sábado, setembro 10, 2022

“The Crown”


A série televisiva “The Crown” tem um imenso e perverso defeito. Ao dar um tom de verosimilhança a cenas que mais não são do que um mero produto de ficção, esses filmes podem levar os espetadores incautos a tomarem por verdadeiro o que mais não é do que uma mera suposição, por muito imaginativa que esta seja, sobre o caráter das pessoas ali retratadas, sobre a plausibilidade das cenas e diálogos apresentados. Para quem não possa ter tido acesso a outras fontes de informação, a rainha Isabel II ou o seu marido, o príncipe Carlos ou Margareth Thatcher, a princesa Ana ou Diana Spencer, são “mesmo assim”, comportaram-se “dessa maneira”, tanto mais que os filmes, para credibilizarem os seus argumentos, colam factos verdadeiros com outros totalmente inventados, à luz da criatividade dos escribas do “script”. E, deste modo, na cabeça de milhões de visualizadores da série, tudo isso passa logo a ser “História”. Por muito bem construída que a série esteja, um seu espetador mais atento deve ter sempre a consciência de que aquilo a que está a assistir não é um documentário e que há um elevadíssimo grau de arbítrio interpretativo - e, às vezes, claramente preconceituoso - no modo como a família real britânica e outras figuras surgem caricaturadas. No sentido positivo ou negativo, note-se.

(Há dois anos escrevi isto aqui. Repito-o agora.)

4 comentários:

Joaquim de Freitas disse...


Cada um lê a Historia à sua maneira, mas eu acho que passar horas a fio a enaltecer a personalidade duma pessoa, seja ela quem for, e sobretudo a soberana dum Império cuja criação custou milhões de mortos, o que faz desta monarquia uma das mais sangrentas da História da Humanidade, consiste a deixar de lado a parte mais importante .O que de bom ou mau se fez, isto é, o balanço duma vida.

É que os conquistadores anglo-saxões conseguiram tornar realidade o que Adolf Hitler não conseguiu séculos depois: exterminar raças inteiras, como aconteceu com os índios da América do Norte, ou com os da Oceânia, este último caso, muito mais desconhecido.

Na Austrália havia uma população de cerca de 3 milhões de indígenas, quando os primeiros ingleses chegaram com James Cook. Um século depois, sua população mal chegava a 60.000.

O assassinato do aborígene tornou-se um desporto de caça que podia ser praticado com fuzil, com espada e a galope, ou abrindo o crânio com o estribo.

Os aborígenes da Tasmânia tiveram pior sorte, pois foram todos literalmente exterminados pelo sistema do “Cordão Negro”; uma linha de 2.200 soldados cobria toda a extensão da ilha, enquanto avançava batendo nos índios, como se estivessem caçando perdizes.

Esses crimes não devem ser entendidos como algo exclusivo do passado distante, pois até 1960 era legal e bem visto separar crianças indígenas de seus pais para levá-las ao trabalho doméstico, se fossem do sexo feminino, ou dedicá-las ao trabalho agrícola., se fossem do sexo masculino.
Só na Austrália, na primeira metade do século XX, cerca de 150.000 crianças indígenas “tiveram a sorte de passar da barbárie para a cultura”, e como justificou um político, “os aborígenes não têm sentimentos como nós. Apesar de fazerem alvoroço, gritarem e chorarem, quando levamos as crianças, logo esquecem e levam uma vida normal.

Alguns historiadores, levantam a questão do branqueamento do empreendimento colonial pela forma como a história é ensinada. “O Império Britânico nem é mencionado nos livros de história. Crianças em idade escolar britânicas ouvem falar da dinastia Tudor e Stuart, e depois de Adolf Hitler. Não do papel desempenhado pelos britânicos entre os dois

manuel campos disse...


Não vi "The Crown" e portanto não escrevo sobre esse assunto em particular.

Sempre me encanitou a publicidade do "baseado em factos reais" e outras no mesmo sentido que acompanha muitos filmes por aí, argumento que funciona muito bem para a visão dos mesmos por muita gente que de outra forma passaria adiante e em muitos casos faria mal.

De qualquer forma todo e qualquer filme sobre a vida de pessoas, por mais banais que sejam, é nesse sentido baseado em factos reais, pois aquela história a alguém terá acontecido num mundo com tantos mil milhões de habitantes.

Aqui há uns dois anos li um artigo numa revista americana dedicada ao cinema em que eram apresentados dados sobre uma enorme quantidade destes filmes e em que os autores não tinham encontrado mais que 10% a 15% de "factos reais" nos referidos filmes.

Portanto aplaudo a sua chamada de atenção e muito em particular o último parágrafo: é isso mesmo.

De resto sem os outros 85% a 90% de "imaginação dos guionistas" os referidos filmes seriam provávelmente uma grande estopada (e alguns continuam a ser mesmo assim).

Rui Figueiredo disse...

De acordo. Talvez como a “realidade” que vejo assumida ou, na melhor das hipóteses interpretada, em alguns blogs

Francisco Seixas da Costa disse...

Rui Figueiredo. Este blogue não está na Netflix e tem um nome que assina por baixo as suas opiniões

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