terça-feira, dezembro 07, 2021

A imensa luz de Alvalade


Ó diabo! Ao ver projetados, nas traseiras do carro da frente, no meio da Lisboa que anoitecia, os médios do meu Smart, dei-me conta de que ele estava “com um olho à Belenenses”, como antes se dizia. Um farol estava apagado. Verdade seja que, para um carro com mais de dez anos, ter, pela primeira vez, uma lâmpada fundida, é obra! 

Faltava um quarto de hora para as seis. Amanhã, “dia da mãe” (nunca deixei de considerar o 8 de Dezembro como tal), ia estar tudo fechado (em primeira mão: fiquem a saber que o Procópio vai estar a aberto!). Como é que me ia desenrascar? 

De repente, lembrei-me de que, num portão esconso de Campo de Ourique (onde é que havia de ser?), existia uma modesta oficina*, especializada em arranjos elétricos em automóveis, propriedade de um cavalheiro já de uma certa idade (às tantas, é bem mais novo do que eu!), a quem, há anos, já tinha recorrido numa emergência, graças a uma dica de alguém. 

Cheguei lá às cinco para as seis. Apontei o carro para um pequeno corredor entre casas que leva à oficina. Nem vivalma! Saí do carro, entrei na caótica loja, já quase sem luz, e atirei, lá para dentro, um já desalentado “Boa tarde!”. Segundos depois, um cavalheiro de anorak vestido surgiu, ao fundo. 

Expliquei o meu problema. Ele reagiu: “Já estou de saída! Já me tinha mudado…” A máscara não me permitia esboçar um sorriso para tentar mobilizar a piedade do cavalheiro. Fui desvalorizando a magnitude da tarefa: “É apenas esta lampadazita da esquerda! A esta hora, se o meu amigo não me dá uma mão, vou ficar sem poder andar de noite…”

Lembrei-me então de que, em bons tempos (nisso, eram realmente “bons”), havia, perto da Casa da Moeda, uma tal Eletro-Rápida, aberta a desoras e nos fins de semana, onde, pagando um pouco mais, essas avarias se tratavam. Coisas dos anos 70, “à americana”. Recuei logo no meu pensamento: querer reeditar isso nos tempos de agora é coisa de liberal e liberal é tudo menos aquilo que eu sou. Mas lá que me fazia falta a “lampadazita”, lá isso fazia! 

O nosso homem, sem dizer palavra, tirou o Anorak e exibiu, por debaixo, uma casibeca verde, com um impante emblema do grande clube nacional da esperança, cujo lema - “Esforço, Dedicação, Devoção e Glória” - rima bem com a palavra Portugal que figura no fim do título da prestigiada e prestigiosa agremiação. 

Enquanto a lâmpada era mudada, com arte e chave de fendas, trocámos comentários sobre o preço da contratação do Rúben Amorim e fizemos prognósticos para o jogo daqui a pouco com o Ajax - enfim, conversa elevada, própria de adeptos de quem está no topo do futebol luso. 

Minutos depois, lá saí da loja com o meu Smart já sem o ”olho à Belenenses”, rompendo, impante, pela noite de Campo de Ourique. Lugar onde, fiquem a saber, há sempre tudo, de tudo e, sobretudo, há grandes e simpáticos sportinguistas prontos a ajudarem os seus correligionários. Malta da liderança!

(*A pedido de um comentador: “A Reparadora de Automóveis Ouricauto” Rua Azedo Gneco 5-A. Tel. 213854904)

6 comentários:

Flor disse...

E assim o correligionário não levou nada pela mão de obra e pagou só a lâmpada:) :)

Francisco Seixas da Costa disse...

Nada disso, Flor! Foi pago com o devido preço.

SCarvalho disse...

Ó Sr. Embaixador, então e adeptos do Glorioso? Posso garantir-lhe como "alfacinha" nado e criado em Campo de Ourique, que adeptos do "Benfas" também há lá muitos e bons.
Mas a malta, lagartos e lampiões, sempre se deu bem, pelo menos enquanto por lá vivi, durante trinta e picos anos. Só tem um defeito aquele bairro, a falta de estacionamento, mesmo pago.
Continua a ser, e será sempre, o meu bairro, mesmo não morando lá há trinta anos.

Luís Lavoura disse...

Fica muito bem ao Francisco tanta preocupação com um farol a menos.
É que, vê-se por aí nas autoestradas montes de carros assim, só com um farol ativo. Pessoas que se preocupam menos que o Francisco...

Unknown disse...

Meu Caro Francisco , creio que poderá sempre resolver esses problemas na Garagem Rio de
Janeiro , na Av.Rio de Janeiro .
Um forte abraço.
Rui C.Marques

Luís Lavoura disse...

Faltava um quarto de hora para as seis.

Não é excessivamente tarde. A Eurorepar na Rua Luciano Cordeiro está aberta oficialmente até às seis e meia, mas muitos dias tem lá gente até às sete. E também aos sábados de manhã.

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