Anne Lauvergeon é um nome muito conhecido e prestigiado no meio empresarial francês, com uma longa estada à frente da Areva, a grande empresa da energia nuclear. Recordava, ao tempo em que fui embaixador em França, que o seu nome tinha sido citado para cargos ministeriais no consulado de François Hollande. Dizia-se também que, ainda antes disso, Nicolas Sarkozy tentara recrutá-la, num dos seus movimentos de "abertura" governativa à esquerda.
Também sabia, vagamente, que Lauvergnon tinha trabalhado na presidência de François Mitterrand. O que eu desconhecia é que, no Eliseu, onde tinha entrado com 31 anos, havia sido "sherpa" para o G8 (sucedendo a Jacques Attali), chegando a secretária-geral adjunta. (Um outro secretário-geral adjunto do Eliseu "mora" agora por lá. Chama-se Emmanuel Macron).
Também não tinha a menor noção de que, durante esses anos, ela tinha criado uma relação de grande intimidade com François Mitterrand, até à morte deste. É essa ligação, de amizade e grande dedicação pessoal, aparentemente sem dimensão carnal, que terá levado o antigo presidente a pedir-lhe que escrevesse este livro. E daí o seu título.
Trata-se de uma memória sentimental, mas é igualmente um retrato muito interessante do estranho e complexo mundo que Mitterrand foi criando à sua volta, desde a infância e os tempos políticos muito diversos em que se envolveu, com as suas redes de amigos e conhecidos, com as duas famílias paralelas que mantinha, com a gestão hábil, cínica, mas eficaz, dos seus 14 anos na chefia do Estado - tempo de mandatos imbatível O texto guia-nos também, como agilidade de escrita mas também com delicadeza, pelos dramáticos tempos de doença de Mitterand.
O livro está bem construído, o que é uma agradável surpresa. Lê-se com prazer e aprendem-se algumas coisas mais sobre a V República, tempo político francês de que há muito me tornei um viciado.
Tinha deixado o livro na minha pasta, no regresso de Lyon, onde lhe tinha ligeiramente "pegado". Ontem, agarrei as suas quase 400 páginas de um fôlego, com intervalo para o Alemanha-Suíça. Ah! E deixei outros livros que estavam no "pipeline" para trás, claro.
5 comentários:
Sim Senhor, grande livro. Ultimamente, os amigos do costume, invejosos talvez, tentaram manchar esta personalidade. Trata-se da aquisição da "Uramin" em 2007, uma operação que se revelou desastrosa para AREVA.
“Anne Atômica”, foi indiciada por apresentar e publicar relatos imprecisos e disseminar informações falsas. Depois,a acusaçao foi parcialmente abandonada.
Vai ter que ir no original ou então não ia, as minhas desculpas.
« Fais ce livre dans dix ans, fais-le dans vingt ans. Fais-le quand tu voudras mais fais-le! Promets-moi de l’écrire ».
François Mitterrand
Cet ouvrage est la réalisation de l’engagement que j’ai pris par une chaude soirée de juin 1994.
La promesse aura attendu trois décennies avant de se muer en témoignage, où se dévoilent, par plans successifs, les visages multiples de ce personnage si secret.
J’ai voulu montrer combien un homme – à plus forte raison un homme d’État – est plus proche de nous que ceux qui, dotés de recettes de communicants, sont revenus de tout sans être allés nulle part.
Je laisse le soin au lecteur, à partir des différentes facettes de cet homme si singulier car pluriel, de se faire sa propre opinion.
Comme une charade: Et mon tout est un Président.
Anne Lauvergeon
Também tenho o meu quê de viciado na V República.
Ando a reler, ainda que de forma mais intermitente do que deveria pois nos inúmeros intervalos do meu “pipeline”, o livro de 1968 de Jacques Soustelle “Vingt-huit ans de gaullisme”, na edição de bolso da “J’ai lu” com um posfácio de 1971.
Jacques Soustelle teve o percurso que teve, entre o apoio incondicional a De Gaulle e a oposição não menos incondicional que acabou por lhe fazer, mas a sua visão e o seu pensamento são importantes para perceber esses tempos desde 1940 (quando se juntaram em Londres) e que desembocaram na V República por alturas de Maio de 1958.
Personagem mais que controverso? Decerto.
Tenho assim um número muito razoável de livros de bolso (já explico) sobre o tema e tenho-os naquele formato e naquele número porque aqui há uns 20 anos entrei num alfarrabista e estavam lá pilhas deles a 1€ e 2€ e claro que não ficou lá nenhum.
Como ainda hoje penso sempre que me confronto com estas oportunidades, morreu um rapaz da minha idade e os filhos e os netos pediram a alguém que lá fosse buscar aquilo tudo, que eles ofereciam.
Para além de doses maciças de informação e quase nenhuma “palha”, este tipo de livros de autores franceses está sempre “estupidamente” bem escrito e, com raras excepções, o prazer de ler soma-se ao prazer de aprender.
Caro Manuel Campos. Tenho esse livro de Soustelle, na edição da "J'ai Lu!". Soustelle chegou a viver exilado em Portugal, depois do dissídio com De Gaulle. Vidas! Extraordinárias vidas!
Caro Embaixador Seixas da Costa
Temos assim a mesma edição.
Extraordinárias vidas, como muito bem diz.
Adaptando algo que transcrevi atrás de Anne Lauvergeon:
“Il est revenu de tout ayant allé partout”.
Abraço
Enviar um comentário