quarta-feira, novembro 24, 2010

Hoje

Hoje, vão-me permitir que este seja o meu único post.

Rede diplomática

Paulo Gorjão é diretor do Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança (IPRIS) e, desde há anos, mantém grande atenção sobre a política externa portuguesa, para além de ter estudos sobre outros aspetos das relações internacionais.

Hoje, no jornal "i", Paulo Gorjão faz uma reflexão sobre a rede diplomática do nosso país e as eventuais mudanças a que pode ser sujeita. É um texto que, a meu ver, merece ser ponderado, sem prejuízo de, num ou noutro ponto, eu discordar das soluções que adianta. Mas a seriedade deste exercício, levado a cabo por quem não é da profissão, merece ser sublinhada.

Leiam aqui.

terça-feira, novembro 23, 2010

Cartões

Não lhes digo o nome do país de origem daquele divertido diplomata. Ele olhava para a profissão com uma visão lúdica, atitude pela qual pagara já alguma coisa, em termos de promoções e de postos - porque a justiça divina às vezes funciona. Era sempre um momento garantido de boa disposição encontrá-lo em cocktails ou jantares, ouvir as suas anedotas ou historietas de férias fantásticas, que se gabava de conseguir prolongar bem para além dos dias a que tinha direito. Tudo menos falar de "serviço", de política local (salvo os mexericos, claro!) ou internacional, de coisas mais sérias: nunca estava a par de nada, achava-nos, uns "chatos workaholics", uma versão diplomática dos "stakhanovistas". Quando provocado, repetia a frase clássica de Talleyrand - "surtout pas trop de zèle" -, expressão que os diplomatas calões (e ignorantes do significado real da mesma) às vezes utilizam, para bem merecerem o seu lema, corruptela do do infante dom Henrique: "talent de rien faire".

Como em qualquer outra profissão, também há, em todas as carreiras diplomáticas do mundo, uma minoria que ainda é assim: pouco dispostos ao trabalho, ligando o mínimo àquilo que lhes compete fazer, sem iniciativas, fugindo aos empresários, puxando "de arma" a quem lhes fala de cultura, olhando com sobranceria os seus nacionais residentes no país onde estão acreditados. São os que chegam tarde, que partem cedo, que fazem longas horas de almoço, que desaparecem os fins-de-semana, que desligam os telefones fora do serviço mas passam o tempo agarrados a eles lá dentro, que inventam pretextos para nada fazer depois do "from-nine-to-five" (ou melhor, "from ten-thirty..."),  que ficam fulos quando têm de ir a um aeroporto receber alguém a horas tardias ou matutinas. Alguns não fazem qualquer "representação" ou confundem-na com a sua própria vida social, permanecem vidrados no culto exacerbado de um estilo e, invariavelmente, identificam a carreira com os seus sinais exteriores. Escrevem pouco e ainda lêem menos. Quando se lhes pergunta alguma coisa, "vão ver", nunca sabem nada à primeira.

Muitas vezes - diga-se! - acabam por ser gente ótima para o convívio e para a amizade. Era o caso desse nosso amigo, cidadão de um país simpático, embora, pelos vistos, uma pátria pouco exigente com os seus servidores públicos.

Um dia, à saída de uma receção, vi-o numa conversa, às gargalhadas, com outro colega, também estrangeiro. Perguntei a razão da graça: era uma história de cartões de visita. O nosso homem explicou-me então, pedindo-me segredo, a brincadeira a que tradicionalmente se dedicava nessas ocasiões.

No bolso direito do casaco, trazia os seus próprios cartões de visita. Quando trocava cartões com alguém, ia colocando os que recebia no bolso esquerdo. Durante uma receção, se alguém lhe entregava o um cartão, esse meu colega optava: se era uma pessoa que tinha eventual interesse em rever, tirava do bolso direito um seu cartão pessoal e entregava-lho. Porém, se era alguém desinteressante, que não pretendia voltar a ver, ia ao bolso esquerdo e dava-lhe... um dos cartões que antes tinha recebido de outra pessoa! Se acaso o seu interlocutor notava o erro, pedia desculpa e dizia ter sido confusão.

Continua a haver este estilo de diplomatas. São já muito poucos, até porque o grau de exigência profissional não permite facilmente o "bluff". Mas, por vezes, ainda os encontro por aí... 

Literatura de guerra

Toda a guerra suscita compreensíveis emoções. As guerras colonais que Portugal disputou em Angola (a partir de 1961), em Moçambique e na Guiné (estas últimas depois de 1964) representaram um período muito importante da história portuguesa, estando na génese do próprio movimento de 25 de abril de 1974. As guerras mudaram o país e, de uma forma muito nítida, mudaram também os portugueses que nelas intervieram. Mortos, feridos, deficientes e traumas de guerra marcaram uma geração de sacrifício, a qual inclui quantos tiveram de procurar no estrangeiro acolhimento para fugir a participar num conflito que nada lhes dizia ou à penúria de um país que se arruinava nessa aventura insensata.

A Revolução de abril como que procurou exorcizar essa tragédia, pela indução no país de um movimento coletivo de esperança num futuro melhor. Mas os sentimentos dos "retornados" e dos soldados que sofreram esse período ainda estão presentes em muitos setores da sociedade portuguesa, por muito que mais de três décadas nos distanciem do momento em que ele terminou. A guerra só acaba, dentro das pessoas, muito depois do cessar-fogo.

Não há muita literatura, em língua portuguesa, sobre as guerras coloniais portuguesas da segunda metade do século XX (outras houve, no passado). Ontem, a Fundação Gulbenkian, em articulação com universidades francesas onde a cultura portuguesa se investiga e estuda, trouxe a Paris João de Melo e Carlos Vale Ferraz, dois escritores portugueses que colocaram em vários romances a sua vivência pessoal como militares nesse período - "atores e autores da História". Julgo que foi importante ouvi-los, embora seja mais importante lê-los, se possível em contraponto com os testemunhos de escritores oriundos das guerrilhas independentistas das antigas colónias, aqueles que nos dão a visão "do outro lado". Como é "dos livros", só nos percebemos completamente quando nos reconhecemos no olhar dos outros sobre nós.

segunda-feira, novembro 22, 2010

NATO

Não é fácil proceder à transformação de uma organização de defesa e segurança coletiva, com membros mais recentes que para ela carreiam outra cultura estratégica, no quadro de um cenário mundial em rápida mutação de ameaças. Particularmente num tempo em que se procura restaurar a confiança num parceiro exterior originário de uma entidade internacional que, não há muito, era a preocupação maior da própria organização.

Em Lisboa, no passado fim de semana, a NATO deu uma prova de uma maturidade que, há alguns anos, muitos duvidassem que ainda pudesse vir a ter, balcanizada que estava por tensões que a paralisavam e aparentando uma mera reatividade. Com esta cimeira, com a aprovação de um novo e mais concreto "conceito estratégico", a NATO provou que conseguiu ultrapassar o período de alguma indecisão de objetivos que marcou o percurso percorrido desde a "guerra fria".

Tudo isto foi possível - diga-se -, em grande parte, graças aos Estados Unidos e à liderança do presidente Obama, que teve a coragem de pôr termo a fórmulas datadas da administração Bush e conseguiram desenhar com Moscovo um modelo onde a generalidade dos Estados da Aliança se podem sentir confortáveis. Da Rússia espera-se, agora, uma atitude aberta de colaboração, geradora de confiança.

As núvens não desapareceram por completo do horizonte da NATO, até porque a incógnita afegã se prolonga e os meios para suportar a estrutura atual da organização, ainda que redefinida, são escassos para as finalidades e com aspetos importantes ainda por discutir. Mas o que parece ter ficado claro é que, não obstante as reticências de alguns e as suspeições residuais de outros, começa a definir-se um novo terreno de segurança cooperativa que federa as nossas comuns debilidades perante o quadro de ameaças potenciais. É irónico dizê-lo, mas, às vezes, somos levados a concluir que o temor é uma ajuda à congregação de vontades.

Portugal esteve, uma vez mais, à altura do desafio que a si mesmo se impôs, de realizar uma das mais importantes cimeiras da história da organização e, nesse contexto, conseguir preservar o essencial dos interesses que nela tem afirmado, alguns desde a sua fundação. A diplomacia portuguesa provou, uma vez mais, a sua capacidade de levar a bom porto um projeto bem complexo e exigente. A quem não consegue ver isto não vale a pena explicar nada.

domingo, novembro 21, 2010

Aeroporto

- O embaixador vem? Ó diabo! Então temos carro, telhas ou contínuo!

Não percebi logo a observação irritada do governante português, que eu acompanhava, em resposta à indicação, dada pelo seu chefe de gabinete, de que o nosso embaixador naquela capital europeia, onde mudaríamos de avião, iria aparecer na "sala vip", durante a escala de cerca de duas horas que aí faríamos, vindos sei lá de onde, a caminho de Lisboa. O nosso avião estava prestes a aterrar, pelo que o governante das Necessidades, ao ver a perplexidade que a sua observação provocara em mim, explicou:

- É que os seus colegas, sempre que me apanham de passagem por algum país, fazem de mim uma espécie de "muro das lamentações", trazendo-me os problemas que não conseguem resolver diretamente com os serviços, lá em Lisboa. Como se eu pudesse andar a despachar pelo caminho! É o carro que é velho, é o contínuo que falta, é o orçamento para as obras no telhado! Começo a estar farto!

Nessa como em outras ocasiões, eu notara já que os governantes perdem a paciência, com frequência, quando são "apanhados" para questões de "intendência", no decurso de uma viagem. Muitas vezes cansados, sem nenhumas respostas à mão, reagem mal a terem de tomar conta do pedido ou chamar os membros dos gabinetes que os acompanham para apontar a questão. Muitos anos mais tarde, eu fui vítima desse assédio. Talvez por isso, aprendi: hoje, como embaixador, gabo-me de nunca ter incorrido nesse pecadilho, precisamente porque sei bem "do que a casa gasta"...

Assim, nessa madrugada, à saída do avião, a cara com que o nosso governante olhou para o pobre do meu colega, que se havia tirado dos seus cuidados e dos seus lençóis àquela indigesta hora matutina, estava longe de ser a mais simpática. Seguimos para a "sala vip". Um boa meia-hora depois, vejo o embaixador debruçado sobre o ouvido do governante, que continuava com um ar de poucos amigos.

Regressados ao avião, não me contive:

- Desculpe a minha curiosidade, se calhar não devia estar a perguntar isto. Mas, afinal, o que queria este embaixador? Vi-os numa longa conversa...

O governante sorriu:

- Queria apenas outro posto. E nem pediu "muito". Sempre é melhor que querer reforço do orçamento, do pessoal ou um carro novo. É que quem manda em tudo isso são as Finanças.

Sábias palavras!

sábado, novembro 20, 2010

Trópicos

Escândalo! Leitor/a atento/a do "Diário da República", um/a  anónima profissional de um jornal "de referência" indignava-se ontem com o facto de Portugal ter acabado de designar um "experiente embaixador de topo" para "a representação diplomática portuguesa em Samoa", um pequeno país do Pacífico. 

O/a jornalista, qual escrutinador zeloso do Tribunal de Contas, mostra a sua indignação e diz que o facto "está a ser visto" (por quem?) como "um degredo ou um ato de despesismo puro e duro", "em tempos de contenção e numa altura em que se fala de fecho de embaixadas e consulados".

Será por falta de tempo ou será por outras razões que o/a jornalista não cuidou em informar-se, junto do MNE ou da Presidência da República, sobre a razão dessa "bizarra" nomeação? Se o tivesse feito, saberia que Portugal não tem, naturalmente, nenhuma "representação diplomática" na Samoa e que o credenciado embaixador é o nosso representante diplomático na Austrália, onde reside. A ele cabe, por inerência de funções, ser acreditado junto de todos os restantes Estados independentes existentes no Pacífico, nos quais, como é óbvio, não existe qualquer representação portuguesa, mas com que o nosso país mantém relações diplomáticas. Relações essas - diga-se - que nos garantiram um significativo voto dos Estados do Pacífico na nossa recente eleição para o Conselho de Segurança na ONU.

Eu e os leitores deste blogue vamos esperar sentados para ver o/a jornalista, com destaque idêntico ao dado a esta escandalosa e "despesista" nomeação, fazer o seu mea culpa e pedir desculpa pelo erro em que induziu os seus leitores.

Lusofonia

Acabo de ter conhecimento do blogue Estudos Lusófonos, criado por professores da Sorbonne.

Bela iniciativa, à qual desejo muita sorte.

Sono

Um das boas cabeças diplomáticas do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que bem nos tem representado em Timor-Leste, tombou ligeiramente de sono durante uma cerimónia pública. A foto do "acontecimento", bem como a graça do presidente Ramos Horta ter aproveitado para registar também o instante na sua máquina, andam a correr o nosso mundo, da blogosfera ao jornalismo.

Esta é talvez a ocasião de dizer que vale mais o embaixador Barreira de Sousa a dormir do que muitas pomposas e ridículas figuras, que agora o podem criticar, bem acordadas.

Há anos, uma grande personalidade política, cujo nome agora não me ocorre, e que estava ao meu lado num painel, pediu-me que a despertasse, se acaso viesse a cochilar durante a intervenção do orador seguinte. Foi "tiro e queda": segundos depois, tive mesmo de desligar discretamente o microfone que tinha em frente, porque já ressonava baixinho...

25 de abril no Monaco


Divertiu-me imenso, ontem, à chegada formal dos embaixadores ao palácio do Príncipe monegasco, nas cerimónias nacionais anuais, sermos recebidos por uma banda musical que tocava o "A life on the ocean wave" - a marcha militar britânica* que, entre nós, ficou ligada ao 25 de abril.

Os meus colegas estrangeiros não percebiam a minha boa disposição!


*Um atento leitor esclareceu-me que a marcha não é americana, mas sim britânica, o que explica as horas que eu perdi em Nova Iorque a tentar descobri-la nos hinos americanos... E o nome exato é como agora figura. Estamos sempre a aprender e o seu é devido a seu dono.

sexta-feira, novembro 19, 2010

Caixa

Faz hoje 39 anos, dia por dia, que entrei para a função pública. Para a Caixa Geral de Depósitos, que tinha então a sua sede no majestoso edifício do Calhariz, onde eu passei a trabalhar no "serviço de títulos".

As regras eram à antiga. Entrava-se às 9.30. Às 9.35, o senhor Marques, chefe da secção, recolhia o livro de ponto. Para o assinar depois, era necessário justificar o atraso e penitenciar-se pelo mesmo. A hora de saída, para almoço e à tarde, era, também, sagrada. Cinco minutos antes do encerramento do expediente, o Serra, na secretária ao meu lado, sacava invariavelmente de um pano de feltro para limpar os sapatos que, logo depois, apontavam para a porta, para onde disparava quando o ponteiro do relógio tremia nas 17.30.  Ah! e trabalhava-se nas manhãs de sábado!

Ao almoço, espalhavamo-nos pelas tascas da zona, em grupos variáveis. Se o sol aparecia, escostavamo-nos, antes do regresso ao trabalho, pelos passeios em frente, apreciando o "pequename" que passava. Eu aprendia a vida com quem a vivia com dificuldades bem maiores do que as do episódico colega que eu era, futuro licenciado, olhado como figura passageira pelos colegas, entre os quais fiz - diga-se - sólidos amigos.

O meu curso universitário prosseguia entretanto, como "estudante voluntário". No primeiro ano, para fazer as "frequências", tive de pedir autorização excecional para as escassas ausências. Mais tarde, foi necessário utilizar os dias de férias, para poder  estar presente a esses exames. Dispensa para aulas ou exames era, então, uma miragem.

No concurso público de entrada, algum domínio da escrita terá compensado falhas na área da contabilidade. Antes de ser admitido, li e assinei, sob o olhar atento de um antigo ministro de Salazar, uma declaração onde atestava o meu "ativo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas". No meu bolso, recordo-me bem, levava um livro de Engels, das Éditions Sociales. 

O trabalho era sereno, burocrático, sem surpresas. Nem muito exigente, nem deixando tempo para "calaceirices". Essas ficavam para colegas antigos, "primeiros oficiais", com mais "ronha", alguns eternamente parados nas suas secretárias ou saltitando em conversas, sempre sob o olhar crítico do senhor Marques, que prescutava as várias áreas do imenso "open space" por onde nos distribuíamos. 

Os contínuos, o Rui e o Abrantes, forneciam-nos, regularmente, uma caneta Bic. Quando a respetiva carga acabava, trocavamo-la por outra igual, devolvendo a velha, claro está! Nas horas vagas, tentavam impingir-nos relógios Cauny, com preços "de favor".

Às segundas-feiras, dominava o futebol. Não se falava muito de política, salvo com  o Aldeia e com o Murta, amigos com quem essa maior intimidade entretanto se criara. Dois ou três sabiam que a minha eleição não tinha sido "homologada", por duas vezes, como dirigente associativo universitário, e que isso me tinha criado "problemas", sobre os quais nunca elaborei muito Com eles, mantinha alguma cumplicidade, pela comunhão de que "isto" tinha de mudar, mais cedo ou mais tarde. As vigorosas manifestações do sindicato dos bancários, do qual não podíamos ser associados por sermos funcionários públicos, eram comentadas com todo o cuidado, porque as paredes tinham ouvidos. As paredes e alguns "fachos" que nos rondavam, que pressentíamos poderem ser perigosos.

Pela véspera de Natal, o chefe de repartição, o senhor Trancoso, que durante todo o ano assomava uma meia dúzia de vezes à nossa sala, quase sem nos olhar, colocava-se junto à saída para um excecional  aperto de mão anual de favor. E, de 26 até 31 de Dezembro, lá estávamos nós, em horas extraordinárias (não pagas aos novatos), para tentar garantir os "acertos" para as contas do ano ficarem exatas.

Era assim a vida de um bancário público, nos tempos do Estado Novo. Nostalgia? Nenhuma, podem crer. Mas, hoje, lembrei-me.

Manias

Tive um amigo, infelizmente já desaparecido, que colecionava daquelas papeletas de "Não incomodar", para pendurar nas portas dos quartos de hotéis. Numa altura em que a minha vida me fez viajante frequente, implorava-me que lhe arranjasse novos modelos e, de tempos a tempos, queixava-se se eu o não fornecia de novo material. Tendo-lhe feito a vontade algumas vezes, cansei-me, a certa altura, da vergonha que já sentia em surrupiar esses anúncios. Nunca soube o que aconteceu à sua, seguramente apreciável, coleção.

Vem isto a propósito de um outro conhecido, diplomata estrangeiro, que um dia visitei na capital do seu país. Depois de um magnífico jantar que me ofereceu, quis que fôsse beber um copo lá a casa. A certo passo, ao fazer o "tour du propriétaire", mostrando-me o belo apartamento, disse-me, com ar misterioso:

- Quero que vejas aqui um espaço especial.

Era uma espécie de arrecadação. De início, pensei tratar-se de uma zona "proibida", alguma videoteca de vícios escondidos, coisa só "para homens". Mas não. Eram livros. Algumas centenas. Ao fundo da divisão, havia uma parede inteira de estantes, quase completamente preenchida, com volumes quase todos de tons sombrios. Pensei: "vêm por aí os clássicos anónimos do século XIX, Sacher-Masoch, Sade, Miller, Louys, Bataille ou Anais Nin".

- Sabes o que tenho aqui? Bíblias! Todas "sacadas" de hotéis, em várias línguas, nas minhas viagens pelo mundo. Quase 500. Não achas que é uma bela coleção?

Eu achava, claro! Cada um tem a sua mania...

quinta-feira, novembro 18, 2010

Dores

Eu sei que o jogo era amigável, que não contava para nenhuma competição. Mas ganhar desta forma à poderosa equipa de Espanha, campeã do mundo e da Europa, com justiça e brilho, é um estímulo de grande importância para um grupo de jogadores que tinha sido levado à debilidade anímica ao tempo da gestão do senhor Queirós.

Ao ver o andamento do resultado, não consegui, contudo, deixar de lembrar os 9-0 por que perdemos em 1934.

Apenas me interrogo sobre que raio de diferença haverá entre o joelho de Pepe (belo jogo!) e o meu, tratados pela mesma equipa médica com efeitos tão contrastantes...

quarta-feira, novembro 17, 2010

Maria João

Já a não ouvia, ao vivo, há muito tempo. Ontem, numa manifestação dos centros culturais estrangeiros em Paris, em que o nosso Instituto Camões participa, Maria João e grupo Ogre deram-nos quase duas horas de uma sonoridade por onde perpassou jazz, música brasileira, sons africanos e, acima de tudo, uma das grandes vozes portuguesas. Um espetáculo muito prestigiante para a imagem de Portugal.

Deixo-lhes a canção com que o espetáculo encerrou: a "Torrente".

terça-feira, novembro 16, 2010

Da ironia e do humor

Um bom amigo, pessoa que sofre as coisas da vida com uma seriedade asceta, dizia-me há dias que eu deveria refletir sobre se não haveria uma excessiva "leveza" humorística na escolha de algumas coisas que aqui publico e no estilo com que as trato, porventura pouco consentâneos com a gravidade dos tempos por que passamos. Assim, no parecer desse meu leitor, afetivamente atento, eu deveria cultivar um estilo mais sóbrio - ele não disse, mas eu presumi-o, mais "embaixadorial" - e seco, quiçá devendo optar para, por este intermédio, fazer chegar à Pátria o sumo destilado do que vou aprendendo por este posto, tido por privilegiado, de observação.

Descanse o amigo. Sirvo diariamente à Pátria as reflexões que creio poderem ser úteis a quem a gere. Isso é feito pelas vias adequadas, embora eu próprio me interrogue sempre sobre a real utilidade daquilo que remeto a Lisboa - com desvelo informativo, zelo burocrático e o mínimo possível de erros de ortografia.

Mas este blogue, volto a repeti-lo, não tem grandes pretensões. Ou melhor: tem - isso sim! - nos seus objetivos escondidos (gosto mais do termo britânico "hidden agenda") a finalidade de ajudar quem o escreve e quem o lê a suportar a quase endémica acidez dos espíritos que a digestão da dura realidade quotidiana a todos provoca. A vida já é o que é. Valerá a pena torná-la mais sombria, retratando-a a  tons negro e cinza? Ou não será preferível servir algumas pílulas de ironia e humor qb, por forma a que algumas das nossas rugas passem a ser devidas a sorrisos, em vez de resultarem das preocupações? Estou consciente de que não consigo controlar todos os efeitos secundários do que por aqui sirvo. Mas, como rezam todas as bulas, eles variarão sempre de pessoa para pessoa...

Fado

Um comité intergovernamental da Unesco acaba de qualificar o "repas gastronomique des Français" como "património imaterial da Humanidade". 

Para o ano, o fado vai entrar nesta compita. Estou confiante. Em matéria de imaterialidade patrimonial, o nosso fado dificilmente será batível em 2011. 

segunda-feira, novembro 15, 2010

Castanhas amargas

Aquela portuguesa de Trás-os-Montes que se me dirigiu na noite de sexta-feira, depois de uma conferência que proferi sobre a República, nos arredores de Paris, disse-me algo que me surpreendeu: pediu-me para ser melhor tratada em Portugal.

De início, pensei que se estava a referir aos nossos serviços públicos. Não -  esclareceu -, estava a sublinhar o facto de pessoas como ela, nascidas em Portugal e residentes em França já há algumas décadas, serem acolhidas com alguma displicência, em especial em serviços comerciais, aquando das suas deslocações ao nosso país, pelo facto da língua portuguesa que falam não ser tão correta como aquela que é praticada pelos portugueses de lá. Com tristeza, referiu-me que esse é o sentimento comum a muitos emigrantes que visitam Portugal, onde, logo que identificada a sua origem, ocorre serem recebidos com alguma má-vontade. Esta atitude já terá sido pior no passado, mas continua a persistir em certas vilas e cidades.

Como transmontano, recordo-me de casos, anos atrás, em que teria havido algumas situações de tensão, envolvendo emigrantes em férias de verão. Pensava, porém, que se tratava de coisas passadas, de ocorrências meramente pontuais, sem grande relevância ou frequência. Devo confessar que fiquei chocado com o genuíno sentimento de tristeza desta portuguesa, a qual, pelos vistos, continua a sentir-se regularmente "agredida" por alguns dos seus e nossos compatriotas.

Neste tempo em que todos por aqui procuramos mobilizar o interesse dos luso-descendentes, de segunda ou terceira geração, por Portugal, mesmo que apenas falem francês, acho de uma inaudita estupidez que haja quem receba com desdém quem, pelo culto que tem ao seu país, procura visitá-lo e estimular para ele o interesse dos seus filhos.

Esta surpreendente conversa com a minha conterrânea transmontana, nessa noite de S. Martinho, foi acompanhada de água-pé e castanhas que, desta vez, me pareceram mais amargas.

Dívidas e dúvidas

Ao ler comentários em certa imprensa e em alguns blogues, fico por vezes na dúvida sobre o lugar onde os devo colocar, nesse triângulo das Bermudas onde toda a racionalidade desaparece e que é delimitado pela estupidez, pela ignorância e pela má fé.

Vem isto a propósito de declarações de responsáveis políticos estrangeiros que se pronunciaram - uns a favor, outros contra - sobre a aquisição de títulos de dívida portuguesa, colocados no mercado internacional.

Perante as manifestações de interesse ou desinteresse nesses títulos, há por aí "especialistas" que enveredam por análises marcadas por considerações de natureza política, afetiva e até ideológica, como se alguém estivesse disposto a sacrificar o interesse do seu país apenas para nos ser simpático. Comprar ou não comprar títulos de dívida portuguesa é uma opção que se baseia, como não podia deixar de ser, exclusivamente, nas vantagens decorrentes do nível dos juros que pagamos por essa dívida.

Com tanto economista por aí à solta, a mandar "bitaites" em debates e colunas, não há ninguém que lhes explique isto, de uma vez por todas?

Diplomatas, embaixadas & orçamento

Por estes dias, o tema da possível redução do número de representações diplomáticas portuguesas pelo mundo, no contexto orçamental restritivo que se vive, voltou à baila pública. E, nessa discussão, as condições em que os diplomatas portugueses operam tornam-se também objeto de alguma atenção.

Este é um tema que surge de tempos a tempos. A sua abordagem, as mais das vezes, é feita com alguma ligeireza naif, porque é relativamente fácil falar do que se conhece mal ou daquilo sobre que se tem uma visão apenas parcelar.

Não tenho nem pedi mandato a ninguém, mas entendi não dever furtar-me a responder a algumas questões que me foram colocadas pelo "Diário de Noticias". O que eu disse nessa curta entrevista, que hoje o jornal publica, compromete-me apenas a mim, mas posso crer que muitos colegas de profissão poderão talvez sentir-se representados em algumas das minhas respostas, as quais, para quem quiser, podem ser lidas aqui.

domingo, novembro 14, 2010

Governos

Ao acompanhar, durante o dia de ontem, os últimos episódios ligados à remodelação governamental que teve lugar em França, veio-me à lembrança uma historieta brasileira clássica, ao que se diz passada com Tancredo Neves, ao tempo em que era governador do poderoso Estado de Minas Gerais. Um Estado, diga-se, com uma área maior que a França...

Segundo se diz, Tancredo terá, um dia, anunciado que ia remodelar o governo do seu Estado. Naturalmente, algumas figuras posicionaram-se, de imediato, para se sujeitarem ao "sacrifício" de entrar no executivo. A certeza de uma dessas personalidades era tanta que havia já posto a correr que a sua participação no futuro governo estava, em absoluto, garantida. Porque o convite tardava em chegar, essa pessoa foi então falar pessoalmente com o governador, expressando mesmo o seu interesse especial por uma determinada pasta. 

Tancredo tê-lo-á desiludido: não tencionava fazê-lo entrar para qualquer cargo do seu governo. O homem caiu das nuvens! Já havia anunciado à família e ao amigos que iria ser governante,  a imprensa já falara no seu nome, a sua não entrada do governo ia ser uma humilhação pública. O que poderia agora fazer?

Tancredo manteve-se firme na sua decisão, mas disse-lhe que tinha uma solução:

- Há uma forma de resolver este assunto, aliás de um modo bem honroso para si. Ao sair daqui, você vai dizer, publicamente, que eu o convidei para entrar no governo. E vai acrescentar que, por razões pessoais, decidiu não aceitar esse meu convite. De imediato, eu confirmarei isso mesmo aos jornais.

E assim foi.

"G vain"?

A reunião do G-20 (parece que, na prática, já são 30 e tal, à volta da mesa...) de Seul traduziu-se por um acordo de mínimos, com escassos compromissos e muita "langue de bois". Daí que, em França, alguns lhe chamem "G vain". 

Nada que não fosse espectável, num quadro internacional em que, depois do "susto" financeiro de  2008/9, cada um parece estar a "fazer pela vida" e começam a esfumar-se as boas intenções no sentido de provocar uma reforma global no sistema internacional. 

O G20 tem várias limitações, a começar pelo caráter discutível da sua composição e a acabar pela dificuldade em consensualizar medidas que afetariam de forma diferenciada os seus componentes. Pelo meio, fica a incomodidade de alguns integrantes do G8/G9 em partilharem responsabilidades com alguns Estados cujo estatuto internacional tem, por vezes, um sentido mais simbólico que real.

Para um país como Portugal, que está naturalmente ausente deste mecanismo de cooptação privilegiada, o trabalho de uma instância desta natureza tem o mérito de provocar uma possível aproximação de políticas e o risco de se arrogar como um "diretório" de poderes fácticos à escala global, que, pela sua proeminência, pode por em causa a preeminência das instituições internacionais onde repousa a legitimidade última na ordem internacional. Não nos opomos à revisão desta e sempre demos mostras de estarmos empenhados em revisitá-la em termos de melhoria da sua eficácia, mas sempre considerámos não ser saudável fazer repousar os termos institucionais de referência do sistema internacional em estruturas de composição "ad hoc", geradas e formatadas por agendas de circunstância.

A França terá, a partir de agora e pelo prazo de um ano, a presidência do G20 (como também herdará a presidência do G8). Esperamos que o pragmatismo e a  influência franceses possam ser suficientes para desenhar um espaço de trabalho útil, com objetivos muito claros, que possam ir para além dos meros remendos de conjuntura.

sábado, novembro 13, 2010

Sharon

Ontem, surgiu a notícia de que Ariel Sharon, o antigo primeiro-ministro de Israel, há cerca de quatro anos nuna situação comatosa, regressou a sua casa. 

O mundo quase se havia esquecido dessa figura intransigente da direita israelita, celebrada pela arrojada travessia militar do canal do Suez, na guerra do Yon Kippur, em 1973, e, mais tarde, por fortes responsabilidades no massacre de Saabra e Chatila, no Líbano, em 1982. Deve-se ainda a Sharon, no entender de muitos observadores, a deliberada "provocação" que deu origem à segunda Intifada, após a sua ostensiva visita à esplanada das mesquitas, em 2000.

Ao ver ontem, na televisão, a ambulância que transportava Sharon chegar à sua residência, recordei os dias em que, em 1978, acompanhando o então ministro da Agricultura e Pescas português, Luis Saias, visitei o seu "bunker" na propriedade familiar que tinha no deserto do Negev. Sharon era, então, ministro da Agricultura do seu país. Guardo fotografias desse momento.

Sharon era uma figura rotunda, com um ar um tanto "patronizing" mas com alguma cordialidade, de onde transparecia uma autoridade natural que advinha, sem dúvida, dos seus tempos militares. Na lógica tradicional da composição dos governos israelitas, cujo sistema eleitoral "balcaniza" o executivo por uma imensidão de partidos, a Sharon calhara a Agricultura, como mais tarde iria caber a Habitação. A importante dimensão político-estratégica destes cargos ia, porém, muito para além da tecnicidade do lugar, pelo que as conversas com o seu homólogo português - cuja especialização era, aliás, também limitada - não passaram de vagas generalidades.

A visita correu bem, com demonstrações de simpatia pessoal de parte a parte, com alguns projetos de cooperação técnica assinados. No seu termo, Luis Saias informou-me que decidira convidar aquele seu homólogo a visitar Portugal. A seu ver, a amabilidade com que este o recebera tinha de ser recompensada. Expliquei então ao nosso ministro que, como diplomata e representante do Ministério dos Negócios Estrangeiros na delegação, desaconselhava vivamente que convidasse Sharon a ir a Lisboa. A posição portuguesa no delicado equilíbrio da questão do Médio Oriente era muito cautelosa e o MNE nunca viria a aceitar dar "luz verde", naquela conjuntura, à concretização do convite.

(Antes da nossa partida para Israel, como já relatei aqui há tempos, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Sá Machado, havia-me transmitido pessoalmente as linhas "limite" de enquadramento desta visita técnico-política. Um convite para uma visita de Sharon a Lisboa ia, claramente, muito para além dessas instruções).

Luis Saias não teve minimamente em conta as minhas objeções e, na conferência de imprensa final (em que eu tive de traduzir o que disse...), deixou expresso o convite para Ariel Sharon visitar Portugal.

Saias deixaria de ser ministro tempos depois, com o fim do governo PS-CDS. Para a História, Sharon não foi a Portugal.

sexta-feira, novembro 12, 2010

Grande Guerra

A comemoração do Armistício, que, nos dias 11 de Novembro de cada ano, celebra o final da primeira Guerra Mundial, é uma data bem viva no imaginário histórico da França. No ano passado, como aqui sublinhei, Ângela Merkel esteve ao lado de Nicolas Sarkozy no Arco do Triunfo, num ato cujo simbolismo ultrapassou em muito o gesto protocolar.

Este ano, a "Mairie" do 14eme "arrondissement", presidida por Pascal Cherki, decidiu, num gesto inédito e que considerei altamente tocante, homenagear os mortos portugueses nesse primeiro conflito mundial. Esta homenagem é tanto mais interessante quanto, em regra, muito raramente se fala, em terras francesas, da presença de tropas portuguesas nessa guerra.

Por detrás desta iniciativa esteve o conselheiro eleito por Paris, Hermano Sanches-Ruivo, um lusodescendente. Por este facto se prova a importância de haver cidadãos de origem portuguesa a ocupar cargos eletivos em França, podendo ajudar a sublinhar a memória portuguesa neste país.

Num ambiente de intempérie, algumas centenas de pessoas, tendo à frente veteranos da Segunda Guerra Mundial e crianças de escolas (que leram extratos de cartas de combatentes), estiveram presentes, muitos à chuva e ao vento, nessa tocante cerimónia, durante a qual Pascal Cherki proferiu uma intervenção de grande profundidade, onde recordou e detalhou, não apenas a nossa participação do primeiro conflito, mas igualmente fez um relato circunstanciado do relacionamento entre Portugal e a França. Não tenho (pelo menos, por ora) esse texto em condições para fazer um link, pelo que me limito a dar acesso aqui à minha intervenção na cerimónia.

quinta-feira, novembro 11, 2010

Adeus

A quem quereria dizer adeus o homem que dizia adeus?

Quase todas as noites, na área do Saldanha, em Lisboa, essa figura insólita, de óculos escuros e cabelo branco, acenava ao carros que passavam. Dizem que um trauma familiar terá estado na razão desse estranho comportamento.

Agora, segundo as notícias, chegou a hora de dizermos adeus ao homem que dizia adeus.

Batalha naval


Esta velha história de Viana do Castelo surgiu ontem, numa conversa ao almoço, com um recém-descoberto novo amigo vianense, ele proprio filho de um grande amigo do meu pai.

Estava-se durante a segunda guerra mundial. Portugal vivia dividido entre os apoiantes dos Aliados e os defensores da Alemanha e do Eixo. Na juventude vianense da época, a afetividade pendia mais para o lado dos Aliados, mas alguns germanófilos sobreviviam. Um destes últimos era uma figura um tanto caricata, tradicionalmente alvo de algumas "partidas", por via de uma credulidade que se somava a um inultrapassável défice cultural.

Um dia, os "aliadófilos" chegam junto desse seu amigo próximo do Eixo, mostrando-se escandalizados:

- Vocês não têm vergonha?! Acaba de ser anunciado que a Alemanha abateu, em alto mar, um contra-torpedeiro suíço. Ao que chegámos! Berlim nem sequer respeita os países neutrais!

O amigo germanófilo, cujos conhecimentos geográficos escasseavam, deu como óbvia a perca do navio daquela que seria a "poderosa" marinha suíça e, pragmático, respondeu, já desafiador:

- O que é que vocês querem?! Guerra é guerra!

quarta-feira, novembro 10, 2010

Remodelação

Os períodos que antecedem uma remodelação governamental - como é o caso atual, em que estão iminentes mudanças no governo francês - são sempre de grande agitação nos "mentideros" diplomáticos. A imprensa, com notícias diárias sobre nomes falados para tal ou tal cargo, é fautora de muitas dessas hipóteses e, grande parte das vezes, toma por boas o que não passa de meras conjeturas das respetivas fontes.

No seio dos diplomatas - e isto é válido para todos os postos onde servi - há vários estilos de atitude. Alguns orientam-se exclusivamente pelos jornais e, dada a profusão contraditória de nomes que deles emergem, imagino que devam criar alguma confusão nas suas capitais - onde, muitas vezes, muitos nomes aventados são totalmente desconhecidos. Outros têm confiança em fontes políticas, da alta administração ou de meios económicos, às vezes não contando com o facto destas poderem, elas próprias, ser objeto de "desinformação" ou de uma distorção de perspetiva, decorrente de uma excessiva proximidade - ou, por vezes, de excessiva hostilidade ou interesse próprio - face ao poder. Outros, ainda, tentam a desejada síntese entre todas estas origens de notícias, orientando-se pela experiência criada e procurando selecionar hipóteses que se quadrem com as perspetivas que acham mais credíveis. Estes últimos, devo dizer, enganam-se tanto como os outros.

A regra prudencial a seguir deveria ser não ter a tentação de transmitir à sua capital senão as hipóteses que um conjunto variado de fontes coincidisse em confirmar. E, mesmo assim... Porém, ninguém faz isso e, não conhecendo eu os relatórios que os meus colegas enviam às suas autoridades, imagino que, em especial ao longo das últimas semanas, tenham inundado as suas capitais com nomes possíveis para certos cargos, com o cuidadoso "especula-se em certos meios que" ou "alguns analistas apontam para que" ou ainda, num tom mais intimista, "X disse-me estar convicto de que". Em caso de erro, o verdadeiro sujeito da oração é sempre um terceiro. Em caso de ter acertado, então o texto que anunciar a remodelação dirá: "Tal como eu referi na minha comunicação nº...".

Perguntar-se-á se isto é importante, se uma remodelação num sentido ou noutro, com umas ou outras pessoas, terá um impacto que possa interessar aos países estrangeiros aqui representados. Sim e não. 

A escolha de certas personalidades pode indicar algumas opções políticas, com expressão nas relações externas (em especial, europeias) ou em políticas públicas locais relevantes para os Estado estrangeiros. Algumas figuras poderão ser nossas conhecidas - e neste "nossas" incluem-se os embaixadores ou os políticos dos nossos países. Às vezes, há importantes interesses dos nossos países que ficariam melhor ou pior servidos, em termos potenciais, se a escolha for num ou noutro sentido. Porém, atendendo a que a grandes opções governamentais relevam de uma linha política que raramente depende exclusivamente da entrada de uma personalidade para a chefia de um determinado ministério, o impacto de um nome ou de outro acaba por não ser grande.

Mas, nem por isso, a próxima remodelação governamental deixa de ser o assunto do momento, no seio da comunidade diplomática parisiense. 

A América, a Indonésia e Timor

Ter memória torna-nos algo cruéis. Ontem, ao ver o presidente Barack Obama na Indonésia, confraternizando com o seu homólogo local, não pude deixar de lembrar-me de uma triste visita de um seu antecessor ao mesmo país. 

Estávamos em 6 de Dezembro de 1975. Gerald Ford, acompanhado pelo seu chefe da diplomacia, Henry Kissinger, visitava Jacarta, onde se encontrou com o então presidente Suharto. Durante este encontro, como hoje o revelam detalhadamente documentos depositados no "National Security Archive", da "George Washington University", o presidente indonésio recebeu "luz verde" de Gerald Ford para avançar na invasão de Timor, naquela que iria ser uma mortífera operação, cujas consequências se prolongaram por quase um quarto de século. O presidente americano apenas disse que "it would be better if it were done after we returned". Suharto cumpriu. O ataque iniciou-se no dia 7 de Dezembro. 

A América de hoje é diferente. A Indonésia também. Mas, "for the record", não fica mal um exercício de memória.

terça-feira, novembro 09, 2010

Alfredo Margarido

Não éramos muitos, mas fomos em número suficiente, ao final da tarde da passada segunda-feira, para homenagear a figura do intelectual português Alfredo Margarido, que o "Centre de Recherches Interdisciplinaires sur les Mondes Ibériques Contemporains", da Sorbonne (Paris IV), levou a cabo, sob a organização de Maria Graciete Besse.

Durante duas horas e meia, vários intervenientes deram-nos um retrato da intervenção académica e política de Alfredo Margarido, complementado por interessantes testemunhos de amigos e familiares.

Como alguém disse, foi bem adequado que esta homenagem tivesse tido lugar na mesma rue Gay-Lussac onde Margarido foi ativo participante no maio de 1968.

De Gaulle

Faz hoje 40 anos que morreu Charles de Gaulle. Com ele, desaparecia então "une certaine idée de la France", que soube cultivar desde muito cedo - em especial, desde que reagiu contra Vichy, desde que se impôs em Londres, desde que confrontou Roosevelt, desde que personalizou a libertação. Com a França, de Gaulle iria ter um "affaire" histórico bastante complexo. Descrente da IV República, acabaria por aparecer no topo da vaga de fundo que a fez naufragar. Soube entender que a Alemanha era incontornável, que uma certa Europa era indispensável, que era importante marcar as distâncias face aos EUA, nomeadamente no seio da NATO. Percebeu a onda descolonizadora, soube utilizá-la em favor dos interesses do seu país e teve a coragem de reverter a atitude francesa face à Argélia. Venceu politicamente em maio de 1968, mas acabou por perder a sua ligação com uma sociedade que mudara profundamente e que se cansara de um certo estilo de governação.

De Gaulle, que hoje o presidente Sarkozy saudou como uma figura identitária da França contemporânea, em Colombey-les-deux-églises, faz parte de uma França muito diferente. Como acontece com as figuras históricas, com o tempo diluiram-se bastante as críticas a seu respeito, emergindo com visibilidade valores de que se tornou titular.

Não sendo francês, sinto a tentação de dizer que o franceses têm a felicidade de ter um homem como Charles de Gaulle na sua história.

segunda-feira, novembro 08, 2010

O vizinho

O jantar era numa capital europeia. Aquela portuguesa, filha de um diplomata, caíra nele um pouco por acaso, à última hora, levada por amigos. As dezenas de convidados acomodavam-se nas várias mesas redondas, num ambiente solto e bastante informal. Ao dar-se conta que um dos seus vizinhos do lado era brasileiro, a portuguesa, seguindo o óbvio tropismo nacional, passou a concentrar nele a sua atenção. O vizinho era, além do mais, uma pessoa com graça, interessante e com "mundo".

A certa altura, trocaram-se nomes e o vizinho disse chamar-se Paulo. O apelido, como ele também referiu, não podia ser mais português: Coelho. A nossa jovem perguntou então ao seu vizinho se, sendo brasileiro, a coincidência de ter um nome igual ao prolífico escritor não causara já equívocos. E acrescentou: "Eu detesto os livros de Paulo Coelho. É uma escrita banal, medíocre. Não consigo entender a razão do seu êxito. Tenho muitos amigos brasileiros que pensam o mesmo. O que é que você acha?".

O vizinho, homónimo do escritor, sorriu e disse: "Eu não desgosto desses livros. Caso contrário, não os teria escrito..."

Nunca cheguei a perguntar à Inês como saiu desta. Como sei que ela, às vezes, lê este blogue, talvez me possa esclarecer.

domingo, novembro 07, 2010

Rouen

A atenção que, nas últimas semanas, tem vindo a ser concedida aos políticos "centristas" na vida política francesa, por virtude da "contabilidade" da sua importância potencial no caminho para as eleições presidenciais de 2012, levou-me a recordar, numa visita de trabalho que fiz a Rouen, na passada sexta-feira, a figura de Jean Lecanuet (na foto), que foi "maire" da cidade durante um quarto de século. Lecanuet morreu em 1993.

Lecanuet foi uma figura importante na vida política francesa, em especial nas tentativas, quase sempre frustradas a prazo, de criar em França uma dinâmica centrista que pudesse abalar decisivamente a bipolarização esquerda-direita. Nesse esforço, logo no pós-guerra, desempenhou um papel relevante no democrata-cristão MRP (Mouvement Républicain Populaire), tendo obtido, como candidato presidencial, mais de 15% nas eleições de 1965, obrigando de Gaulle a uma segunda volta contra François Mittérrand. Aliás, este último político disse um dia (e cito de cor) que "o centro, em França, ou está à direita, ou está...à direita". Verdade seja que, com certas escassas exceções históricas (algumas das quais o beneficiariam), o líder socialista teve, as mais das vezes, razão nesta sua avaliação. Lecanuet fundou depois o Centre Democrate e, mais tarde, ajudou Giscard d'Estaing a chegar ao poder, tendo presidido à UDF (Union pour la Démocracie Française) que apoiava a ação presidencial. Foi ainda ministro, senador e deputado.

Nos contactos locais que tive, tentei perceber o que resta da memória de Lecanuet no imaginário de Rouen. Acabei por ser apresentado a um seu antigo colaborador que, emocionado, me disse que Lecanuet está para Rouen como Chaban-Delmas estava para Bordeaux.  Deve ter razão, embora as figuras não possam ser comparáveis, na sua respetiva dimensão nacional.

No almoço que tive com a dinâmica "maire" da cidade, Valérie Fourneyron, num restaurante dirigido por um chefe português com grande expressão na região (o coimbrão José Rato, do restaurante "Reverbère"), ouvi - como sempre - palavras de grande apreço pela Comunidade portuguesa, da qual  encontrei uma dezenas de pessoas mais tarde, num convívio organizado pelo nosso Cônsul Honorário local. Na região normanda de Rouen temos vários empresários de sucesso e algumas associações bastante ativas. Prometi interessar-me pelo ensino de português na Universidade local e colocar a AICEP na rota comercial da região, com cuja Câmara do Comércio também reuni.

Uma das angústias com que, muitas vezes, saio deste tipo de visitas é a dificuldade em conseguir dar uma sequência operativa eficaz a coisas promissoras que "ficam no ar". Não chegamos para tudo...

Porto-Benfica

Que pensa um sportinguista ao ver o Porto ganhar 5-0 ao Benfica, reforçando ainda mais a sua liderança?

Só às paredes confesso.

Jill Clayburgh

Jill Clayburgh não era uma atriz de topo, mas era uma figura do cinema que eu apreciava bastante. A isso não seria indiferente o facto de, em algumas das suas personagens, ela combinar um perfil de elegância discreta com um olhar de onde, muitas vezes, transparecia uma tristeza trágica, às vezes presente no próprio sorriso. E isso, sei lá porquê!, dizia-me alguma coisa.

Que seria dos artistas se não os "lêssemos" cada um ao nosso modo?

Jill Clayburg acaba de morrer aos 66 anos, vítima de leucemia.

sábado, novembro 06, 2010

Sá Carneiro

Há quase um ano, falou-se aqui da figura de Francisco de Sá Carneiro. Dentro de dias, em 4 de Dezembro, passarão 30 anos sobre a sua trágica morte, uma daquelas escassas datas em que todos nos lembramos onde estávamos no momento da notícia.

Há dias, ouvi dizer que tinha saído uma biografia de Sá Carneiro, da autoria de Miguel Pinheiro. Consegui comprá-la no aeroporto, antes do regresso a Paris. Em 48 horas, devorei as suas quase 800 páginas, escritas num estilo quase "fílmico", com um ritmo jornalístico e um excecional rigor investigativo. Ao que parece, Miguel Pinheiro demorou cinco anos a recolher os dados para este trabalho. Mas valeu a pena.

Com algumas escassas, embora valiosas, exceções, o género biográfico não tem, entre nós, grandes cultores. A tendência para a hagiografia das personagens sobrepõe-se. muitas vezes, à desejável independência na avaliação dos factos e das interpretações. Noutros casos, a vaidade intelectual dos autores torna o tratamento das figuras escolhidas um mero pretexto para a defesa de uma tese pessoal. Finalmente, numa terceira categoria, aparecem obras de uma qualidade de investigação e/ou escrita lamentável.

Este trabalho de Miguel Pinheiro revela-o um autor de mérito e traz-nos dados novos sobre uma das personalidades mais marcantes do imaginário político da democracia portuguesa. Para quem, como eu, tem o "vício" de procurar ler tudo quanto pode sobre a contemporaneidade política doméstica, este livro revelou muitas coisas novas, confirmando também muitas outras.

O mais interessante neste trabalho - para além de dados curiosíssimos sobre a génese da "ala liberal" do marcelismo e sobre as tensões no seio do então PPD - é talvez a luz nova que se projeta sobre a personalidade de Francisco de Sá Carneiro, vista à lupa naquilo que são as suas fraquezas, a sua determinação, o seu carisma e a sua propensão para a rutura, no plano político mas também pessoal. 

O autor privilegia a "cedência" dos factos ao leitor em detrimento de uma versão predominantemente interpretativa - o que pode desagradar a alguns críticos -, concedendo-nos uma maior liberdade na leitura. Esta pode, aliás, levar a duas conclusões contraditórias, o que não deixa de ser uma grande qualidade, abonatória da honestidade do trabalho executado.

Para os que admiram Sá Carneiro, o livro confirmará os traços de inconformismo que o tornaram popular e que conduziram à saudade de um certo tipo de liderança, frontal e arrojada, sem receio de colocar na ação executiva medidas corajosas, ao serviço de um ideário de denúncia aberta do que entendia serem as distorções que um radicalismo esquerdista introduzira no Portugal pós-abril.

Quem não aprecia a personagem encontrará no livro argumentos para reforçar a sua visão de um político egocêntrico e vaidoso, com tiques autoritários e populistas, com uma agenda de confronto feita de teorias conspirativas, que induziram tensões eventualmente gratuitas, por ausência de um espírito de compromisso e por uma dificuldade de relacionamento pessoal com os adversários..

Este é um livro que, francamente, recomendo e que deve ser lido por quem tem interesse em perceber melhor o Portugal contemporâneo.

Sucesso português

Ontem, numa conversa a propósito da nomeação de António Horta Osório para a chefia do Lloyds Bank, depois do sucesso que teve no Santander britânico, alguém me dizia: "Não percebo por que é que, só pelo facto de alguém ser português, temos necessariamente de ficar contentes com a subida desse alguém na cena internacional".

Eu não conheço pessoalmente Horta Osório mas, devo confessar, sinto sempre uma grande satisfação quando o adjetivo "português" se liga ao nome de alguém com sucesso, à escala mundial. Portugal é um país conhecido pela sua história (somos um dos países mais antigos do mundo), mas não somos reconhecidos pelos outros como um país "produtor" de vencedores. E o prestígio subliminar de um país no imaginário coletivo constrói-se também, para além de muitos outros fatores, pela visibilidade positiva das personalidades que dele emergem. Seja Horta Osório, seja Oliveira, seja Saramago, seja Siza Vieira, seja Mourinho...

Church's

Um anúncio no "Le Figaro" de ontem trazia uma fotografia de uns sapatos "Church's", aquela clássica marca inglesa que tem a fama de ser eterna (não é, posso garanti-lo). Em Paris, há três lojas da marca. Hoje, investiguei o preço do produto anunciado: proibitivo! Não pude, assim, levar à prática aquela asserção do precetor austríaco do rei dom Manuel, que andava sempre equipado com os mais caros produtos de vestuário e calçado, explicando: "Não sou suficientemente rico para poder comprar coisas baratas".

Um dia, nos anos 90, em Londres, tive a jantar em casa uma colega - hoje embaixadora - e o seu pai, uma figura encantadora que, como a muitos aconteceu, recorreu aos médicos britânicos como última esperança para uma doença cancerígena que o minava. Infelizmente com razão a curto prazo, o parecer médico não deixou espaço para nenhumas ilusões. Ficou-me na memória afetiva, para sempre, a ironia triste, mas com admirável "panache", com que o pai dessa minha amiga, no final do jantar, me disse que, nessa tarde, comprara uns Church's: "Sabe, dizem-me que duram 20 anos. É tempo suficiente..."

Informação

Neste mundo de informação instantânea - onde o mais difícil é "vermo-nos livres" da informação a mais e ter acesso apenas àquela que nos é essencial - esta fotografia da delegação do jornal "O Século", no Rossio de Lisboa, nos anos 40, dá-nos uma imagem curiosa do que era a avidez pelas notícias, naquele tempo de guerra europeia. Os "takes" das agências noticiosas eram então sintetizados em notas à mão, que os passantes liam. 

Bem mais tarde, como muitos se recordarão, o sistema passou para as fitas noticiosas luminosas que eram exibidas em paredes (por exemplo, no Rossio, em Lisboa, e na Praça da Liberdade, no Porto) e que nos davam "as últimas", num estilo um pouco ao modo dos atuais rodapés dos telejornais (embora, nesse tempo, sem erros ortográficos).

Ao comparar as épocas, e, no caso português, descontadas as limitações da censura, devo dizer que fico na dúvida sobre se as pessoas desse tempo eram, de facto, menos informadas do que nós, relativamente ao que era essencial para a sua vida.

quinta-feira, novembro 04, 2010

De Lisboa a Pandora

A ideia, aprovada no último Conselho Europeu, de reabrir o Tratado de Lisboa por forma a poder consagrar, em linguagem formal, os novos mecanismos para apoio aos Estados Membros em dificuldades económico-financeiras, parece derivar de um indiscutível bom-senso. Ninguém, que conheça um mínimo da coisa europeia, negará a importância de ver vertido, em termos de tratado, um modelo funcional que teve algo de "ad hoc", que foi feito sob a pressão da conjuntura.

E, no entanto... Pode ser da idade, pode ser uma desconfiança tonta, pode ser de uma deriva injusta para as teorias conspirativas, podem ser muitas outras razões, embora todas por ora tenham de ser diplomaticamente implícitas, mas, devo confessar, esta proposta traz-me alguma inquietação. 

Fiz parte do "grupo de reflexão" europeu que preparou a revisão do Tratado de Maastricht. Negociei, por Portugal, o Tratado de Amesterdão. Anos depois, ainda estava "morna" a ratificação parlamentar deste tratado e já estávamos na negociação daquilo que viria a ser o Tratado de Nice, que também tive a meu cargo. Passaram dois anos, e o governo português de então formulou-me o convite para o assessorar na fase final do defunto "Tratado Constitucional", o qual, com alguns arranjos de forma, foi a base real do Tratado de Lisboa que está em vigor - cuja negociação final se sabe ter sido de grande complexidade e no qual Portugal brilhou, durante a sua Presidência da União Europeia, em 2007. Por essas razões, julgo saber alguma coisa do que falo.

Reabrir um tratado, à luz de um motivo de conjuntura, vai contra uma regra que sempre ouvi aos meus amigos juristas: nunca se muda um lei debaixo da pressão de acontecimentos de circunstância. E isso, neste caso, ainda se processa em condições piores, porque as circunstâncias desta crise estão a mudar de minuto a minuto - e muito mais mudarão, ao longo dos muitos meses que esta revisão vai levar. Sabe-se como começa uma revisão de um tratado, nunca se sabe como se concluirá.

Temo que esta revisão do Tratado de Lisboa possa acabar por ser uma má notícia para a Europa. E, nesta fase do "campeonato", receio que venha a ser uma péssima notícia para Portugal. Mas, com total sinceridade, não posso excluir que esteja completamente enganado.

quarta-feira, novembro 03, 2010

Partidas

Há uns tempos, uma amiga perguntou-me: "Não escreveste nada por ocasião da morte do Mário Bettencourt Resendes. Porquê?". Nesse momento, dei-me conta de que pode haver quem espere que este blogue "funcione" com o ritmo de um jornal, onde seja quase obrigatório notar a desaparição das figuras proeminentes. Não é nem pode ser assim.

A essa amiga, expliquei que, embora conhecendo pessoalmente Mário Bettencourt Resendes e tendo dele uma imagem, pessoal e profissional, muito positiva, não terei encontrado, naquele momento, um motivo de oportunidade para fazer uma nota. Porquê? Sei lá! Porque não tinha tempo, porque estava cansado, porque me não ocorreu nada que pudesse justificar uma escrita para posterior leitura, por um monte de outras razões conjunturais.

As evocações por aqui de figuras que desaparecem não têm nenhuma lógica entre si. Porquê falar de Laurent Fignon e não de António Feio? E de Pina Martins e não de Hugo dos Santos? Ou de Mercedes Sosa e não de Mariana Rey Monteiro? Ou de tantos outros?

Este blogue é e será sempre um livre exercício do acaso. Essencialmente, do tempo disponível, que não é muito. Há posts que são feitos em segundos (o que, às vezes, se reflete na respetiva escrita), outros podem derivar de uma maior elaboração. Não há regras. A única coerência que pretendo expectável diz respeito às ideias que possam transparecer do que aqui se escreve. E nem isso está, em absoluto, garantido...

Esperança

A esperada "débacle" que se abateu sobre a administração Obama, nestas eleições "midterm", culmina um período de forte erosão política, fruto dos efeitos da crise económico-financeira, da não concretização prática de grande parte do programa presidencial e do natural ressurgir da América conservadora.

Não é novidade os presidentes americanos verem a sua base parlamentar de apoio ser reduzida nestes sufrágios a meio do percurso. Aliás, se refletirmos um pouco, facilmente chegaremos à conclusão que este método de renovação parcial dos legisladores, típico de regimes presidencialistas, é uma sábia "válvula de escape" constitucional que permite atenuar o poder das maiorias e dar voz pública aos descontentes com os anos anteriores de mandato. O sistema americano pode ter muitos defeitos, mas a sua sobrevivência, num país tão complexo, prova a sabedoria de quem o desenhou.

Cada presidente é um caso, mas Obama não é um presidente "normal". A eleição de um presidente negro - ou melhor, de um negro como presidente -, ligada a uma agenda de esperança quase regeneradora, representou uma mudança de uma gigantesca dimensão. Se a gestão Obama vier a revelar-se um fracasso, que efeito poderá ter esse fragoroso ruir da esperança? E que América lhe sucederá?

terça-feira, novembro 02, 2010

"Tour de table"

Desde o início que pressenti algo de estranho na atitude daquele técnico, que Lisboa tinha enviado a uma reunião especializada, numa certa capital europeia onde eu estava colocado. Era uma pessoa oriunda de um determinado departamento ministerial português. A sua deslocação justificava-se, essencialmente, para a abordagem de um ponto particular da agenda de trabalhos, supostamente importante para os nossos interesses.

A minha estranheza prendia-se com o facto de, ao ter-lhe formulado algumas perguntas sobre aquele assunto, ter dele recebido respostas muito vagas e inconclusivas. Como era a ele que competia intervir, levei essa atitude à conta de estar a "guardar o jogo". Não insisti.

A reunião tinha lugar durante todo o dia. A mim competia-me apenas acompanhar os trabalhos. No período em que estive presente, a agenda fluiu, sem grandes intervenções. Portugal, por intermédio do nosso técnico, não teve necessidade de se pronunciar. Na parte da tarde, porque fui chamado à Embaixada, deixei o homem sozinho na delegação portuguesa. Esse era o período em que ele tinha necessariamente de intervir, para expressar a nossa posição, naquele ponto específico, que motivara a sua deslocação.

A meio da tarde, quando regressei à sala da reunião, vi o nosso técnico nervoso. Fumava imenso e parecia algo agitado. Perguntei-lhe que tal tinham corrido os debates, no tal ponto da agenda. Seco, respondeu-me: "Juntámo-nos ao consenso". E perguntou-me: "Pode assegurar o resto da reunião? Tenho de ir andando". E lá foi, de regresso a Lisboa.

No final da reunião, um colega da delegação de outro país perguntou-me: "Então vocês não tomaram posição?" Referia-se ao tal tema. Foi então que eu soube que a presidência da sessão havia, a certo passo, decidido fazer um "tour de table" (uma volta à mesa, na qual cada delegação toma a palavra). Nesse instante, o técnico português ter-se-á escapulido da sala, deixando vazio o lugar do nosso país. Claro que, ao chegar à ausente delegação portuguesa, o "tour de table" passou à frente, para a delegação seguinte. O homem terá voltado à sala depois de encerrado o debate sobre o tema. A tempo, pelos vistos, de se informar que havia sido adotado um consenso, proposto pela presidência. Estava explicada a razão pela qual Portugal "se juntara" ao consenso... 

Nunca percebi a razão desta singular atitude de "chaise vide". Seria receio de intervir? Estaria pouco preparado sobre o assunto? A verdade é que, como dizem os ingleses, aquela não terá sido "our finest hour" diplomática.

Contraditório

Uma das constatações mais positivas que faço, ao ler alguns comentários a posts publicados neste blogue, é a saudável circunstância de que muitas das pessoas que simpaticamente o continuam a consultar não estão necessariamente de acordo comigo, não se revêem em algumas das ideias que por aqui vou deixando ou que por aqui se intuem.

segunda-feira, novembro 01, 2010

Livros e bibliotecas

É impressionante a qualidade dos equipamentos públicos que, nas últimas décadas, surgiram um pouco por todo o país. A minha terra de origem, Vila Real, dispõe hoje de um conjunto invejável de estruturas, que já mudaram, por completo, a face da cidade.

No passado sábado, pude experimentar a funcionalidade da nova Biblioteca Municipal. A convite do economista Jaime Quesado, fiz nela a apresentação do seu livro "O Novo Capital", um evento que contou com significativas presenças, desde responsáveis locais até ao próprio líder da Oposição nacional.

O pretexto do livro proporcionou intervenções sobre algumas das temáticas nele desenvolvidas, em certos pontos questionando opções feitas em matéria de políticas públicas e educativas. Uma sessão que poderia ter tido um cariz meramente formal acabou por motivar reflexões que lhe conferiram um  particular interesse. 

Promoção comercial

A noite de sábado estava feroz, lá por Vila Real. Decidimos, mesmo assim, ir jantar, em grupo familiar, a um restaurante. Sob chuva e vento, saímos dos carros. Perguntámos ao empregado que nos abriu a porta:

- Há lugares?

A resposta foi um "must" de promoção comercial:

- Montes deles! Com uma noite destas, só os malucos saem de casa...

Para a história: comeu-se bem.

domingo, outubro 31, 2010

Dilma

Quando cheguei ao Brasil, em 2005, Dilma Rousseff era ministra de Minas e Energia, uma área decisiva dentro do executivo brasileiro. Dos mais de trinta ministros que o Governo brasileiro então possuia, Dilma Rousseff era talvez a única personalidade que combinava uma comprovada capacidade técnica com uma história política pessoal significativa, da qual fazia parte a prisão e a tortura, de que fora vítima durante a ditadura militar.

Embora não pertencesse ao centro do poder dentro do Partido dos Trabalhadores (PT), a sua eficácia técnico-política e a crescente confiança que o presidente Lula nela claramente depositava foram-lhe garantindo o prestígio que lhe permitiu, na crise que envolveu a saída de José Dirceu da chefia da Casa Civil, o estatuto necessário para ascender ao lugar que é como que o de um "primeiro-ministro" -  embora, neste caso, no sentido de um "primus inter pares". Ironicamente, pode dizer-se que terá sido o facto de não fazer então parte do "hard core" do PT, que o processo do chamado "mensalão" tinha fortemente debilitado, que lhe deu a vantagem comparativa para assumir o cargo que, como se veio a provar, seria a rampa de lançamento para o processo que iria culminar na sua eleição.

BOAS FESTAS!

  A todos quantos por aqui passam deixo os meus votos de Festas Felizes.  Que a vida lhes sorria e seja, tanto quanto possível, aquilo que i...