segunda-feira, dezembro 06, 2021

Os Bragas


Na passada semana, fui dormir a um simpático hotel na Rua do Rosário, no Porto. A rua está irreconhecível, face àquilo que já foi. Para bem melhor. Há novas casas comerciais, prédios renovados que agora se revelam lindíssimos e, não fora a pandemia, nos quarteirões em volta teria crescido ainda mais a maré de restaurantes e galerias de arte que dão dinâmica e trazem juventude a tudo aquilo. 

No final dos anos 60, quando, por algum tempo, “fingi” estudar Engenharia, no Porto, comia com frequência numa tasca, nessa mesma rua do Rosário, a “Casa Domingos”, a que toda a gente chamava “o Domingos Braga”. 

Era barulhenta, tinha meia dúzia de pratos, travessas de alumínio e um tinto da Meda, servido numas canecas metálicas (“sai um quarto da Meda!”), de que não guardo grande memória, mesmo que, à época, não percebesse peva de vinhos. O mais caro da casa era um bife que custava 15 escudos - um luxo a que raramente me podia permitir, com o possível orçamento que me era enviado de Vila Real.

Quase em frente da tasca do Domingos Braga, havia uma outra, onde não me recordo de ter alguma vez entrado (nunca percebi porquê), conhecida pelo “Zé dos Bragas”. No letreiro, estava escrito “Zé de Braga”, mas pluralizávamos sempre o nome (também sem nunca perceber porquê).

Ao que se se dizia, o Domingos e o dono do Zé “dos Bragas”, eram primos, mas “não se podiam ver”, embora se olhassem do outro lado da rua. Ainda me recordo bem da figura de ambos. Para nós, eram simplesmente os “Bragas”. 

(Não muito longe dali, curiosamente, passada que seja a Torrinha, onde eu vivi, fica a Rua dos Bragas, onde então se situava a faculdade de Engenharia. Dizia-se desses alunos: “Anda nos Bragas”).

Leio agora que o “Zé de Braga”, há muito “upgraded” como restaurante, esteve fechado uns bons anos e que acaba de reabrir com algumas pretensões gastronómicas. Numa história que a sempre excelente revista “Evasões” (onde, por alguns anos, também escrevi sobre restaurantes) nos conta agora, afirma-se que a casa já tem afinal uma centena de anos e que teria como origem do nome um Zé, sapateiro oriundo de Braga, que também vendia vinhos. Dali viria a surgir uma tasca. Por isso, o proprietário, o tal primo do Domingos, um homem grande e abrutalhado, às tantas, nem sequer Zé se chamava…

Nada se diz no texto sobre o (meu) Domingos Braga. Esse tinha um ar típico e clássico de tasqueiro, baixo e encurvado das costas, sempre atrás de um balcão à esquerda de quem entrava na tasca. 

Esta casa ainda existe, agora com o nome de “Churrasqueira Domingos”. Um destes dias, vou almoçar por lá. Sem que nada tenha de especial contra o “Zé”, preferirei o Domingos, claro. Os velhos e fiéis clientes são assim mesmo, não é?



2 comentários:

Flor disse...

Agora ao ler o seu texto lembrei-me quando vivi no Bairro de Alcântara, dos 5 aos 22 anos, e recordo que havia muitos estabelecimentos uns mais atascados que outros. Quando ainda não era habitual utilizar/cozinhar frangos de aviário, o meu pai encomendava e mandava ir para casa uma travessa grande com frango assado no forno, com batatas fritas, pikles e azeitonas.
Era o take-away já naquela altura.

Flor disse...

Sempre gostei muito da Evasões. Penso que comecei a comprar desde o primeiro ou segundo número. Tenho-as quase todas guardadas. Desconhecia que o Sr.Embaixador escrevia ali sobre restaurantes. A Evasões era caracterizada por ser uma revista de turismo ca dentro. Era isso que eu gostava. Era mensal mas agora é semanal e raramente a compro. Consulto-as online.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...