terça-feira, novembro 23, 2010

Literatura de guerra

Toda a guerra suscita compreensíveis emoções. As guerras colonais que Portugal disputou em Angola (a partir de 1961), em Moçambique e na Guiné (estas últimas depois de 1964) representaram um período muito importante da história portuguesa, estando na génese do próprio movimento de 25 de abril de 1974. As guerras mudaram o país e, de uma forma muito nítida, mudaram também os portugueses que nelas intervieram. Mortos, feridos, deficientes e traumas de guerra marcaram uma geração de sacrifício, a qual inclui quantos tiveram de procurar no estrangeiro acolhimento para fugir a participar num conflito que nada lhes dizia ou à penúria de um país que se arruinava nessa aventura insensata.

A Revolução de abril como que procurou exorcizar essa tragédia, pela indução no país de um movimento coletivo de esperança num futuro melhor. Mas os sentimentos dos "retornados" e dos soldados que sofreram esse período ainda estão presentes em muitos setores da sociedade portuguesa, por muito que mais de três décadas nos distanciem do momento em que ele terminou. A guerra só acaba, dentro das pessoas, muito depois do cessar-fogo.

Não há muita literatura, em língua portuguesa, sobre as guerras coloniais portuguesas da segunda metade do século XX (outras houve, no passado). Ontem, a Fundação Gulbenkian, em articulação com universidades francesas onde a cultura portuguesa se investiga e estuda, trouxe a Paris João de Melo e Carlos Vale Ferraz, dois escritores portugueses que colocaram em vários romances a sua vivência pessoal como militares nesse período - "atores e autores da História". Julgo que foi importante ouvi-los, embora seja mais importante lê-los, se possível em contraponto com os testemunhos de escritores oriundos das guerrilhas independentistas das antigas colónias, aqueles que nos dão a visão "do outro lado". Como é "dos livros", só nos percebemos completamente quando nos reconhecemos no olhar dos outros sobre nós.

18 comentários:

Helena Sacadura Cabral disse...

A percepção da Guerra Colonial depende ainda muito da idade que se tem, da ideologia que se pratic e, sobretudo, das experiências familiares de quem por lá passou.
Poderia ter sido tudo muito melhor. É um facto.
Mas dentro dos países ditos desenvolvidos, há quem se tenha portado muito pior que Portugal. E desses, a História parece ter-se esquecido...

Alcipe disse...

O melhor ainda é o António Lobo Antunes, acredita!

Anónimo disse...

Fiz a guerra, de baixíssima intensidade, ou nenhuma, em Angola de 1970 a 1972. Detestei a tropa para a qual não fui fadado, mas:– devo-lhe em formação pessoal e tenho honra em ter participado, com armas na mão, na última utopia portuguesa, superior às próprias forças: dar novos Brasis ao mundo (de acordo com a propaganda da época). E Angola não é hoje uma espécie de Brasil?
João Forjaz Vieira

anamar disse...

E nós, as jovens namoradas e depois mulheres, de ex combatentes dessa guerra de que tão pouco se fala???
Ainda, mas com o devido distanciamento , tenho um "dicton" da época nos eus ouvidos : - nunca te darei filhos... pois o que vier é para a guerra, é para Salazar....
E eu era tão nova...
Felizmente o tempo quase tudo muda, e o António nasceu. Tem hoje 32 anos.
.:))

Mônica disse...

Eu estou observando bem a história de Porrugal um pais que aprendi a amar por ser brasileira.

com carinho MOnica,

Anónimo disse...

Não são só os autores do "outro lado" que nos dão a visão que da guerra têm os que então combatemos. O trabalho de Joaquim Furtado que tem passado na RTP, também dá a versão dos guerrilheiros.

Aliás, dos programas que tenho visto, parece-me até que ele salienta mais a dos guerrilheiros, do que a dos que combateram do lado de cá.

Quanto a Lobo Antunes, a que se refere o comentador Alcipe, as declarações que tem feito sobre a guerra, não passam da imaginação (delirante?) de um romancista.

Em Angola, nenhum médico, em nenhuma unidade, andava de espingarda na mão no meio das operações, como ele conta. Os médicos, por princípio, não saiam dos quartéis. Os próprios sargentos enfermeiros raramente o faziam.

Só a imaginação, ou outra coisa pior, justifica que ele afirme que, como prova de coragem, viajava sentado no guarda-lamas de um rebenta-minas. Nenhum comandante de coluna - oficial ou sargento - permitiria tal loucura (fosse a quem fosse, quanto mais a um elemento tão importante como era um médico naquelas circunstâncias).

Em tempo: fui militar em Angola de 1965 a 1967.

Carlos Fonseca

cunha ribeiro disse...

"A Guerra continua para além do seu fim..." - Bela frase Sr Embaixador. Feia verdade, contudo.
Um primo meu veio de lá quase doido... e nunca mais teve cura. Até morrer... cedo demais.

Anónimo disse...

Além do Eco... A dor

Mãe é uma honra lutar se é matar?
Não sei querido, é a pátria amar
Mas Mãe, quem morre também é filho?
Sim, mas está nomeado como cadilho

Mãe, porque tem o pai pesadelos?
E Se isso dói e lhe dá tanto Pavor
Porque culpa se não há desvelos
Além da guerra e além do eco,a dor?

Luta leal e morre sem ter vivido
Mesmo sem querer,não há um abrigo
Claro, tem que ser é assim a vida

Deus é quem sabe e decide a partida
E para todos os feitos há os heróis
Cujas medalhas dor, tornam senhores

Isabel seixas

anniehall disse...

Ao ler alguns comentários percebo que afinal ainda não passaram os anos suficientes....está tudo muito dorido ainda.....

margarida disse...

Da guerra lembro os gritos da vizinha na noite em que soube que ficara viúva com um filho no berço.
Da guerra lembro as mensagens dos soldados pelo Natal na TV a preto e branco, deixando recados envergonhados para os pais, as namoradas, 'e restante família', até ao seu 'regresso'.
Da guerra lembro os sussurros, os olhares de viés, as mãos na boca e dedos sobre o rosto, em sinal de silêncio.
Da guerra lembro as cartas dos namorados, os enxovais acumulados, os suspiros de saudade, as lágrimas de medo.
Da guerra lembro os mapas amarelecidos e o falso sossego.
Da guerra lembro a dor, o fracasso, a devastação, a derrota, o desgosto, a destruição, o desastre, o desatino, o desnorte.
Da guerra não sei nada.

Anónimo disse...

Vamos lá abordar a questão como ela é: a Guerra Colonial - é assim que deve ser designada, nada de eufemismos, aquilo eram Colónias, ponto! - foi um facto. Aconteceu, combatemo-la. Foi um erro termos, ou melhor, o Ditador de Santa Comba, ter decidido - mesmo depois das experiências de outras potências coloniais terem optado por outra via - leva-la por diante. O preço de tal decisão foi o que se sabe. Contabilizem-se os mortos e feridos - desnecessários, tivesse havido outra opção, a de, no início de 60, se ter negociado, com a calma que aqueles tempos teriam permitido, uma independência para cada um daqueles povos. Teriam, não tenho grandes dúvidas, beneficiado mais, comparativamente com o que veio a suceder posteriormente. Naturalmente, tal pressuporia a não existência de uma Ditadura. Salazar era, já na altura, uma escloresada figura ditatorial. Aliás, sempre o foi. Um Ditador é um político sem visão, pelo menos quanto ao progresso de um povo. A abordagem, ou decisão, de acabar, de vez, com o Colonianismo não tem a ver com ideologias. Pelo menos em regimes democráticos. A sua aceitação é transversal em Democracia, a todos os Partidos (sinceramente democráticos). No nosso caso, à época, a questão foi diferente. Um regime anormal, do ponto de vista do respeito pelos Direitos Humanos, por ser uma Ditadura, obtinadamente, optou por combater o inevitável: a independência, a prazo, das Colónias. Portugal pós 25 de Abril fez o que pode e soube, para integrar os antigos combatentes. Há muita razão de queixa. É conhecida. Nem tudo, haverá que reconhecer e sobretudo ter a humildade e capacidade de aceitar, na verdade, correu bem neste capítulo. Mas, como HSC disse, apesar de tudo, estamos longe dos piores exemplos de outros países, neste capítulo. Muito longe. Quanto a A.Lobo Antunes, não "alinho" na opinião de Alcipe, comentador que muito prezo. Haverá, pelo menos nesta questão, por parte daquele escritor, "alguma imaginação"...to say the least. Não falo por mim (era ainda novo e não participei na Guerra Colonial), mas por exemplos bem próximos, de familiares e amigos.
P.Rufino

Anónimo disse...

Concordo plenamente com o comentário da Dra Helena Sacadura Cabral.

A percepção da Guerra Colonial tem muito a ver com a geração, a passagem de testemunhos familiares, mas também com a sensibilidade de cada um.

É um assunto pelo qual tenho o maior respeito porque, desde criança, passo com regularidade junto do Lar dos Deficientes das Forças Armadas e oiço a família falar com profundo orgulho de um primo "herói do Ultramar" que foi morto ao tentar evacuar um colega ferido.

Nasci na década de 60, mas quando se fala na Guerra do Ultramar lembro-me, de imediato, das emotivas mensagens natalícias transmitidas pela RTP (Desejo aos meus queridos pais, irmãos... um Feliz Natal e Próspero Ano Novo. Adeus até ao meu regresso.).

Gostei de ler o comentário do Carlos Fonseca porque a História da Guerra do Ultramar faz-se, também, dos testemunhos dos que foram obrigados, no auge da juventude, a participar numa guerra. Em vão!

Este capítulo da nossa História, se fosse possível, podia ser apagado.

IBP

Alcipe disse...

Sr. Carlos Fonseca : Refiro-me exclusivamente à obra literária de António Lobo Antunes, não às suas declarações e entrevistas!

Helena : "dentro dos países desenvolvidos há quem se tenha portado muito pior que Portugal"

clap, clap, clap...

patricio branco disse...

Chamaria lhe antes literatura sobre os tempos coloniais. Nos ultimos tem sido publicada uma abundante literatura sobre os tempos coloniais, incluindo o da guerra 1961/1974.
São romances, memórias, estudos historico-politicos, biografias dos principais actores governativos da época.
Que é bom e mau? Só lendo, não sei.
Antes tambem existiu uma interessante literatura colonial: castro soromenho(angola "viragem"), orlando da costa (goa, "O signo da ira")fernanda de castro (os romances da guiné, curiosas descrições da vida colonial e sociedade colonial nos anos 30)fausto duarte ("foram estes os vencidos")luis amorim de Sousa (moçambique e moçambicanos em londres), Luis Cajão (s. tomé, "a estufa"), baltasar lopes e m. lopes (c. verde) etc
Para não falar de todos os autores dos palops publicados sobretudo pela Caminho

patricio branco disse...

interessante comentario o de carlos fonseca, participante e testemunho directo desses tempos

Anónimo disse...

A propósito da menção a Lobo Antunes, o Escritor, da parte de alguns comentadores aqui, permitia-me ressalvar que sou seu leitor, aprecio-o (ainda que discorde do estilo, de algum modo, como Saramago, da forma como escreve - gosto de parágrafos, pontos, vírgulas, etc e tal) e tenho livros dele lá por casa, nas estantantes. Tal, todavia, não quer dizer que concorde com o que por vezes escreve. Daí, compreender o comentário de Carlos Fonseca. Mas L.Antunes é um excelente Escritor. E um homem de princípios políticos que me merecem muito respeito.
P.Rufino

patricio branco disse...

dentro do colonialismo clássico(1870-1945)e suas descolonizações (1945-1965)parece-me que portugal foi a potencia colonial que se portou pior, negando o direito às independencias e mantendo uma guerra colonial de 14 anos. Até a espanha de franco deu independencia à guiné equatorial.
Mas há males que vêm por bem, e a guerra colonial troxe nos a democracia.
Falando de literatura ambientada em colónias europeias, distingo um belíssimo romance inglês "The heart of the matter" de graham greene. Ali está bem descrito o ambiente que se vivia numa colónia inglesa durante os anos 1940 (2ª guerra)e até a guiné portuguesa é mencionada.

Guilherme Sanches disse...

Um ex-camarada de armas, soldado de Transmissões da minha Companhia em Angola (72-74), num almoço de reencontro, resumia em poucas palavras a força do sentimento que se cria:
"- Um dia zanguei-me com a minha mulher e disse-lhe: - quando casei contigo, só queria conhecer-te tão bem e gostar tanto de ti como conhecia e gostava dos meus camaradas da tropa"
O pouco que se fala de um dos lados bons das guerras más. Apenas possível na primeira pessoa.
Um abraço

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...