domingo, setembro 18, 2022

O empresário e a diarista


As eleições brasileiras entraram na reta final. Os candidatos da “terceira via”, como era expectável, apagaram-se. Na arena - porque é quase disso que se trata - ficam Lula da Silva e Jair Bolsonaro. Parte do eleitorado que, em 2018, ajudou Bolsonaro a derrotar Fernando Haddad, o candidato “suplente” de Lula, então na prisão, estará agora inclinado a dar o seu voto ao antigo presidente.

Gostava de poder estar dentro da cabeça dessas pessoas. Não será difícil conseguir entender que estes anos com Bolsonaro tenham desiludido muita gente que nele votou. Bolsonaro acabou por sair muito “pior do que a encomenda”. Mas é-me menos fácil entender como é que alguém que, em 2018, fez essa opção, muito para afirmar a sua rejeição daquilo que considerava ser a “banditagem” do PT, que achava Lula um ladrão e um corrupto, faça agora o salto de campo e, num ato de contrição, seja capaz de dar o seu voto àquele que, há muito pouco tempo, diabilizou e que, se for eleito, trará o PT de regresso aos corredores do poder. 

Essas pessoas vão mudar de sentido de voto por considerarem Lula inocente das imputações de que se viu formalmente exonerado? É que, em 2018, a grande maioria das pessoas que votou Bolsonaro não parece ter chegado hesitante à boca da urna. Um voto em Bolsonaro, mais do que a confiança naquele antigo capitão, que ostentava um discurso de extrema-direita e de elogios à ditadura militar, foi um voto afirmadamente contra Lula e contra o PT. Lula santificou-se assim tanto aos olhos dessas pessoas? E o PT, foi lavado em água-benta?

Um dia, no final de 2006, num daqueles imensos (e, em geral, muito simpáticos) jantares em que Brasília era fértil, a uma figura do empresariado local, ao ver-se obrigado a ter de aceitar a reeleição de Lula, ocorrida uns dias antes, ouvi este desabafo: “Embaixador, não votei no Lula: não consigo ter o mesmo candidato que a minha diarista”. (“Diarista”, no Brasil, é a palavra para mulher-a-dias). Imagino que a frase possa chocar, pela arrogância classista que lhe está subjacente. Mas o Brasil (também) é assim. Essa pessoa terá então votado em Geraldo Alckmin. Infelizmente, a pessoa já morreu: é que eu gostaria de perguntar-lhe o que acha do facto de Alckmin ser, nos dias de hoje, candidato a vice-presidente na “chapa” de Lula…

Para além dos novos eleitores, para Lula ser eleito vai ser necessário que muitos dos que, em 2018, votaram Bolsonaro, acabem por se reconciliar com a ideia de que, desta vez, vão votar ao lado da sua “diarista”. Embora a esmagadora maioria dos brasileiros não tenham “diarista” e, além do mais, esteja por provar que muitas “diaristas” não tenham escolhido Bolsonaro… Enfim, como disse um dia António Carlos Jobim, “o Brasil não é para principiantes”.

4 comentários:

Luís Lavoura disse...

Imagino que a frase possa chocar, pela arrogância classista que lhe está subjacente.

É, de facto, extremamente chocante.

carlos cardoso disse...

Gostei muito da frase do Antonio Carlos Jobin, que não conhecia. Fez-me pensar naquela, também bem verdadeira, do historiador francês Henry Laurens: "si vous avez compris quelque chose au Liban, c'est qu'on vous l'a mal expliqué".

Flor disse...

E a figura que o Bolsonaro fez hoje em Londres?? Uma vergonha!

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Não é mesmo para principiantes, por isso mesmo é fascinante.

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