo, simpatia e eficiência, portando um colete à maneira, mas num registo sempre despretensioso. Talvez porque pairem por ali reminiscências de outras eras, o local chama-se “Outro Tempo Bar”. A abrir, surge na mesa um clássico da casa: as bolas de croquetes de carne. Com o café, servem um sucedâneo do “After Eight”, a lembrar outra mesa não muito distante, onde também reina a carne, e os pecados (apenas de gula, claro) que dela derivam. Estacionar por ali não é fácil, desde já aviso. Tem um imenso defeito: está fechado ao domingo à noite. E uma bela qualidade: só encerra às duas.

quinta-feira, dezembro 09, 2021

O Maltez



Só tinha uma pessoa à minha frente, na fila para a compra de bilhetes da TAP, no edifício que então existia na esquina do Marquês para a Braamcamp, de que há pouco descobri esta deliciosa imagem.

Estávamos precisamente em 1976, que coincide ser o ano da fotografia. O cavalheiro que estava a ser atendido, e para quem eu, até então, mal tinha olhado, disse o nome para a senhora do balcão: “Américo Maltez Soares”.

Há campainhas de memória que soam, face a certos estímulos. Olhei de lado o homem. Era ele, o Maltez. O capitão Maltez. Ali estava a figura que, tantas vezes, de pingalim na mão, eu tinha visto a atiçar a polícia de choque, com um zelo sádico e odiento.

De cabelo curto, olhar penetrante, o Maltez era um mestre da repressão. Devo-lhe umas boas corridas pelas ruas, em diferentes contextos, em manifestações oposicionistas, nos tempos da ditadura que ele serviu com dedicação e empenho. 

Foi ele quem, pessoalmente, agrediu à bastonada Fernando Lopes Graça, num 1° de Maio no Rossio. Foi ele quem invadiu a Capela do Rato. Foi ele quem desencadeou a violenta repressão no funeral de Ribeiro Santos e em tantas e tantas outras ocasiões. O Maltez, homem do Exército destacado na PSP, era unha com carne com a Pide, como vim a saber quando, como militar, estive na Comissão de Extinção da dita.

Nos idos de 1969, no hall do ISCSPU (o “U” ainda existia nesse tempo…), tinha-o visto parlamentar com Adriano Moreira e Narana Coissoró, que tentavam evitar que as forças de choque, por ele chefiadas, colocadas em frente ao Palácio Burnay, levassem a cabo a missão de encerrar e selar as instalações da Associação Académica.

Alguns de nós, membros dos corpos gerentes da dita Associação, nessa cena que não terá durado mais de 10 minutos, íamos avançando dilatórios argumentos para atrasar a ocupação, por forma a dar tempo à operação de retirada do precioso equipamento de reprografia, que era transportado em braços que saíam pelo portão que dava para a Travessa do Conde da Ribeira. Tratava-se de material para edição de panfletos e coisas análogas, pelo que era importante evitar que o malta do Maltez lhe deitasse a mão. Não deitou!

E agora, na TAP, ali estava ele, parecia-me que um tanto debilitado fisicamente, com uma senhora jovem ao lado, no anonimato confortável da democracia que ele tanto se esforçara para que não acontecesse.

Pensei cá para mim: “Digo alguma coisa ao homem?” Apetecia-me. Eu estava sozinho, nem sequer podia altear uma conversa num tom que pudesse atazanar verbalmente quem tanto mal e pancada tinha espalhado por Lisboa.

Decidi arriscar. Sem o olhar, fingindo estar a pensar alto, disse, de forma a ser ouvido por ele: “Quem havia de dizer! O capitão Maltez por aqui!” E continuei a olhar para o lado. 

O Maltez virou-se, olhou-me com aquele olhar que milhares de democratas recordam, sem dizer uma palavra. Mirei-o então bem de frente, direto nos olhos, algo desafiante (mas nervoso, confesso, porque “old habits die hard”), sem dizer mais nada. Ele voltou-se de novo para o balcão, tratou das suas coisas e saiu, sem me olhar. A senhora da TAP nem se chegou a aperceber do (não) incidente. Mas, satisfazendo a minha curiosidade, disse-me que “aquele senhor ia a Londres, por razões médicas”.

Não sei quando é que o Maltez morreu. Em 2002, pelo que apanhei na net, viu a sua carreira “reconstituída” postumamente por um governo da democracia. Foi promovido a coronel e ressarcido financeiramente dos “injustos” incómodos e percalços que a sua estimável carreira possa ter sofrido pela inoportuna sublevação levada a cabo pelos seus camaradas de armas. 

O Maltez pode ser coronel à luz da lógica da Caixa Geral de Aposentações. Para a minha geração será sempre o odioso “capitão Maltez”. E faz parte daqueles capitães de quem só nos lembramos por más razões.

O que uma fotografia antiga nos pode trazer à memória!

quarta-feira, dezembro 08, 2021

‘A Arte da Guerra”


Tenho a impressão de que, desta vez, muitos dos meus amigos não vão gostar mesmo nada daquilo que digo na primeira das três partes do “A Arte da Guerra”, um programa que faço com António Freitas de Sousa, num “podcast” para o “Jornal Económico”.

Nesse ponto, trato das tensões entre o mundo ocidental e a Rússia, a propósito da situação na Ucrânia. Na intervenção, não digo nada que já não venha a dizer há muito tempo, mas julgo que ouvi-la agora pode ser mais “chocante” para alguns, no actual contexto. 

Querem um “cheirinho”? Aqui ficam duas frases. A primeira: “O facto de um país ter um regime cujos princípios se opõem aos nossos não significa que não tenha preocupações legítimas de segurança que temos de respeitar”. A segunda: “Alguns acham normal que a Ucrânia entre para a NATO e que a Rússia nada pode objetar a isso, mas o que aconteceria se o México, por exemplo, fizesse uma aliança militar com a Rússia ou a China? Washington deixava?” E por aí adiante.

Neste programa, também se fala das aproximações dos Emirados Árabes Unidos ao Irão, bem como da Cimeira das Democracias, organizada pelos EUA.

Pode ver o programa aqui.

terça-feira, dezembro 07, 2021

A imensa luz de Alvalade


Ó diabo! Ao ver projetados, nas traseiras do carro da frente, no meio da Lisboa que anoitecia, os médios do meu Smart, dei-me conta de que ele estava “com um olho à Belenenses”, como antes se dizia. Um farol estava apagado. Verdade seja que, para um carro com mais de dez anos, ter, pela primeira vez, uma lâmpada fundida, é obra! 

Faltava um quarto de hora para as seis. Amanhã, “dia da mãe” (nunca deixei de considerar o 8 de Dezembro como tal), ia estar tudo fechado (em primeira mão: fiquem a saber que o Procópio vai estar a aberto!). Como é que me ia desenrascar? 

De repente, lembrei-me de que, num portão esconso de Campo de Ourique (onde é que havia de ser?), existia uma modesta oficina*, especializada em arranjos elétricos em automóveis, propriedade de um cavalheiro já de uma certa idade (às tantas, é bem mais novo do que eu!), a quem, há anos, já tinha recorrido numa emergência, graças a uma dica de alguém. 

Cheguei lá às cinco para as seis. Apontei o carro para um pequeno corredor entre casas que leva à oficina. Nem vivalma! Saí do carro, entrei na caótica loja, já quase sem luz, e atirei, lá para dentro, um já desalentado “Boa tarde!”. Segundos depois, um cavalheiro de anorak vestido surgiu, ao fundo. 

Expliquei o meu problema. Ele reagiu: “Já estou de saída! Já me tinha mudado…” A máscara não me permitia esboçar um sorriso para tentar mobilizar a piedade do cavalheiro. Fui desvalorizando a magnitude da tarefa: “É apenas esta lampadazita da esquerda! A esta hora, se o meu amigo não me dá uma mão, vou ficar sem poder andar de noite…”

Lembrei-me então de que, em bons tempos (nisso, eram realmente “bons”), havia, perto da Casa da Moeda, uma tal Eletro-Rápida, aberta a desoras e nos fins de semana, onde, pagando um pouco mais, essas avarias se tratavam. Coisas dos anos 70, “à americana”. Recuei logo no meu pensamento: querer reeditar isso nos tempos de agora é coisa de liberal e liberal é tudo menos aquilo que eu sou. Mas lá que me fazia falta a “lampadazita”, lá isso fazia! 

O nosso homem, sem dizer palavra, tirou o Anorak e exibiu, por debaixo, uma casibeca verde, com um impante emblema do grande clube nacional da esperança, cujo lema - “Esforço, Dedicação, Devoção e Glória” - rima bem com a palavra Portugal que figura no fim do título da prestigiada e prestigiosa agremiação. 

Enquanto a lâmpada era mudada, com arte e chave de fendas, trocámos comentários sobre o preço da contratação do Rúben Amorim e fizemos prognósticos para o jogo daqui a pouco com o Ajax - enfim, conversa elevada, própria de adeptos de quem está no topo do futebol luso. 

Minutos depois, lá saí da loja com o meu Smart já sem o ”olho à Belenenses”, rompendo, impante, pela noite de Campo de Ourique. Lugar onde, fiquem a saber, há sempre tudo, de tudo e, sobretudo, há grandes e simpáticos sportinguistas prontos a ajudarem os seus correligionários. Malta da liderança!

(*A pedido de um comentador: “A Reparadora de Automóveis Ouricauto” Rua Azedo Gneco 5-A. Tel. 213854904)

segunda-feira, dezembro 06, 2021

Os Bragas


Na passada semana, fui dormir a um simpático hotel na Rua do Rosário, no Porto. A rua está irreconhecível, face àquilo que já foi. Para bem melhor. Há novas casas comerciais, prédios renovados que agora se revelam lindíssimos e, não fora a pandemia, nos quarteirões em volta teria crescido ainda mais a maré de restaurantes e galerias de arte que dão dinâmica e trazem juventude a tudo aquilo. 

No final dos anos 60, quando, por algum tempo, “fingi” estudar Engenharia, no Porto, comia com frequência numa tasca, nessa mesma rua do Rosário, a “Casa Domingos”, a que toda a gente chamava “o Domingos Braga”. 

Era barulhenta, tinha meia dúzia de pratos, travessas de alumínio e um tinto da Meda, servido numas canecas metálicas (“sai um quarto da Meda!”), de que não guardo grande memória, mesmo que, à época, não percebesse peva de vinhos. O mais caro da casa era um bife que custava 15 escudos - um luxo a que raramente me podia permitir, com o possível orçamento que me era enviado de Vila Real.

Quase em frente da tasca do Domingos Braga, havia uma outra, onde não me recordo de ter alguma vez entrado (nunca percebi porquê), conhecida pelo “Zé dos Bragas”. No letreiro, estava escrito “Zé de Braga”, mas pluralizávamos sempre o nome (também sem nunca perceber porquê).

Ao que se se dizia, o Domingos e o dono do Zé “dos Bragas”, eram primos, mas “não se podiam ver”, embora se olhassem do outro lado da rua. Ainda me recordo bem da figura de ambos. Para nós, eram simplesmente os “Bragas”. 

(Não muito longe dali, curiosamente, passada que seja a Torrinha, onde eu vivi, fica a Rua dos Bragas, onde então se situava a faculdade de Engenharia. Dizia-se desses alunos: “Anda nos Bragas”).

Leio agora que o “Zé de Braga”, há muito “upgraded” como restaurante, esteve fechado uns bons anos e que acaba de reabrir com algumas pretensões gastronómicas. Numa história que a sempre excelente revista “Evasões” (onde, por alguns anos, também escrevi sobre restaurantes) nos conta agora, afirma-se que a casa já tem afinal uma centena de anos e que teria como origem do nome um Zé, sapateiro oriundo de Braga, que também vendia vinhos. Dali viria a surgir uma tasca. Por isso, o proprietário, o tal primo do Domingos, um homem grande e abrutalhado, às tantas, nem sequer Zé se chamava…

Nada se diz no texto sobre o (meu) Domingos Braga. Esse tinha um ar típico e clássico de tasqueiro, baixo e encurvado das costas, sempre atrás de um balcão à esquerda de quem entrava na tasca. 

Esta casa ainda existe, agora com o nome de “Churrasqueira Domingos”. Um destes dias, vou almoçar por lá. Sem que nada tenha de especial contra o “Zé”, preferirei o Domingos, claro. Os velhos e fiéis clientes são assim mesmo, não é?



domingo, dezembro 05, 2021

Conhece o bispo de Norwich?


Foi num jantar em que estive no Douro, na sexta-feira passada. No final daquela que tinha sido uma magnífica refeição, apareceu uma imprescindível garrafa de vinho do Porto (era também excelente, da Quinta do Ventozelo, mas, cá por coisas, não digo de que ano era). 

O Porto circulou à volta da mesa, no sentido dos ponteiros do relógio, como manda a inabalável primeira regra. 

Quando a garrafa surgia pousada sobre a mesa, à direita de um dos convivas, este servia-se e voltava a colocá-la na mesa, mas desta vez à sua esquerda, para que a pessoa desse seu lado se pudesse servir. E assim sucessivamente. Essa era a natural segunda regra. 

A terceira regra é que, em nenhuma circunstância, a garrafa (mas podia ser um” decanter”) podia ser passada diretamente para a mão do parceiro de mesa: era apenas colocada sobre a mesa, onde o vizinho da esquerda a recolhia. À mesa, nunca se passa, de mão em mão, uma garrafa ou um “decanter” de Porto! 

É legítima, então, a pergunta: o que é que acontece se um conviva, ao ter o Porto colocado do seu lado direito, não se serve ou se esquece de o passar para o seu lado esquerdo, assim impedindo o vizinho desse lado de se servir? 

Nessa ocasião, manda uma quarta regra, esse vizinho nunca diz a frase: “Podia passar-me o Porto?” Nunca! Nessa ocorrência, esse conviva limita-se a inquirir, junto do seu parceiro sentado à direita: “Conhece o bispo de Norwich?”.

Se a resposta for negativa, como geralmente acontece, a pessoa que deseja ter acesso ao Porto limita-se a dizer: “Era um homem excelente. No entanto, ele também nunca passava a garrafa de Porto…” 

Chegada à necessidade de ter de recorrer a esta frase clássica, conhecida dos grandes apreciadores de vinho do Porto, quase pela certa que garrafa regressa ao seu circuito...

Mas, perguntará o leitor, que diabo é esta questão do bispo? Eu explico, transcrevendo um texto, retirado do site da Taylor’s, que, melhor do que eu relata isto bem.

“A origem da expressão "Conhece o Bispo de Norwich?” é atribuída a Henry Bathurst, que foi bispo de Norwich entre 1805 e 1837. O bispo Bathurst viveu até aos 93 anos de idade, altura em que a sua visão se deteriorou e em que tinha desenvolvido uma tendência para adormecer à mesa no final da refeição. Como resultado, muitas vezes ele não conseguia passar as várias garrafas de vinho do Porto que se acumulavam no seu cotovelo direito, para consternação dos que estavam sentados à volta da mesa. Este bispo era um bon vivant conhecido por possuir uma capacidade prodigiosa no consumo de vinho mas, às vezes, era também suspeito de usar essas fragilidades a seu favor.

Algumas personalidades afirmam que a expressão "Conhece o Bispo de Norwich?" teve a sua origem com John Sheepshanks, que foi bispo de Norwich entre 1893 e 1910, e que apesar do Bishop Bathurst ser a fonte mais plausível da tradição parece que o bispo Sheepshanks fez o seu melhor para a perpetuar. Um retrato do bispo Sheepshanks, gentilmente doado pela sua neta, está pendurado numa parede da Quinta de Vargellas da Taylor’s como um incentivo para os hóspedes passarem o vinho do Porto.”

Há uns anos, um grupo de portuenses dedicados ao vinho do Porto decidiu entrar em contacto com o atual bispo de Norwich, convidando-o a vir ao Porto. O homem, conhecedor da muito antiga tradição ligada ao seu nome, ficou encantado, aceitou o convite e lá participou numas jantaradas bem regadas. Ah! E trouxe a mulher, porque os bispos anglicanos sabem apreciar as coisas boas da vida. Como o vinho do Porto, por exemplo…

Sampaio


Há uns anos, José Pedro Castanheira escreveu uma pormenorizada biografia de Jorge Sampaio. O próprio contribuiu para esse trabalho, ciente da importância de ajudar a deixar desenhado, “for the record”, como o rigor que lhe era próprio, o seu percurso cívico, desde os tempos da ditadura até àquele em que os portugueses, por uma década, lhe confiaram a chefia do Estado. 

Nunca há apenas uma versão da História. Há leituras diferentes dos factos, dependentes dos ângulos em que cada um se situa perante eles, o mais das vezes à luz dos seus interesses, convicções e circunstâncias. Por essa razão, no relato das coisas, na escolha do que se diz e do como se diz, nas avaliações que se escolhe fazer, subsistirá sempre uma inevitável subjetividade. 

Ninguém escapa a esse relativo arbítrio de perspetivas - desde os atores principais até às figuras secundárias dessa grande peça que é a vida coletiva. A questão essencial é saber se, em todo esse esforço de “dizer” a História, prevalece ou não uma atitude e um esforço de seriedade. Jorge Sampaio passou sempre, com um grau muito raro de elevada distinção, nesse teste de aproximação a uma verdade a qual, repito, por definição, nunca tem apenas um único dono.

Quem tem curiosidade pela História sabe da importância que para ela têm os testemunhos. Um grupo de amigos de Jorge Sampaio, muito pouco tempo depois do seu desaparecimento físico, decidiu pedir a pessoas que privaram com ele relatos de factos e vivências que ajudassem a melhor completar o seu retrato. 

“Era uma vez Jorge Sampaio”, agora editado pela “Tinta da China”, é um conjunto de cerca de 130 curtos textos, assinados por pessoas que, para essas 400 páginas, ilustradas por muitas fotografias, carreiam modos diferentes de nos ajudar a melhor recortar a figura de Sampaio. 

Em todos esses testemunhos há uma inescapável dimensão afetiva. Quem escreveu os textos quis prestar tributo a alguém por quem tinha admiração, olhando-o do lugar pessoal onde estava. O conjunto, se bem que desigual, acaba assim por ser muito interessante, a ajuizar da leitura de mais de metade do livro que já empreendi, em algumas horas. 

Nos últimos anos, recordo-me de ter comentado, por mais de uma vez, com amigos, que, tal como eu, eram admiradores da figura de Jorge Sampaio, que o reconhecimento que parecia ser-lhe dado pelos seus compatriotas, ficava, aparentemente, aquém daquilo que realmente lhe seria devido. Subsistia como que uma “injustiça” na avaliação do empenhamento e do muito elevado sentido de Estado de alguém que, podendo ter cometido erros ou omissões, teve um percurso de exigência consigo mesmo, num tempo muito complexo de decisões, que pedia meças a quem quer que fosse, na vida política nacional.

Curiosamente, no momento da sua morte, o país “retificou”, com espontânea sinceridade, essa suposta e pelos vistos apenas ilusória indiferença. O modo sincero como os portugueses mostraram sentir o desaparecimento de Jorge Sampaio trouxe um sopro de esperança de que, no meio desta espécie de anomia cívica que parece marcar o nosso quotidiano, ainda haja espaço para mostrar respeito por algumas escassas referências morais. E Jorge Sampaio é, sem a menor sombra de dúvidas, uma das mais importantes. Este livro, que recomendo, é também um tributo a essa esperança.

sábado, dezembro 04, 2021

Que sorte?!


Há momentos em que nos sentimos fortemente injustiçados. Há pouco, ao dizer a um amigo, que me telefonou, que ia a conduzir o meu carro, por estradas estreitas e sinuosas, numa viagem para uma jornada de reflexão, de dois dias, numa zona remota, ouvi, do outro lado da linha, o comentário: “Tu tens cá uma sorte!”. Que sorte? Atravessa um cidadão o país, voluntariando-se para uma atividade pro bono, dando o melhor (e o pior, também é verdade) de si para ajudar a pensar as coisas e o mundo e é logo acusado de ter “sorte”? Olhem só o caráter agreste e rústico da paisagem com que tenho que me confrontar nestas difíceis horas para, com equanimidade (gosto destes vocábulos de fim de semana), poderem ajuizar sobre se tenho ou não razão. É claro que tenho! Fico antecipadamente grato pela vossa solidariedade!

sexta-feira, dezembro 03, 2021

Nas cheias…



… a água chegava aqui É quase em frente do Zé da Calçada, que tem um belo tornedó do lombo, que ontem acompanhei com um “Meio Queijo”, um bom tinto comum da Churchill (com a “receita” habitual das duas Tourigas pátrias e da Tinta Roriz) que descobri há tempos, situado na parte mais económica da bela lista de vinhos da casa. Infelizmente, nesta altura do ano, não se pode pousar na incomparável varanda, sem o risco de apanhar uma gripe das antigas. É que estavam 3 graus! Vá lá, positivos! (Pôr a lareira do restaurante a funcionar era capaz de não ser uma má ideia). É mesmo ao lado da Lailai, a confeitaria onde se vendem as sete maravilhas locais, que aliás são cinco: as lérias, os papos d'anjo, os foguetes, as brisas do Tâmega e os São Gonçalos. E, por falar no santo, a reforma da igreja do dito, dizem-me, está quase pronta. Já não era sem tempo! A decoração natalícia da ponte antiga ficou só assim-assim. À entrada na 31 de Janeiro, vindo do largo António Cândido, pareceu-me ver o Amadeo à conversa com o Pascoaes. Mas foi ilusão de ótica de um “Pobre Tolo”. Ah! E ainda não foi desta que fui à nova Casa das Lérias (e recordar a outra bela varanda). Com este chiasco, percebo melhor por que é que a bela russa da ilha de Sacalina que, uma noite, há uns anos, me atestou o depósito e a memória, na bomba de gasolina à saída para Padronelo (onde há um pão que só se compara com as regueifas de Paredes), gostava tanto de viver ali. Quem não gosta? Só não percebo é por que é que tudo aquilo ainda não é Património Mundial!

quinta-feira, dezembro 02, 2021

“A Arte da Guerra”


As expetativas em torno do novo governo alemão, atenta a divisão de pastas entre os três parceiros de coligação “semáforo”, são o primeiro tema de “A Arte da Guerra”, o podcast semanal do “Jornal Económico”, numa conversa minha com o jornalista António Freitas de Sousa.

Nesta edição, também falamos das tensões no Magrebe, potenciadas pelo conflito diplomático entre Marrocos e a Argélia, bem como do momento menos bom do relacionamento entre o Reino Unido e a França, espoletado pela crise migratória mas muito decorrente ainda dos efeitos do Brexit.

Pode ver aqui.

quarta-feira, dezembro 01, 2021

Zemmour, a CNN Portugal e eu


Há sete anos, nas redes sociais em Portugal, bem como na imprensa em geral, creio que muito pouca gente - se alguma - falava de Éric Zemmour.

Em outubro de 2014, escrevi neste meu blogue um post sobre Zemmour, onde assinalava o meu fascínio analítico por essa figura hiper-reacionária - disse então que ele era visto em França como um “facho”, com o “o” fechado à francesa - que animava, de forma altamente polémica, o mundo mediático daquele país. 

Nesse post, escrevi, nomeadamente, isto:

“ Gosto de "malditos", confesso. Quando vivia por França, não perdia um "On n'est pas couché" onde Eric Zemmour, com um género físico de "fraca figura" comparável a Aznavour, seduzia pela sua inteligência "facho", politicamente muito incorreta, com uma vivacidade e uma cultura excecionais. Depois do seu forçado e estúpido afastamento do programa da France 2, segui-o para o Zemmour/Naulleau e lia as suas crónicas no Figaro Dimanche. E vou tentando acompanhar os livros que publica.

Zemmour é um jornalista e escritor desencantado com o manifesto declínio do seu país. Com pena fácil e verbo ácido, esconde por detrás do sorriso (é especialmente perigoso quando começa a mover a cabeça com ar de assentimento) uma atitude de aguda agressividade face àquilo que entende que está a descaraterizar a França contemporânea - as culturas estrangeiras, as políticas migratórias, as atitudes de permissividade multicultural que entende por perversas por parte da esquerda, mas também de alguma direita. Tem coragem para ser impopular, o que é sempre raro. Na polarização política francesa, é visto como um mero "compagnon de route" de Marine Le Pen. O que é muito injusto para ele e, a contrario, elogioso para a líder da extrema direita. Dele saiu agora o livro "Le suicide français". Não tenciono perder.”

Vim a ler esse seu livro, como já tinha lido os anteriores, bem como o que acaba de ser publicado. 

Zemmour anunciou ontem ser candidato à eleições presidenciais francesas, procurando deslocar para si o voto em Marine Le Pen, tida como inevitavelmente derrotada por antecipação, numa eventual segunda volta contra Emmanuel Macron, bem como o apoio de uma direita clássica que está a ter uma forte dificuldade em definir um nome consensual, com hipóteses (que sempre acharia muito remotas) de poder vir a evitar a reeleição deste.

A oficialização da candidatura de Éric Zemmour foi o tema da minha curta “estreia” ontem, por Skype, como comentador regular, no mais novo canal televisivo português.

terça-feira, novembro 30, 2021

Hélder Macedo


Hélder Macedo faz hoje 86 anos. Já nos não vemos há algum tempo. A nossa última longa e divertida conversa, ocorreu há três anos, durante uma viagem entre Lisboa e Vila Real, quando ele ali foi receber o Prémio Dom Dinis, da Fundação da Casa de Mateus. Ali iria ter também a agradável surpresa de ser condecorado pelo presidente da República.

Num desses dias, andámos pelo Douro a ver paisagens, a apreciar vinhos e a testar mesas. A Susete não pôde, infelizmente, estar connosco. Depois, o inferno triste que tem sido esta pandemia tem-nos impedido de nos vermos em Londres. Temos falado ao telefone, trocámos mensagens e emails, mas todos sabemos que não é a mesma coisa.

Neste dia de aniversário daquela que tenho a convicção de ser a mais relevante figura viva da cultura portuguesa, com uma longa e multifacetada obra, deixo aqui um abraço de grande amizade, mas também de muito sincera admiração, pessoal e intelectual, a alguém que muito prezo e de cujo trabalho - como docente, conferencista, crítico, criador literário e figura cívica - o nosso país tem obrigação de ter um grande orgulho.

Parabéns, caro Hélder!

segunda-feira, novembro 29, 2021

Tempos de Guterres

 

O livro “O Mundo não tem de ser assim”, a biografia de António Guterres escrita por Pedro Latoeiro e Filipe Domingues, editada pela Casa das Letras, serviu de pretexto a uma agradável conversa, ao final da tarde do passado sábado, na Livraria Ler, em Campo de Ourique.

Vale a pena revelar que, há já uns anos, numa data que não posso precisar, o meu colega embaixador João Lima Pimentel e eu próprio tivémos um longo jantar com aqueles que viriam a ser os autores do livro e que, à época, esboçavam ainda essa obra. O Filipe Domingues, que eu já conhecia, tinha-me contactado e eu apresentei-os nessa noite ao João Lima Pimentel. O repasto e a sua sequência acabou, recordo-me, quase às quatro da manhã…

Lima Pimentel é um amigo antigo de António Guterres e foi o seu primeiro assessor diplomático. Eu apenas conheci Guterres pessoalmente em 1994, tendo trabalhado com ele durante mais de cinco anos, a partir do ano seguinte. 

Naquela anterior conversa, ambos havíamos dito aos putativos biógrafos o que cada um de nós entendia poder ser dito, para os ajudar a gizar o “retrato” do atual e já então Secretário-Geral da ONU. João Lima Pimentel voltou, depois disso, a falar com os autores, devidamente autorizado por Guterres. Eu, que aliás não tinha muito mais a dizer, remeti-os, sobre o assunto, para algumas coisas que, ao longo dos anos, escrevi no meu blogue sobre o tempo de governo e outras ocasiões.

O livro, que já aqui recomendei, é um excelente repositório de dados e episódios que nos permitem conhecer melhor António Guterres, até ao dia em que ele chegou ao mais alto posto na ONU. No sábado passado, os autores quiseram ir ainda um pouco mais longe na conversa, desta vez com testemunhas, em torno de alguns episódios da vida de Guterres. 

Falou-se então um pouco de tudo, desde o seu trabalho para desalojar o “cavaquismo” até aos tempos de governo, muito em especial o seu percurso europeu. Mas também do seu catolicismo, da entrada para o PS, das suas relações com outras linhas políticas do Portugal democrático saído de Abril. Eu relatei um episódio de que fui testemunha presencial na Sedes, em inícios de 1973, envolvendo Francisco Sá Carneiro, António Guterres e… Marcelo Rebelo de Sousa.

E também se falou da ONU, das dificuldades e limites imperativos de atuação de um Secretário-Geral. E falou-se do “caso austríaco” como a primeira grande confrontação com a extrema-direita europeia, da resistência de Guterres aos convites para aceitar ser presidente da Comissão Europeia e de várias outras histórias mais. 

Tenho a imodéstia de pensar que as pessoas que tiveram a amabilidade de assistir ao “interrogatório” que Pedro Latoeiro e Filipe Domingues nos fizeram não deram o seu tempo por mal empregado.

Contudo, histórias há, desses tempos, que não podem ser contadas, algumas das quais talvez ajudassem a explicar coisas da nossa vida política que ficaram pouco claras. Mas há limites para a transparência: quem, como o João Lima Pimentel e eu próprio, assistiu a certos episódios apenas porque a nossa presença e intervenção, como colaboradores próximos, pressupunha total confiança na nossa discrição, passa a ter um dever permanente de lealdade perante quem nos concedeu esse privilégio. Nenhum de nós ultrapassará nunca essa barreira. 

(Ilustro este texto com uma fotografia no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, em janeiro de 2000)

domingo, novembro 28, 2021

Paranóia


Há a Covid e a paranóia da Covid.

(Há minutos, no meu quarto de um hotel)

sábado, novembro 27, 2021

Viva o SNS!


Foi há mais de duas décadas. Senti-me bastante mal, uma noite, durante uma peça, num teatro de Lisboa. Saímos a meio do espetáculo, para a urgência do Hospital de S. Francisco Xavier. Esperei na fila (eu que abomino filas!), alguns minutos. Não demorou muito a triagem. Fora o irritante “senhor Francisco”, com o qual nunca me reconciliarei, tudo se foi passando burocraticamente bem. Como a avaliação feita me não dava como doente prioritário, esperei mais de uma hora. 

A certa altura, mandaram-me entrar para uma sala, onde havia vários doentes. Por alguns minutos, fui espetador involuntário de alguém a morrer quase ao meu lado, rodeado de médicos e enfermeiros. Vi que faziam o impossível para o salvar, mas o impossível, às vezes, não é mesmo possível. A cena, confesso, não ajudou muito ao meu estado de espírito e à taquicardia que trazia. 

Chegou, finalmente, a minha vez. O “senhor Francisco” foi então atendido com frieza profissional, com o rigor necessário, embora sem uma simpatia por aí além. O veredito, após alguns exames mandados fazer, o que levou quase uma hora mais, e a administração de uma terapêutica imediata, foi simples: “O ”senhor Francisco” sofre apenas uma dose imensa de stress. Vai ter de descansar, em repouso absoluto, um mínimo de 48 horas, nunca menos, com esta medicação forte, que o vai pôr a dormir bastante”. 

Respondi: “Não vai ser possível. Tenho de partir amanhã, à hora do almoço, num voo para o estrangeiro. Preciso assim de conselhos e de uma medicação que se adequem a isso”. O médico ficou irritado: “Mas o que é que o “senhor Francisco” faz assim de tão importante na vida que não lhe permita descansar, como lhe estou a recomendar?” A minha resposta desconcertou-o: “Não sei se a minha tarefa é importante ou não. Sou secretário de Estado dos Assuntos Europeus, está a decorrer a nossa presidência da União Europeia e tenho uma tarde de debate no Parlamento Europeu, depois de amanhã. Ninguém pode fazer isso por mim! Só isso!”. 

O homem ficou siderado: “Ah! Mas é do governo? Ninguém nos avisou. E o senhor não disse nada!”. “Claro que não disse! Para que é que ia dizer? Fui tratado com eficiência e profissionalismo, por si e por toda a gente, desde a minha chegada ao hospital. Por que diabo tinha de dizer o que faço na vida?”, retorqui-lhe. Sorriu então, pela primeira vez, talvez estranhando o que para mim era muito óbvio. E as recomendações lá se adaptaram ao então apressado estilo de vida do ”senhor Francisco” (tenho ideia de que passei a ser tratado “senhor doutor”…) Imagino que esses conselhos devam ter sido os mais corretos: vinte e um anos depois ainda estou aqui a contar esta história de eficiência básica do SNS de então.

Teve muita sorte, dirão muitos. As coisas raramente se passam assim. Talvez. Eu falo por mim e por essa ocasião. Sem “cunhas”, sem furar filas (que odeio, repito!), sem revelar as funções oficiais que ocupava. Como sempre - repito, sempre - fiz em todo o lado, em toda a minha vida. Não sou da laia dos ”sabe com quem é que está a falar?” Mas quem achar que tem dados provar o contrário, faça favor: as linhas seguintes são suas.

Tenham um bom sábado…


… e, se tiverem interesse, apareçam às 17 horas, na Livraria Ler, no Jardim da Parada, em Campo de Ourique, onde vou discutir, com João Lima Pimentel e os autores de “O Mundo não tem de ser assim”, Guterres e o “guterrismo”.

Sem telemóvel

Esqueci-me do telemóvel em casa de um amigo. Neste sábado, vou ter imensas coisas para fazer, durante todo o dia, pelo que só vou poder recuperar o aparelho à noite. Viver sem telefone um dia completo fazia parte, há muito, do meu sonho de uma felicidade simples.

sexta-feira, novembro 26, 2021

Marta Temido


Já aqui o disse e volto a repetir, para que não reste a menor dúvida: criei e mantenho o maior respeito e admiração pelo magnífico trabalho de Marta Temido, pessoa a quem Portugal ficará para sempre a dever uma extraordinária dedicação e empenhamento, neste difícil e excecional tempo de pandemia.

Enfrentando, vai para dois anos, uma mutante exceção sanitária que, em todo o mundo, instalou uma imensidão de sucessivas interrogações, obrigando a respostas que iam sendo testadas à medida que novas realidades surgiam, Marta Temido demonstrou coragem, determinação e um forte sentido de defesa do SNS.

O lugar de ministro da Saúde, nos últimos dois anos, foi dos mais complexos do governo. Como cidadão, congratulo-me pelo facto do país ter tido o privilégio de ter nele podido contar com uma figura com o recorte técnico, político e humano de Marta Temido, neste tempo de emergência nacional.

(Uma nota e um “disclaimer”: este post não é sobre os inegáveis méritos de Graça Freitas e Gouveia e Melo; não conheço nem sou amigo de Marta Temido)

quinta-feira, novembro 25, 2021

Receita

Ouço um representante dos bares e discotecas reclamar contra as medidas agora previstas para o setor, alegando que os seus clientes são jovens e que há muitos que não estão vacinados. 

Ora têm um bom remédio, não é? Que se vacinem!

O meu herói do 25 de novembro



quarta-feira, novembro 24, 2021

As democracias de que a América gosta



Joe Biden tinha anunciado, ainda antes da sua eleição, a intenção de organizar uma Cimeira das Democracias, logo no primeiro ano do seu mandato. 

Assim, nos próximos dias 9 e 10 de dezembro, um grande exercício telemático terá lugar, a convite do presidente americano, envolvendo 77 países.

Dois deles não são membros da ONU: o Kosovo, com independência declarada mas não aceite por muitos, e Taiwan, uma democracia sem o estatuto de membro da ONU, reconhecido por alguns mas que os EUA há muito haviam decidido considerar, formalmente, como sendo um território da “única” China.

As Nações Unidas têm hoje 193 Estados membros. Descontadas as entidades atrás referidas (bem como micro-Estados europeus, pelos visto “invisíveis” para Washington, como Andorra, Lichtenstein, Mónaco e São Marino, ao contrário de muitos outros do Pacífico e Caraíbas), ficou a saber-se que Washington entende que há 118 países que não cumprem os “mínimos” para serem considerados democráticos.

Tem ainda alguma graça constatar que, nessa matriz de escolha, estão as Filipinas de Rodrigo Duterte ou o Brasil de Jair Bolsonaro. 

Atenta a lógica dessas e de outras presenças, é legítimo estranhar algumas ausências, como Marrocos, Bósnia-Herzegovina e Jordânia. Outras, embora esperadas, como a Turquia e a Hungria, não deixam de ser de assinalar, pela relevância política que têm. 

Nenhum país no norte de África figura na lista dos convidados, bem como qualquer monarquia do Golfo. E Moçambique, tal como a Guiné-Bissau e a Guiné Equatorial, são Estados membros da CPLP não escolhidos para representar o mundo democrático.

Há quem pense que Joe Biden só por demagógica precipitação terá entrado neste exercício seletivo, que muitos consideraram, desde há muito, como condenado a ser polémico e com escasso sentido prático. 

Há uma pergunta que, eu sei!, é uma impossibilidade absurda, mas que merecia ser feita: se os Estados Unidos ainda estivessem no tempo de Trump, com um sistema eleitoral “in shambles”, com as estruturas parlamentares sob ataque de uns maluquinhos estimulados pelo próprio chefe do Estado, a América seria convidada para a cimeira?

terça-feira, novembro 23, 2021

Escuro


Vivi bastantes anos em países com esta "cor", em muitos dos seus dias. Lembro-me que o súbito surgimento de raio de luz matinal no horizonte, rompendo um panorama sombrio de semanas, trazia sorrisos e um imediato bem-estar nos adoradores locais do sol. E que, com a passagem do tempo, também nós nos convertíamos ao prazer dessa luz forte. 

Hoje de manhãzinha, com o dia ainda a abrir, à saída para uma reunião de trabalho, nevava um pouco (mas não suficiente para "pegar", como, na minha infância, dizíamos, com pena, lá por Vila Real). 

Perante o meu ar deliciado, com a neve e o frio não excessivo e sem vento, fui "fuzilado" com a ironia de um amigo polaco: "Gosta? Ainda bem! Foi "a pedido". É que, até à vossa chegada, estávamos a gozar uns belos dias de sol..."

Livros de hotel

  


Quem, sendo viciado em livros, nunca optou por não resistir à tentação de prolongar a leitura de um volume encontrado numa estante de hotel, reservando-o para datas posteriores ao “check-out”? (Gostei de construir este eufemismo).

Tive um amigo que ia mais longe: colecionava bíblias encontradas nas gavetas dos quartos dos hotéis. E como viajava muito, as estantes lá de casa estavam atulhadas de sagradas escrituras, em diversas línguas. Quando lhe fiz notar que “não era bonito” esse tipo de prática, que assim privava os crentes, que viessem a ser hóspedes a seguir, de uma leitura espiritual para acabarem a noite em maior paz, retorquiu-me enxofrado: “E és tu, um consabido ateu, quem se preocupa com esta minha “recolha” de bíblias?”. Já não sei o que lhe respondi. Uma coisa é certa: nunca desviei uma bíblia de um hotel.

A questão de poder tomar como seus os livros alheios, perdidos numa estante sem critério, é um tema que releva muito do íntimo de cada um. E, porque é íntimo, não quero elaborar sobre ele.

Uma coisa é certa: com a oferta de leitura que me é proporcionada no quarto de um hotel em que estarei por estes dias, não corro o risco de cair na menor tentação.

segunda-feira, novembro 22, 2021

Felicidades


Ausente no estrangeiro, não vou poder estar hoje na festa de lançamento da nova CNN Portugal. Nem participar nas suas primeiras emissões. Mas estou, em pleno, com o Nuno Santos e e sua equipa, desejando à CNN Portugal as maiores felicidades e que ela possa ter um contributo muito positivo para a informação televisiva de qualidade no nosso país. 

sábado, novembro 20, 2021

Olhar da varanda


  • A Rússia parece determinada a não se deixar esquecer, face à saliência da rivalidade EUA-China. As movimentações militares na fronteira ucraniana, o estímulo claro à contestação sérvia do “statu quo” na Bósnia-Herzegovina e o seu visível “jogo” na questão recente da Bielorrússia revelam isso mesmo.
  • A Europa tenta ser levada a sério em termos de coordenação operacional militar, embora o conceito de “autonomia estratégica” (sinónimo de “fazer pela vida”, em termos de segurança) a divida muito, internamente. Há Estados membros que sabem bem que, se as coisas derem para o torto, vale muito mais um sobrolho carregado do Pentágono do que as balas de papel de Bruxelas.
  • Uma das boas lições da era Trump foi ter trazido à tona o pensamento profundo dos EUA face à Europa. Os sorrisos de Biden (antes, os de Obama) para o lado de cá do Atlântico escondem o imenso egoísmo estratégico que sempre prevaleceu em Washington. Parece muito evidente que, independentemente de usarem o pau ou a cenoura, os EUA, como se viu na criação do Aukus (que satisfez o ego ao Reino Unido, embora reforçando a sua dependência da “special relationship”, no pós-Brexit), olham sempre a Europa com uma sobranceira condescendência.
  • Com uma Alemanha sob uma fórmula de coligação política que não favorece ousadias em termos do repensar de um futuro reforço militar (curiosamente, ao contrário do Japão, este mobilizado por um presumido “clear and present danger”), a França vive um sonho de glória na sua orgulhosa solidão como força estratégica de referência dentro da União. Contudo, Paris sabe que há muito de ilusório nesse poderio: toda a coreografia que venha a fazer num qualquer sentido que ponha em causa a preeminência americana na segurança europeia confrontar-se-á com uma “nova Europa” (na fórmula de Rumsfelt) que, recorde-se, aderiu à NATO antes de entrar para a União Europeia.
  • Os Estados Unidos, para o bem e para o mal, continuam a ser um poder europeu. Por isso, ajudados pelo cimento de uma qualquer perspetiva de ameaça, unem a Europa quando querem ou dividem-na quando isso mais lhes convém. O próximo teste chama-se China. 

“A Arte da Guerra”


Esta semana, com o jornalista António Freitas de Sousa, no “A Arte da Guerra”, na plataforma digital do “Jornal Económico”, falámos do desafio ao Congresso do radical conselheiro de Trump, Steve Bannon, da força, aparentemente incontestada, de Xi Ji Ping na China e do comportamento de Lukashenko, bem como a natureza da relação da Bielorrúsia com a Rússia.

Pode ver aqui.

sexta-feira, novembro 19, 2021

Sexta-feira

Este é um blogue que, até para minha surpresa, a experiência veio a revelar ter sido sempre diário, desde o momento em que foi criado. Mas, no dia de hoje, não me apetece escrever aqui rigorosamente nada, nem sequer colocar uma daquelas fotografias com que, às vezes, num vazio de inspiração, encho a página. Assim sendo, até amanhã.

quinta-feira, novembro 18, 2021

Caetano da Cunha Reis

Acabo de saber que morreu o meu amigo Caetano da Cunha Reis. Conheci-o nos idos de 80, no Procópio, através do Nuno Brederode Santos. Fazia parte da nossa “seita” da Mesa Dois: “O meu Bushmills, com duas pedras, Juvenal!”. O Caetano vinha do “outro lado” da política, tinha sido fundador e o primeiro líder da Juventude Centrista. Era um grande amigo do “Diogo”, de quem foi episodicamente adjunto no MNE. Nunca esquecerei que, no dia em que assumiu essas funções, em 2005, me ligou para Brasília, dizendo-me apenas: “Telefono-te para te lembrar que tens aqui um amigo”. E ele era-o, bem amigo dos seus amigos. Ao longo de décadas, de uma mera simpatia inicial, pontuada de humor, evoluímos para uma relação de forte proximidade, mesmo de cumplicidade. “Eu faço parte da tua quota de amigos reacionários”, brincava sempre ele. Nos meses iniciais da pandemia, passava por minha casa para se “municiar” de livros - ele que era um leitor militante. O Caetano era culto e inteligente, generoso e educado. E corajoso, diz-me quem o conheceu na luta política. Teve uma vida cheia, era ele mesmo um homem cheio de vida, que muito gostava dela e das coisas boas que ela podia trazer. E que ele soube aproveitar. Alto, com aquela antiga barba que eu qualificava de “à Grossgrabenstein”, lembrando Edgar P. Jacobs, apreciava, nos últimos anos, sentar-se ao fresco da esplanada da Cristal, no passeio que, por muito tempo, gostava de fazer até à Lapa. Falei-lhe, pelo telefone, há semanas. Tinhamo-nos visto, pouco tempo antes, de raspão, numa festa, onde o notei abatido. Os problemas de saúde, de que tínhamos falado há meses num almoço a quatro, tinham-se agravado. A esperança de recuperação, contudo, mantinha-se. Tinha-o posto em contacto, entretanto, com outro amigo pessoal, que eu sabia ter a mesma doença; ficaram a dar-se lindamente, claro! Agrada-me muito que, na nossa última conversa, o seu sempiterno humor, a que se agarrava e que teimávamos sempre em cultivar, também tivesse permanecido intacto. O Caetano tinha um grande coração, mas os corações, mesmo os grandes, também se cansam. Sinto uma imensa tristeza pela saída de cena do meu amigo Caetano da Cunha Reis. Um abraço muito forte ao Joaquim e à Mami.

Bom gosto e bom senso


Não tive o gosto de conhecer pessoalmente Maria Eugénia e Francisco Garcia. Mas, ontem, no Museu Nacional de Arte Contemporânea, no Chiado, ao olhar a exposição da coleção de arte deste casal de lisboetas, ambos já desaparecidos, senti-me como se tivesse acabado de lhes ser apresentado. Ao percorrer aquelas dezenas de obras, que faziam parte do cenário interior da sua residência (as fotografias dos aposentos também nos ajudam a “entrar” nela), apercebemo-nos do gosto, do bom gosto, que esteve por detrás das escolhas feitas, ao longo de algumas dezenas de anos. Pode mesmo imaginar-se o imenso prazer que ambos devem ter tido nesse processo. Percebe-se que houve a intenção de ir constituindo como que um fresco da arte contemporânea portuguesa a que os proprietários da coleção, tributários de uma cultura apurada e com meios para dela irem usufruindo, iam sendo sensíveis. E isso foi conseguido em pleno, na modesta perspetiva de quem, como eu, longe desse apuramento de gosto, se sentiu também “em casa”, face à esmagadora maioria das escolhas feitas. Digo isto com total sinceridade, como testemunho da rara satisfação que senti ao constatar essa identificação. Trazer esta exposição de muito bom gosto para o museu foi um ato de extraordinário bom senso. Obrigado e parabéns, João Pedro Garcia.

quarta-feira, novembro 17, 2021

Lula 2.0


O presidente francês, Emmanuel Macron, recebeu hoje Lula no ”perron” do Eliseu, com guarda de honra, distinção que tem um forte significado protocolar.

A França nunca faz gestos destes por acaso e, muito menos, por qualquer distração. E Brasília, que tem uma excelente diplomacia, sabe isto muito bem.

Para utilizar uma expressão conhecida: “À bon entendeur…”

terça-feira, novembro 16, 2021

Punir o boato


Nos anos 90, uma revista política britânica de circulação muito limitada, "Scallywag", publicou um rumor, que era falso, sobre um "affaire" do então primeiro-ministro conservador britânico, John Major.

Durante alguns dias, ninguém mais tocou no assunto. Major não desencadeou qualquer ação judicial contra a revista.

Passadas breves semanas, a revista "New Statesman", uma publicação bastante lida, muito próxima dos trabalhistas, retomou o tema, num tom clássico de quem quer ecoar a coisa, mas distanciando-se dela: ”Então não querem lá ver que andam por aí a dizer isto…”

Era comentado o conteúdo do artigo do "Scallywag", embora não credibilizando necessariamente o boato.

Porém, porque o "New Statesman", ao falar no assunto, amplificou a divulgação da mentira, Major (e a senhora envolvida no boato) processaram a revista. E depois, naturalmente, também o "Scallywag" foi a julgamento. Para a História: Major ganhou os dois processos.

O comportamento inicial de John Major mostra que seguiu uma regra básica da comunicação: quando as mentiras têm uma difusão restrita ou escassa credibilidade, reagir contra elas, em termos públicos, acaba por ser contraproducente.

Lembrei-me desta história a propósito de uma “notícia” espalhada na internet por uma boateira profissional espanhola de extrema-direita, detentora de um historial incontável de mentiras, como bem sabe quem acompanha minimamente a política do país aqui ao lado.

A visada, a deputada Mariana Mortágua, não reagiu quando por aí começaram a ser “retweetados” esses delírios. Mas pôs logo em tribunal o seu colega parlamentar de extrema-direita, correligionário luso da maluquinha espanhola, quando este deu amplificação ao assunto.

E fez muito bem!

segunda-feira, novembro 15, 2021

Bolas!

Eu sei que alguns ficam psicologicamente muito afetados por isto. Não é o meu caso. Claro que a mim também não me agradou ver a nossa seleção a ser derrotada pela Sérvia, jogando mal, com um naipe de jogadores com os quais, à partida, seria possível fazer bem melhor. Mas, com os diabos!, não estamos a falar de algo transcendental para o país! Estamos a falar de futebol. Perdemos, temos de tirar lições da derrota, talvez mudar de selecionador. Tudo bem! Mas não façamos disto um Alcácer Quibir! É um jogo com onze jogadores e uma bola. Nada mais! Não é a vida, não é o país! Caramba.

Botão errado

Foi ontem à tarde, na Fundação José Saramago. A homenagem ao Nuno Júdice era no 4° andar. Distraidamente, carreguei no botão do 3° andar. Ia...