sábado, novembro 06, 2010

Sá Carneiro

Há quase um ano, falou-se aqui da figura de Francisco de Sá Carneiro. Dentro de dias, em 4 de Dezembro, passarão 30 anos sobre a sua trágica morte, uma daquelas escassas datas em que todos nos lembramos onde estávamos no momento da notícia.

Há dias, ouvi dizer que tinha saído uma biografia de Sá Carneiro, da autoria de Miguel Pinheiro. Consegui comprá-la no aeroporto, antes do regresso a Paris. Em 48 horas, devorei as suas quase 800 páginas, escritas num estilo quase "fílmico", com um ritmo jornalístico e um excecional rigor investigativo. Ao que parece, Miguel Pinheiro demorou cinco anos a recolher os dados para este trabalho. Mas valeu a pena.

Com algumas escassas, embora valiosas, exceções, o género biográfico não tem, entre nós, grandes cultores. A tendência para a hagiografia das personagens sobrepõe-se. muitas vezes, à desejável independência na avaliação dos factos e das interpretações. Noutros casos, a vaidade intelectual dos autores torna o tratamento das figuras escolhidas um mero pretexto para a defesa de uma tese pessoal. Finalmente, numa terceira categoria, aparecem obras de uma qualidade de investigação e/ou escrita lamentável.

Este trabalho de Miguel Pinheiro revela-o um autor de mérito e traz-nos dados novos sobre uma das personalidades mais marcantes do imaginário político da democracia portuguesa. Para quem, como eu, tem o "vício" de procurar ler tudo quanto pode sobre a contemporaneidade política doméstica, este livro revelou muitas coisas novas, confirmando também muitas outras.

O mais interessante neste trabalho - para além de dados curiosíssimos sobre a génese da "ala liberal" do marcelismo e sobre as tensões no seio do então PPD - é talvez a luz nova que se projeta sobre a personalidade de Francisco de Sá Carneiro, vista à lupa naquilo que são as suas fraquezas, a sua determinação, o seu carisma e a sua propensão para a rutura, no plano político mas também pessoal. 

O autor privilegia a "cedência" dos factos ao leitor em detrimento de uma versão predominantemente interpretativa - o que pode desagradar a alguns críticos -, concedendo-nos uma maior liberdade na leitura. Esta pode, aliás, levar a duas conclusões contraditórias, o que não deixa de ser uma grande qualidade, abonatória da honestidade do trabalho executado.

Para os que admiram Sá Carneiro, o livro confirmará os traços de inconformismo que o tornaram popular e que conduziram à saudade de um certo tipo de liderança, frontal e arrojada, sem receio de colocar na ação executiva medidas corajosas, ao serviço de um ideário de denúncia aberta do que entendia serem as distorções que um radicalismo esquerdista introduzira no Portugal pós-abril.

Quem não aprecia a personagem encontrará no livro argumentos para reforçar a sua visão de um político egocêntrico e vaidoso, com tiques autoritários e populistas, com uma agenda de confronto feita de teorias conspirativas, que induziram tensões eventualmente gratuitas, por ausência de um espírito de compromisso e por uma dificuldade de relacionamento pessoal com os adversários..

Este é um livro que, francamente, recomendo e que deve ser lido por quem tem interesse em perceber melhor o Portugal contemporâneo.

6 comentários:

Nuno Sotto Mayor Ferrao disse...

Caríssimo Senhor Embaixador Francisco Seixas da Costa,

Como nos diz com toda a propriedade faltam em Portugal, nos dias de hoje, livros de Memórias ( com excepção das Memórias de Diogo Freitas do Amaral,Raul Rosado Fernandes, António Almeida Santos, Adriano Moreira,etc )e Biográficos. A classificação que nos fez é, muitas vezes, verdadeira para as investigações biográficas. No entanto, hoje em dia as biografias estão de novo com um valor acrescido como género historiográfico.

É bom saber que o trabalho da autoria de Miguel Pinheiro abrange uma visão global sobre as múltiplas dimensões de Francisco de Sá Carneiro. Com efeito, deve haver, na minha opinião, num trabalho deste género um equilíbrio entre a recolha de factos e a lucidez interpretativa como nos ensinaram Fernand Braudel, Paul Ricoeur e Raymond Aron. Afigura-se-me, fundamental, que haja uma visão filosófica da História e, mesmo, das figuras históricas.

A vértebra inconformista de F. Sá Carneiro parece ter sido o modelo político de Pedro Santana Lopes que, no entanto, como fugaz primeiro-ministro se deixou enredar em imbróglios conspirativos.

Saudações cordiais, Nuno Sotto Mayor Ferrão
www.cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt

Rubi disse...

Estou convencida. Este Natal vou comprá-lo em Portugal!

patricio branco disse...

A biografia finalmente começa a ter um lugar em Portugal, com uma nova geração de historiadores, josnalistas, biografos, iniciada ou impulsionada por maria filomena mónica. Há biografias de álvaro cunhal, salazar, de escritores (mesmo vivos) de actores, politicos, etc.
O memorialismo está ainda incipiente, mario soares pelos vistos não se decide a escrever as suas (seriam importantissimas) memórias, ramalho eanes ou j. sampaio tampouco o fizeram.
De diários nem se fala, não existem ou estão escondidos.
Mas tudo começa a mudar.
Entretanto releio as memórias de aquilino ribeiro, finalmente reeditadas.

Anónimo disse...

Confesso que este tipo de livros de memórias - e já nem falo de autobriografias , (ou memórias dos próprio) - não faz o meu género. Sobretudo, quando respeitam a políticos do nosso tempo. Admito que possam acrescentar algo aquilo que sabiamos, ou conhecemos, dessas figuras políticas, mas não alteram muito da opinião que tinhamos deles. E depois, poucos, raros, têm, ou terão, dimensão histórica.
Prefiro outro tipo de memórias. Aqui há uns meses li umas "memórias", históricas, sobre o Imperador Marco Aurélio. Continua à venda nos escaparates das nossas livrarias. Um excelente livro. Uma boa tradução da obra original. Um livro, também, de cerca de 700 páginas. Para quem gosta da Antiguidade Clássica, recomenda-se vivamente.
P.Rufino

Rubi disse...

Adoro biografias e felizmente tenho tirado partido do facto desse género ser muito explorado em Inglaterra!

zamot disse...

fiquei convencido.

Cumprimentos

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...