sexta-feira, junho 28, 2024

A França e os judeus

Um dos fenómenos mais marcantes na atual política interna francesa está a ser a transição da clássica questão do anti-semitismo da extrema-direita para a esquerda radical. O tema, que foi sempre uma nuvem negra sobre Le Pen e os herdeiros do colaboracionismo, passou agora a manchar os setores da esquerda que criticam fortemente Israel e mantêm uma linguagem que alguns consideram equívoca sobre o Hamas. É muito curioso ver o Rassemblement National conseguir escapar ao tema e observar a atrapalhação de setores do La France Insoumise, perante o embaraço dos seus parceiros do Nouveau Front Populaire. A questão judaica é um dos temas mais penosos na sociedade francesa.

6 comentários:

João Cabral disse...

Historicamente, o anti-semitismo nunca foi um exclusivo de certas direitas. Bastou uma oportunidade para ele ressurgir entre esquerdas.

marsupilami disse...

Ainda há pouco ouvi Emmanuel Todd (que é de origem judaica e, curiosidade, neto de Paul Nizan) dizer que se amanhã a Wehrmacht entrasse em Paris, antes procuraria abrigo em casa de militantes ou simpatizantes da LFI do que em casa dos autoproclamados "filossemitas" de direita.

É chocante a forma despudorada como, ao "centro" e à direita, se tem instrumentalizado a ideia de antissemitismo com o intuito de descredibilizar o NFP, multiplicando-se em acusações absurdas (que parecem saídas dos lábios de Trump), enquanto os antissemitas encartados e confirmados do RN passam por entre as gotas da chuva. Em época de guerra (neste caso, Gaza), a primeira vítima é a verdade. É a nave dos loucos.

Quanto a Macron, torna-se cada vez mais evidente que sofre de um desiquilíbrio de personalidade. É um pirómano.

Joaquim de Freitas disse...

A comunidade judia em França, 600 000 judeus ,é a primeira da Europa. Uma grande parte bi-nacionais, israelo-franceses. Esta dupla nacionalidade aparece agora como um argumento de campanha!

E a comunidade muçulmana é entre 3 e 10 milhões, segundo as fontes, com exagerações deliberadas ou não!

Anónimo disse...

A extrema direita está a aproveitar um erro crasso da esquerda (não apenas de estratégia mas essencialmente moral) que se tem comportado de forma imbecil, apoiando tudo o que é muçulmano (islamogauchisme) e tornando-se anti-semita. Até judeus influentes já preferem o RN ao front populaire.

marsupilami disse...

Há um ditado conhecido que vem a propósito: o inimigo do meu inimigo, meu amigo é. Há quem pratique isto de forma fina. Mas na prática costuma funcionar como um boomerang.

Numa outra linha, li por aí uma a que achei graça:

Les arbres vont voter pour la hache car elle a réussi à les convaincre qu'elle était comme eux puisque son manche est en bois.

manuel campos disse...


Ainda há pouco tempo aqui escrevi que durante decénios (e dito de forma que admito simplista) a pretensa superioridade moral das direitas foi conduzindo à subida das esquerdas que, por sua vez, se encheram de superioridade moral e não percebem que o que lhes está a acontecer agora é o inverso do que os beneficiou em tempos e, como nesse tempo, muito por culpa própria.
São os famosos ciclos políticos, quando se folheiam os livros de História apanhamos 40 anos em meia dúzia de páginas, pouco nos incomoda e já passou, quando os vivemos, os 40 anos de História também são os nossos 40 anos de vida, os “ciclos” são diários e nem percebemos que lá estamos dentro.

E no entanto é fácil de perceber ainda que seja menos fácil de acompanhar, basta abandonarmos por um bocado um pensamento baseado em interesses egoístas ou enquistamentos ideológicos, parar para pensar, olhar à volta a nossa cidade, o nosso país, o nosso continente, o nosso mundo, a mudarem de minuto a minuto à nossa vista e nós sem vermos nada de atordoados que andamos.
O desastre em directo, a catástrofe em directo, a guerra em directo, o campeonato em directo, o cantor da moda em directo, o reality show em directo, acaba tudo por ter a mesma importância porque tudo é esquecido de seguida pela enorme maioria, enquanto estivemos a ver aquilo já perdemos outra situação qualquer que era indispensável termos visto, nem nós fazemos ideia porquê, disseram-nos que era e nós acreditamos em tudo, nem para escolhermos o que devemos fazer temos tempo (nem paciência).

Depois dizem-nos que a culpa de tudo de mau é nossa porque é de todos, sabendo que o que é culpa de todos não é de ninguém em particular, o que é óptimo para os reais culpados que lá se vão safando.
O progresso sempre traz coisas muito boas e coisas muito más, mas há que as tentar distinguir a tempo.
E muito em especial apreciar, no sentido de estudar profundamente, que os jovens de hoje não têm nada, absolutamente nada a ver com o que os pais deles (nossos filhos) foram e, portanto, os avós deles (nós) somos, pois oriundos de um passado que é um país estrangeiro pois lá faziam-se as coisas de forma diferente, como nos lembrou L.P. Hartley.
Em resumo, saiam da "bolha" onde intelectualmente se instalaram, o que para muitos "não é fácil, dá trabalho e já não tenho idade para isso", deixem espaço aos novos que são eles que aí vão ficar, as nossas actuais verdades, preocupações, anseios não têem qualquer ponto em comum com as deles assim como as dos nossos pais e avós ao tempo nunca foram as nossas.

Ver tanta gente neste mundo ocidental de hoje a gabar-se de ter feito parte de gerações que “cortaram” com o passado e agora ver essa mesma gente não perceber que é isso mesmo que também lhes está a acontecer e continuarem agarrados a “princípios que já não estão em vigor” é do domínio do surreal.
Como já contei aqui, passem aqui pela minha zona à hora de saída de um liceu que fica ali para baixo, não se desviem depressa quando se cruzam com as trotinetes em cima do passeio com 2 e até 3 adolescentes e levem com o habitual coro do “Desaparece velho/a, já cá não devias andar há muito tempo”.
Passavam-lhes logo metade das convicções.


A rua

Imagino que para um eleitor francês conservador, que desteste a extrema-direita e não confie em Le Pen e suas descendências, o surgimento de...