Há dias, no restaurante “Solar dos Duques”, um empregado brasileiro disse-me que era da Rondónia (em português do Brasil, da Rondônia). Vir desses confins para Portugal é obra!
Nem lhe perguntei se ouvira falar no Forte do Príncipe da Beira, uma fabulosa construção que os portugueses por lá deixaram, construída no final século XVIII, na fronteira da Rondónia com a Bolívia, num sítio remoto, onde só consegui chegar com a ajuda da Força Aérea brasileira. O nome do Estado homenageia o marechal Rondon, que, em 1911, descobriu o forte, o qual, por muito tempo, havia estado coberto pela forte vegetação amazónica.
Este encontro lembrou-me a minha ida a Porto Velho, capital da Rondónia, há 14 anos. Decidi incluir naquela visita, que depois prolonguei para o Acre, um jantar com as pessoas que, por ali, tinham ligações a Portugal, luso-brasileiros descendentes de portugueses, orgulhosos cidadãos do Brasil, ainda ligados às memórias da “terrinha” (como por lá se diz que os portugueses dizem) dos seus pais.
Quis então saber se não haveria, a viver na Rondónia, nenhum português, nascido em Portugal. Havia um, fui informado. E disseram-me que esse cidadão, com os seus frágeis 93 anos, que lhe não lhe iriam permitir ficar para jantar, tinha manifestado à família interesse em conhecer “o seu embaixador”.
O senhor estava emocionado. E eu, que sou de emoções fáceis, também estava. E o encontro tornou-se ainda mais comovente quando constatei que ele nascera … em Vila Real! Esse meu conterrâneo chegara ao Brasil em 1925, com 20 anos - e nunca mais tinha voltado a Portugal. Não era oriundo exatamente na cidade de Vila Real, nascera numa aldeia próxima, mas lembrava-se bem de ali ter apanhado o comboio, com bilhete só de ida, que o havia de conduzir ao Brasil, como destino final de vida.
Na breve conversa, curioso, perguntei-lhe sobre aquilo de que ainda se lembrava, nas suas idas a Vila Real. De muito pouco, disse-me: apenas “do rio lá no fundo”, das muitas igrejas e do “campo”, um grande terreiro, no meio da cidade. “Deve ser o Campo do Tabolado, hoje a avenida Carvalho Araújo. Recorda-se ainda da grande estátua que existe a meio da avenida?” Não se recordava.
Fiquei com o episódio na cabeça, por uns anos. E a ele associei sempre a minha íntima estranheza pelo facto do meu conterrâneo não identificar aquilo que é um marco identificativo da nossa cidade comum. Até que, um dia, o mistério desfez-se: a estátua a Carvalho Araújo, o heróico marinheiro da Grande Guerra, só foi inaugurada em 1931 e o nosso homem passara pela cidade, onde nunca regressou, em 1925. Imagino que o cavalheiro, que, se fosse vivo, teria hoje uns impossíveis 117 anos, se terá questionado sobre a fiabilidade da sua memória. Ou não.
O que um encontro com um rondoniense, num restaurante de Campo de Ourique, me trouxe à memória! Mas, pensando bem, vir da Rondónia para Lisboa, nos dias de hoje, não é nada comparado com ter mudado de vida, há mais de um século, indo de Vila Real para aquelas remotas paragens.