sábado, novembro 20, 2021

Olhar da varanda


  • A Rússia parece determinada a não se deixar esquecer, face à saliência da rivalidade EUA-China. As movimentações militares na fronteira ucraniana, o estímulo claro à contestação sérvia do “statu quo” na Bósnia-Herzegovina e o seu visível “jogo” na questão recente da Bielorrússia revelam isso mesmo.
  • A Europa tenta ser levada a sério em termos de coordenação operacional militar, embora o conceito de “autonomia estratégica” (sinónimo de “fazer pela vida”, em termos de segurança) a divida muito, internamente. Há Estados membros que sabem bem que, se as coisas derem para o torto, vale muito mais um sobrolho carregado do Pentágono do que as balas de papel de Bruxelas.
  • Uma das boas lições da era Trump foi ter trazido à tona o pensamento profundo dos EUA face à Europa. Os sorrisos de Biden (antes, os de Obama) para o lado de cá do Atlântico escondem o imenso egoísmo estratégico que sempre prevaleceu em Washington. Parece muito evidente que, independentemente de usarem o pau ou a cenoura, os EUA, como se viu na criação do Aukus (que satisfez o ego ao Reino Unido, embora reforçando a sua dependência da “special relationship”, no pós-Brexit), olham sempre a Europa com uma sobranceira condescendência.
  • Com uma Alemanha sob uma fórmula de coligação política que não favorece ousadias em termos do repensar de um futuro reforço militar (curiosamente, ao contrário do Japão, este mobilizado por um presumido “clear and present danger”), a França vive um sonho de glória na sua orgulhosa solidão como força estratégica de referência dentro da União. Contudo, Paris sabe que há muito de ilusório nesse poderio: toda a coreografia que venha a fazer num qualquer sentido que ponha em causa a preeminência americana na segurança europeia confrontar-se-á com uma “nova Europa” (na fórmula de Rumsfelt) que, recorde-se, aderiu à NATO antes de entrar para a União Europeia.
  • Os Estados Unidos, para o bem e para o mal, continuam a ser um poder europeu. Por isso, ajudados pelo cimento de uma qualquer perspetiva de ameaça, unem a Europa quando querem ou dividem-na quando isso mais lhes convém. O próximo teste chama-se China. 

9 comentários:

Joaquim de Freitas disse...

A Europa, mesmo com 27, nunca fará o peso .Nem os EUA, nem a Rússia nem a China, não têm consideração nenhuma por uma potência, a EU, que não tem uma voz forte. Não existe uma personalidade forte como um DE GAULLE, que ousou meter a NATO à porta sem contemplações, para que isso mude

A política francesa fala muito sobre a autonomia e soberania da Europa, mas isso significa uma Europa dominada pela França. A França ainda está pressionando por soluções europeias se elas trouxerem vantagens para a França. Como o euro, por exemplo. No entanto, a França não quer europeizar os privilégios franceses - como a posse de armas nucleares ou um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Mas a Europa não pode desenvolver se, se cada país defender zelosamente seus activos.

A UE não é uma nação, é até mesmo a anti-nação que roubou toda a soberania das nações que a constituem. Por outro lado, a submissão da UE aos maiores Estados-nação (China, EUA, Rússia) é evidente quer a nível militar e diplomático, quer a nível económico. Ver como o sultão turco nos trata resume o nada europeu.

Os EUA mostraram o seu desprezo da Europa e não só, com a extraterritorialidade das suas leis sobre todas as empresas europeias. Eu conheço um exemplo pessoal no Irão.

E não esquecer que a empresa holandesa ASML não conseguiu vender os seus produtos à empresa chinesa SMIC por causa das leis americanas. Os chineses foram, portanto, pressionados pelos americanos a desenvolver as suas próprias tecnologias.

Nos EUA, existem empresas privadas, lobbies, oligarquias.... mais poderosas que os estados

Por exemplo, uma guerra-fria contra a China, quando a principal fábrica estratégica da Tesla é na China.?... E que Apple depende da China? Como muitas outras?

A maneira como recuperaram o mercado australiano de submarinos, punhalada sem precedentes nas costas dum aliado, é a carta de visita americana. Como no far west…

Entre pobreza e obesidade, puritanismo e vulgaridade, culto do dinheiro e hiperflexibilidade (precariedade)...racismo e xenofobia, os americanos deviam cuidar de si mesmos antes de pensar em guerras, frias ou quentes.

E que reparem depressa as pontes e as estradas, e tudo o que cai de pé nos EUA, que gastem os tais 3 triliões enquanto que o Senado não muda de ideia.

Engraçado ler "democracia americana vs ditadura chinesa". Por um lado, teríamos, portanto, uma bela ditadura que inicia guerras em todos os lugares com as consequências da destruição e milhares de civis inocentes mortos, e do outro lado uma horrível ditadura comunista que não inicia guerra nenhuma e continua a melhorar o nível de sua população e até mesmo da população de muitos países do mundo. Uma bela democracia que viola todos os acordos internacionais que assinou e uma ditadura desagradável que respeita todos os acordos.

Paulo Guerra disse...

Mais pedagógico era impossível!

Joaquim de Freitas disse...

O Senhor Embaixador escreveu algures, no FC, « Tanto ódio à América ». Acusa-me de odio...

O Senhor sabe o que é, uma encomenda de milhões de euros, embalada em grandes caixas de madeira, destinadas a uma grande firma automóvel francesa, no Irão, que me custou tanto a ganhar, pronta à expedição num fatídico mês de Novembro, perto do fim do exercício, ser bloqueada dias antes da expedição, por uma ordem do banco que devia operar a transacção, em dólares, devido à ameaça do governo americano e da satânica extraterritorialidade das suas leis, que aplicaria uma sanção ao banco, francês, nas operações das suas filiais americanas, caso assegurasse a transacção iraniana.

Na minha firma trabalham 300 pessoas, que viram o balanço do exercício passar para o “vermelho” por causa da não facturação, a alguns dias do fim do exercício, duma importante encomenda, cujo custo de produção e salários tinham já sido operados. Tivemos de fazer apelo ao banco para financiar os custos e continuar a viver. Mais nada, Senhor Embaixador.

O direito exorbitante dum estado de pôr em perigo uma sociedade, num país soberano amigo e aliado, por razoes politicas e geoestratégicas. Fizeram pior ainda no caso dos submarinos australianos.

E pior ainda quando recusam o Tribunal Internacional de La Haie para julgar os crimes de guerra dos seus soldados. Sempre a satânica extraterritorialidade das suas leis iníquas.

Luís Lavoura disse...

A Rússia parece determinada a não se deixar esquecer

Como pode alguém esquecer-se do maior país do mundo?

Luís Lavoura disse...

A Europa tenta ser levada a sério em termos de coordenação operacional militar

Ninguém a pode levar a sério nesse domínio.

Está completamente descoordenada, tanto em termos operacionais militares como em termos de política externa.

Somente a NATO a consegue coordenar (com exceção de alguns países) em termos militares.

José disse...

Finalmente o homem admitiu!!! A birra com os EUA teve a ver com negócios.

joão pedro disse...



Obrigado Joaquim Freitas. Muito aprendi com os seus esclarecimentos. Suponho que o José e, também, o Sr. Embaixador, tenham (a)colhido os mesmos, uma vez que, deduzo, desconhecem as situações que refere, pese embora a vastíssima cultura de ambos.

João Pedro

Luís Lavoura disse...

Joaquim de Freitas,

agora imagine você como estão os patrões e os trabalhadores - que são bem mais do que 300 - da Huawei, empresa que os EUA tomaram de ponta e resolveram sacanear de todas as formas possíveis...

Joaquim de Freitas disse...

Luis Lavoura,

Creio que o Senhor Luís Lavoura conhece e trabalhou nos Estados Unidos. Não existe nenhum outro país no mundo com tantas razoes de ser feliz, se “esquecemos “ por um momento as condições que presidiram à sua fundação. Bela natureza, país vasto, recursos imensos, e um povo que gosta de trabalhar.

Disseram a George Bush que os seus soldados seriam recebidos no Iraque com flores! E ele creu…porque ele via um pouco o mundo como os americanos viam os índios: filhos para levar à civilização ou aos seus valores…

"Mas por que as pessoas nos odeiam? Esta é a pergunta, repetidamente levantada e analisada desde então, feita por uma mulher emergindo do redemoinho do Ponto Zero em 11 de Setembro de 2001.

A esta pergunta, os chineses da Huawei responderiam listando as principais razões para a rejeição, não do povo americano, mas da entidade América. Como eu o faço neste blogue desde há muito. O que irrita o Senhor Embaixador e alguns comentadores.

Não vou impor ao Senhor Lavoura a tal lista, porque sei que a conhece…Ela é longa.

Porque a América, única “hiperpotência” do mundo, é antes de tudo a potência “definidora”, impondo uma concepção própria do que é o ser humano: democracia, polícia, economia, liberdade, direitos humanos, multiculturalismo, fundamentalismo, terrorismo, mal. Assim, a liberdade é primeiro entendida como a liberdade de movimento de bens, capital e produtos culturais americanos, sempre em uma direcção.

A América define o mundo de acordo com a sua identidade, a sua história e os seus mitos - evocados na obra de Ziaudin Zardar - e, portanto, também de acordo com o seu interesse pessoal.

E , ponto capital : os recalcitrantes acabam em pó e escombros.

Parabéns, concidadãos !