Não lhes digo o nome do país de origem daquele divertido diplomata. Ele olhava para a profissão com uma visão lúdica, atitude pela qual pagara já alguma coisa, em termos de promoções e de postos - porque a justiça divina às vezes funciona. Era sempre um momento garantido de boa disposição encontrá-lo em cocktails ou jantares, ouvir as suas anedotas ou historietas de férias fantásticas, que se gabava de conseguir prolongar bem para além dos dias a que tinha direito. Tudo menos falar de "serviço", de política local (salvo os mexericos, claro!) ou internacional, de coisas mais sérias: nunca estava a par de nada, achava-nos, uns "chatos workaholics", uma versão diplomática dos "stakhanovistas". Quando provocado, repetia a frase clássica de Talleyrand - "surtout pas trop de zèle" -, expressão que os diplomatas calões (e ignorantes do significado real da mesma) às vezes utilizam, para bem merecerem o seu lema, corruptela do do infante dom Henrique: "talent de rien faire".
Como em qualquer outra profissão, também há, em todas as carreiras diplomáticas do mundo, uma minoria que ainda é assim: pouco dispostos ao trabalho, ligando o mínimo àquilo que lhes compete fazer, sem iniciativas, fugindo aos empresários, puxando "de arma" a quem lhes fala de cultura, olhando com sobranceria os seus nacionais residentes no país onde estão acreditados. São os que chegam tarde, que partem cedo, que fazem longas horas de almoço, que desaparecem os fins-de-semana, que desligam os telefones fora do serviço mas passam o tempo agarrados a eles lá dentro, que inventam pretextos para nada fazer depois do "from-nine-to-five" (ou melhor, "from ten-thirty..."), que ficam fulos quando têm de ir a um aeroporto receber alguém a horas tardias ou matutinas. Alguns não fazem qualquer "representação" ou confundem-na com a sua própria vida social, permanecem vidrados no culto exacerbado de um estilo e, invariavelmente, identificam a carreira com os seus sinais exteriores. Escrevem pouco e ainda lêem menos. Quando se lhes pergunta alguma coisa, "vão ver", nunca sabem nada à primeira.
Muitas vezes - diga-se! - acabam por ser gente ótima para o convívio e para a amizade. Era o caso desse nosso amigo, cidadão de um país simpático, embora, pelos vistos, uma pátria pouco exigente com os seus servidores públicos.
Um dia, à saída de uma receção, vi-o numa conversa, às gargalhadas, com outro colega, também estrangeiro. Perguntei a razão da graça: era uma história de cartões de visita. O nosso homem explicou-me então, pedindo-me segredo, a brincadeira a que tradicionalmente se dedicava nessas ocasiões.
No bolso direito do casaco, trazia os seus próprios cartões de visita. Quando trocava cartões com alguém, ia colocando os que recebia no bolso esquerdo. Durante uma receção, se alguém lhe entregava o um cartão, esse meu colega optava: se era uma pessoa que tinha eventual interesse em rever, tirava do bolso direito um seu cartão pessoal e entregava-lho. Porém, se era alguém desinteressante, que não pretendia voltar a ver, ia ao bolso esquerdo e dava-lhe... um dos cartões que antes tinha recebido de outra pessoa! Se acaso o seu interlocutor notava o erro, pedia desculpa e dizia ter sido confusão.
No bolso direito do casaco, trazia os seus próprios cartões de visita. Quando trocava cartões com alguém, ia colocando os que recebia no bolso esquerdo. Durante uma receção, se alguém lhe entregava o um cartão, esse meu colega optava: se era uma pessoa que tinha eventual interesse em rever, tirava do bolso direito um seu cartão pessoal e entregava-lho. Porém, se era alguém desinteressante, que não pretendia voltar a ver, ia ao bolso esquerdo e dava-lhe... um dos cartões que antes tinha recebido de outra pessoa! Se acaso o seu interlocutor notava o erro, pedia desculpa e dizia ter sido confusão.
Continua a haver este estilo de diplomatas. São já muito poucos, até porque o grau de exigência profissional não permite facilmente o "bluff". Mas, por vezes, ainda os encontro por aí...
8 comentários:
Boa! Grande Post! Ainda seguro o estômago de tanto rir!
P.Rufino
Bem me parecia que os havia, Sr Embaixador.
Então em cidades como Paris, onde o convite ao diletantismo está em cada esquina de "Boulevard"... Em qualquer "terrasse de café"...
Senhor Embaixador, desculpe-me a ousadia, mas, apesar do dito diplomata ser amigo do "dolce fare niente"... era um "cromo" com piada!
IBP
Deus dá nozes a quem não tem dentes!
Sísifo teve o mérito de acartar sempre a mesma pedra. Muitos passam a vida a carregar, com esforço, as "pedras" para a sua construção como Ser. E vê-se muitas vezes grandes Seres!
E essa pobre criatura que construção faz de si como Homem? Certamente um castelo de cartas que desmoronará com uma das gargalhadas que diz lhe ser comum.
É pena que haja pessoas não capazes de se Doarem ao trabalho, pois dos fracos não reza a história. Mas ironicamente são esses os "melhores" aos olhos de uma sociedade que se afasta das responsabilidades.
Continue Senhor Embaixador a Ser como é.
Conheci vários..conheci vários e ainda vou conhecendo...
O que é por mais incrível, acrescentando ao que diz FSC na entrada, é que esse tipo de gente (não digo profissionais) consegem muitas vezes subir e subir nas suas carreiras, sendo promovidos, estabelecendo se uma "fama" de competencia que poucos se atrevem a desdizer, etc.
Nunca confiaria numa pessoa assim.Podem ter muita piada,mas para mim quem faz uma desonestidade dessas faz tudo. Às vezes só depende da ocasião.Penso que ter sentido de humor não é isso.
Isabel
Conheci um Embaixador italiano que se recusava a admitir ter conhecimento de qualquer coisa relativa ao país onde estava acreditado, insistindo que isso era função do seu Ministro-Conselheiro e restantes colaboradores.
Acrescentava que, para ser um GRANDE Embaixador, só lhe faltava não saber o nome da capital onde servia(?).
Na verdade, era um homem muito bem informado e invulgarmente arguto; talvez mesmo demasiado arguto.
Foi envolvido no escândalo das “mani puliti”…
Mas tinha um enorme sentido de humor e era muito popular entre a comunidade diplomática e a “sociedade” local.
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