Vão confusos os dias da Venezuela. A liderança de Nicolás Maduro está fragilizada internacionalmente a um ponto nunca antes visto. Por muito tempo, o seu patético e cada vez mais inaceitável regime foi sobrevivendo sob a complacência de muitos e com o apoio de uns poucos - estes últimos talvez menos interessados na pessoa de Maduro e, muito mais, tentando evitar que o país caia de novo na esfera de influência dos Estados Unidos, nessa espécie de “deve-e-haver” de poder que, mesmo depois da Guerra Fria, continua a marcar o mundo.
Fica a sensação de que talvez tenha sido a mudança política ocorrida no Brasil que acabou por dar uma espécie de “luz verde” à onda anti-Maduro que se gerou nas últimas semanas. Os EUA, a quem, de vez em quando, dá jeito indignarem-se através de um conflito externo no lado “do bem”, aproveitaram este tempo mais sombrio de Trump para colocarem no terreno toda a sua retórica de pressão, estando ainda por saber se ficarão por aí. Não deixa de ser curioso notar que, por décadas, a América continuou a comprar o petróleo venezuelano, o que serviu para alimentar o regime de Maduro e lhe permitiu pagar principescamente as forças armadas e as polícias repressoras. A “realpolitik” é o nome fino do cinismo político.
A União Europeia, cuja “política externa” é sempre uma média aritmética da posição dos seus principais poderes (pontualmente ponderada pelas reticências, ideológicas ou de interesses, de alguns Estados) hesitou um pouco: depois de declarar algumas platitudes, quebrou-se na tibieza de atitude por impulso de uns quantos, voltando finalmente a juntar-se num requisitório mais exigente face a Maduro. Deixar os EUA na liderança democrática do mundo é sempre um incómodo para Bruxelas, que consegue, de quando em vez, os seus momento de coragem.
Não é muito evidente o que se seguirá, a menos que as forças armadas resolvam pilotar uma transição – naturalmente, descontando uma aventura militar externa, que somaria petróleo ao fogo. O auto-proclamado presidente tem hoje, à evidência, uma maior legitimidade política do que Maduro – por muito que isso custe a alguns “maduros” cá de fora, do PT brasileiro ao PC português, todos federados por essa grande “ideologia” que é o anti-americanismo, a doença infantil de certos setores do mundo ocidental. Mas só numa interpretação abstrusa da constituição isso lhe dá direito formal ao poder. Porém, a teimosia de Maduro acaba por garantir à oposição, a cada dia que passa, a legimidade que a letra da lei lhe recusa.
(Artigo publicado em 30.1.19)
(Artigo publicado em 30.1.19)