Não tenho procuração de Marcelo Rebelo de Sousa para o defender, a propósito das críticas de que foi objeto, por virtude de ter surgido ao lado de Jair Bolsonaro, na vergonhosa cena que foi a instrumentalização da cerimónia do dia da independência do Brasil, um ato que decorreu sem a dignidade protocolar que minimamente se impunha.
O chefe do Estado português foi convidado pelas autoridades brasileiras para representar o nosso país na ocasião em que se celebram 200 anos desde a data em que o Brasil se emancipou da tutela portuguesa, pelas mãos de um soberano que, anos depois, atravessaria o Atlântico para, por aqui, pôr cobro ao Antigo Regime e instaurar aquela que era a modernidade institucional de então.
Não foi o cidadão brasileiro Jair Bolsonaro quem convidou o cidadão Marcelo Rebelo de Sousa. Foi o Estado brasileiro que formulou o convite ao chefe do Estado português para estar presente nesta data histórica, não apenas para o Brasil, mas também para Portugal.
Mas, dirão alguns, a chefia da nação brasileira é hoje titulada por uma figura que, um pouco por todo o mundo, é vista como não estando à altura do cargo que ocupa. Milhões de brasileiros sentem-se humilhados por serem representados por uma personalidade daquele jaez (embora muitos outros milhões pensem de maneira diferente, noto). Ao ir ao Brasil nesta ocasião, o presidente português acabou por ser cúmplice objetivo da utilização oportunista que Jair Bolsonaro fez do ato do 7 de setembro, nomeadamente em relação às eleições presidenciais, que terão lugar dentro de menos de um mês. Marcelo Rebelo de Sousa não devia ter-se sujeitado a este vexame.
Vamos ser realistas. Portugal, desde 7 de setembro de 1822, deixou de escolher quem governa o Brasil. Para quem não saiba, lembro que os portugueses costumam ser ainda vistos, por muitos brasileiros, como os culpados por muito daquilo que corre mal no seu país. 200 anos depois! Mas, por favor!, façam-nos a justiça de reconhecer que não fomos nós quem escolheu Bolsonaro para ser presidente do Brasil! Alguém foi, mas não fomos nós!
Era só o que faltava que um Estado multisecular como Portugal, apenas pelo facto do Brasil ser chefiado por quem conjunturalmente é, deixasse de estar presente num momento tão significativo para a história de ambos os países. Era só o que faltava que o presidente português cometesse o erro histórico de deixar que as relações luso-brasileiras, com todas as consequências nos momentos históricos comuns, como que devessem ser “suspensas” só pelo facto do Brasil ter o presidente que tem (e que, volto a lembrar, foi escolhido pelos brasileiros).
Não só não critico minimamente Marcelo Rebelo de Sousa por ter ido ao Brasil nesta ocasião, como estou solidário com o notável e óbvio esforço que fez, pelo interesse e prestígio do país que representa, para suportar aquela cerimónia, aquela companhia e aquela conjuntura.
Sei que está “na moda” criticar Marcelo Rebelo de Sousa, nomeadamente em alguns dos seus comportamentos. Às vezes, aqui entre nós, confesso que também o faço. Contudo, há uma coisa de que ninguém, repito, ninguém pode acusá-lo: de falta de sentido de Estado, na sua postura internacional.
Como profissional de relações externas, com algumas décadas de traquejo, quero deixar muito claro que tenho uma confiança plena, absoluta, no modo como Marcelo Rebelo de Sousa nos representa no estrangeiro, na forma como ele interpreta a responsabilidade de falar e agir em nome de Portugal. Como agora fez no Brasil.
12 comentários:
Claro que o nosso presidente Sr. Marcelo Rebelo de Sousa é um homem muito culto, e que tem demonstrado um grande
"sentido de Estado, na sua postura internacional" sempre considerado
como sendo uma pessoa dotada de simplicidade e muito humanismo, inclusive por comentaristas estrangeiros.
Então os outros que se comportem da maneira que entenderem,
uma coisa não invalida a outra, cada um é responsável pelo seu comportamento
Muito bem!
absolutamente.
Creio que a questão não passa tanto por aí. Isto é: é verdade que se tratou de um encontro entre dois Chefes de Estado, e também é verdade que esse encontro tem de ocorrer independentemente da orientação política da pessoa que, nesse momento, ocupa o cargo de Presidente da República.
Simplesmente, e mesmo assim, há momentos que reclamam uma demarcação do (nosso) Presidente da República quanto a determinadas ações. Falo, evidentemente, da circunstância de Marcelo ter sido divertidamente fotografado ao lado de Jair Bolsonaro quando este segurava uma bandeira do Brasil com as inscrições "Brasil sem Aborto/Brasil sem drogas".
Responder-me-á que a bandeira é a brasileira e não a portuguesa; e que são assuntos internos do Brasil e não de Portugal. É verdade, mas, como o Senhor Embaixador muito bem sabe, não basta ser. Ao ver aquilo, eu, enquanto cidadão orgulhoso de um Estado que permite a IVG e que é uma referência mundial na regulação das drogas, senti-me profundamente incomodado.
Não censuro Marcelo por ter marcado presença nesta cerimónia, nem muito menos defendo que a devesse ter abandonado. Marcelo fez o que competia a um Chefe de Estado. Porém, afirmar que "não vi a bandeira do sítio onde estava" e, tendo-a visto posteriormente, referir que não sentiu (nem sente) qualquer desconforto, é uma verdadeira afronta para muitos portugueses, eu incluído.
(notícia aqui: https://www.publico.pt/2022/09/07/politica/noticia/marcelo-afirma-brasilia-gesto-historico-nega-desconforto-2019728)
Eu que não votei em Marcelo para presidente do meu país, considero que desta vez fez o que devia ter feiro: estar ali a representar Portugal e desvalorizar tudo aquilo.
E aquilo é muito abaixo do "grau zero" da política.
Claro que devemos "ter pena" que milhões de pessoas votem em coisas daquelas para o mais alto cargo do seu país.
E eu que também nem sempre concordo com o senhor embaixador, desta vez concordo.
MB
Fernando Neves
Inteiramente de acordo. Convém lembrar aos críticos que p presidente do Brasil foi eleito. A democracia é isto. Marcelo portou-se. Comores seu dever. Um Chefe de Estado esttrangeiro que não pode imiscuir-se não politics do país que visita. Não cabe a Portugal escolher os líderes dos outros países. Muito menos do Brasil
Não está em causa a representação externa de Portugal em Marcelo. Duvido é que sejam necessárias tantas deslocações ao estrangeiro. O que não é o caso: nos 200 anos de independência do Brasil tinha de ir e de privar com o espécime que está Presidente, por enquanto.
Marcelo, como já vem sendo hábito, foi humilhado. Mas podia ter escolhido não ser humilhado. São opções. E naturalmente o Estado português (todos nós) foi vexado, pelo que o PR deve ter mais cabeça nestas situações, ou anda a ser mal aconselhado. Em nosso nome, não, tenha santa paciência senhor presidente.
Um primo que gosta beber uns canecos convida-me ao seu aniversário. Na festa apanha grande borracheira e faz figuras tristes. A culpa é minha é que apenas apareci como convidado? Dirão alguns, ah mas podias não ter ido, porque sabes que o teu primo é um borracholas e faz sempre estas figuras. Mas se sou convidado por ser familiar porque motivo não deverei ir? A minha presença como simples convidado significa que esteja solidário com os comportamentos do meu primo? Penso que se tirarmos os nomes e os ódios às pessoas envolvidas, facilmente percebemos que MRS fez o que qualquer um faria.
O que diz é verdade senhor embaixador mas, subscrevendo o comentário de Afonso Brás, questiono se não fosse o presidente Marcelo Rebelo de Sousa, mas um Presidente que não apoiasse este governo e/ou de um
quadrante político diferente deste governo a apreciação seria a mesma. Tenho dúvidas.
Sopunhamos que não era o Brasil, que era a Russia governada por Putin, Marcelo ia?
Ele há ditadores e ditadores de que a Arábia Saudita é outro exemplo.
Marcelo já tinha sido avisado aquando do cancelamento do almoço com Bolsonaro. É o complexo do colono. Escusava era de nos meter a todos no melho ramlhete.
O Anónimo das 14:40 deve saber duas coisas. A primeira é que sempre me senti confortável, e às vezes mais do que isso, com o modo como os presidentes da democracia representaram no exterior o nome de Portugal. Com uma única exceção: Spínola e os seua encontros com Nixon e Mobutu, nos Açores e no Sal, respetivamente. Fora isso, podemos dar-nos por felizes pelo modo, melhor ou pior, como os chefes de Estado sempre nos representaram. É isso mesmo: incluo Cavaco Silva, a quem, podendo não se gostar, ninguém pode acusar de não ter sentido de Estado.
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