domingo, dezembro 05, 2021

Conhece o bispo de Norwich?


Foi num jantar em que estive no Douro, na sexta-feira passada. No final daquela que tinha sido uma magnífica refeição, apareceu uma imprescindível garrafa de vinho do Porto (era também excelente, da Quinta do Ventozelo, mas, cá por coisas, não digo de que ano era). 

O Porto circulou à volta da mesa, no sentido dos ponteiros do relógio, como manda a inabalável primeira regra. 

Quando a garrafa surgia pousada sobre a mesa, à direita de um dos convivas, este servia-se e voltava a colocá-la na mesa, mas desta vez à sua esquerda, para que a pessoa desse seu lado se pudesse servir. E assim sucessivamente. Essa era a natural segunda regra. 

A terceira regra é que, em nenhuma circunstância, a garrafa (mas podia ser um” decanter”) podia ser passada diretamente para a mão do parceiro de mesa: era apenas colocada sobre a mesa, onde o vizinho da esquerda a recolhia. À mesa, nunca se passa, de mão em mão, uma garrafa ou um “decanter” de Porto! 

É legítima, então, a pergunta: o que é que acontece se um conviva, ao ter o Porto colocado do seu lado direito, não se serve ou se esquece de o passar para o seu lado esquerdo, assim impedindo o vizinho desse lado de se servir? 

Nessa ocasião, manda uma quarta regra, esse vizinho nunca diz a frase: “Podia passar-me o Porto?” Nunca! Nessa ocorrência, esse conviva limita-se a inquirir, junto do seu parceiro sentado à direita: “Conhece o bispo de Norwich?”.

Se a resposta for negativa, como geralmente acontece, a pessoa que deseja ter acesso ao Porto limita-se a dizer: “Era um homem excelente. No entanto, ele também nunca passava a garrafa de Porto…” 

Chegada à necessidade de ter de recorrer a esta frase clássica, conhecida dos grandes apreciadores de vinho do Porto, quase pela certa que garrafa regressa ao seu circuito...

Mas, perguntará o leitor, que diabo é esta questão do bispo? Eu explico, transcrevendo um texto, retirado do site da Taylor’s, que, melhor do que eu relata isto bem.

“A origem da expressão "Conhece o Bispo de Norwich?” é atribuída a Henry Bathurst, que foi bispo de Norwich entre 1805 e 1837. O bispo Bathurst viveu até aos 93 anos de idade, altura em que a sua visão se deteriorou e em que tinha desenvolvido uma tendência para adormecer à mesa no final da refeição. Como resultado, muitas vezes ele não conseguia passar as várias garrafas de vinho do Porto que se acumulavam no seu cotovelo direito, para consternação dos que estavam sentados à volta da mesa. Este bispo era um bon vivant conhecido por possuir uma capacidade prodigiosa no consumo de vinho mas, às vezes, era também suspeito de usar essas fragilidades a seu favor.

Algumas personalidades afirmam que a expressão "Conhece o Bispo de Norwich?" teve a sua origem com John Sheepshanks, que foi bispo de Norwich entre 1893 e 1910, e que apesar do Bishop Bathurst ser a fonte mais plausível da tradição parece que o bispo Sheepshanks fez o seu melhor para a perpetuar. Um retrato do bispo Sheepshanks, gentilmente doado pela sua neta, está pendurado numa parede da Quinta de Vargellas da Taylor’s como um incentivo para os hóspedes passarem o vinho do Porto.”

Há uns anos, um grupo de portuenses dedicados ao vinho do Porto decidiu entrar em contacto com o atual bispo de Norwich, convidando-o a vir ao Porto. O homem, conhecedor da muito antiga tradição ligada ao seu nome, ficou encantado, aceitou o convite e lá participou numas jantaradas bem regadas. Ah! E trouxe a mulher, porque os bispos anglicanos sabem apreciar as coisas boas da vida. Como o vinho do Porto, por exemplo…

5 comentários:

Maria Isabel disse...

Muito bom!!!!!
Cumprimentos
Maria Isabel

Flor disse...

Elegância! Muito obrigada por dar a conhecer essa célebre frase e texto da Taylor's.;)

Ide levar no déficite ide disse...

um vinho sobrevalorizado com tradições esquisitas

Entrementes disse...

Paneleirices da ordem!, como se dizia no tempo do Sr. Embaixador na EPAM

AV disse...

Aprendi a gostar de Porto quando passei a viver noutro país em que se aprecia verdadeiramente um bom Porto. Conhecia as três primeiras regras; a quarta, confesso que não.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...