segunda-feira, novembro 15, 2010

Castanhas amargas

Aquela portuguesa de Trás-os-Montes que se me dirigiu na noite de sexta-feira, depois de uma conferência que proferi sobre a República, nos arredores de Paris, disse-me algo que me surpreendeu: pediu-me para ser melhor tratada em Portugal.

De início, pensei que se estava a referir aos nossos serviços públicos. Não -  esclareceu -, estava a sublinhar o facto de pessoas como ela, nascidas em Portugal e residentes em França já há algumas décadas, serem acolhidas com alguma displicência, em especial em serviços comerciais, aquando das suas deslocações ao nosso país, pelo facto da língua portuguesa que falam não ser tão correta como aquela que é praticada pelos portugueses de lá. Com tristeza, referiu-me que esse é o sentimento comum a muitos emigrantes que visitam Portugal, onde, logo que identificada a sua origem, ocorre serem recebidos com alguma má-vontade. Esta atitude já terá sido pior no passado, mas continua a persistir em certas vilas e cidades.

Como transmontano, recordo-me de casos, anos atrás, em que teria havido algumas situações de tensão, envolvendo emigrantes em férias de verão. Pensava, porém, que se tratava de coisas passadas, de ocorrências meramente pontuais, sem grande relevância ou frequência. Devo confessar que fiquei chocado com o genuíno sentimento de tristeza desta portuguesa, a qual, pelos vistos, continua a sentir-se regularmente "agredida" por alguns dos seus e nossos compatriotas.

Neste tempo em que todos por aqui procuramos mobilizar o interesse dos luso-descendentes, de segunda ou terceira geração, por Portugal, mesmo que apenas falem francês, acho de uma inaudita estupidez que haja quem receba com desdém quem, pelo culto que tem ao seu país, procura visitá-lo e estimular para ele o interesse dos seus filhos.

Esta surpreendente conversa com a minha conterrânea transmontana, nessa noite de S. Martinho, foi acompanhada de água-pé e castanhas que, desta vez, me pareceram mais amargas.

17 comentários:

Armenio Octavio disse...

Como filho de Emigrantes, nascido além Pátria, tenho como é óbvio um enorme orgulho das gerações de Emigrantes, principalmente aqueles que nos anos 60 foram reconstruir a Europa em condições extremamente difíceis e dolorosas.

cunha ribeiro disse...

Sr Embaixador,

Tenho uma irmã em Paris, e vários amigos também.
Uma e outros encaixam perfeitamente no quadro que tão bem descreve.
A minha irmã e os meus amigos dizem "faz calor", "bem seguro", "pensas tu", etc., com a maior naturalidade do mundo.
E eu oiço-lhes estas e outras expressões com admiração e respeito. Porque os admiro muito, pois dedicaram toda uma vida ao trabalho duro e à edificação de dois sonhos: a casa nova na aldeia e a formação dos seus filhos.

Anónimo disse...

É lamentável que persista o sarcasmo e a discriminação em relação aos portugueses e luso-descendentes aquando das deslocações ao nosso país… que também é o deles.

O interesse dos luso-descendentes, de segunda ou terceira geração, por Portugal, vê-se nas mais diversas manifestações.

Do lado de cá, devíamos sentir orgulho quando passam imagens televisivas como as do último Campeonato do Mundo de Futebol na África do Sul, nas quais jovens luso-descendentes apoiavam afincadamente a nossa Selecção em vez da do seu país de nascimento. Este é apenas um simples exemplo da mobilização dos portugueses e luso-descendentes sempre que há uma representação ou iniciativa de Portugal nos países onde residem.

Portugal, infelizmente, está longe de perceber o potencial das Comunidades Portuguesas espalhadas pelo mundo nos mais diversos sectores - empresarial, político, científico, artístico…

… E o que seria das vilas e aldeias de Portugal sem o regresso anual dos “emigrantes” para trazer vida e animação a populações envelhecidas???

IBP

Anónimo disse...

Não vou começar por...eu sei que tu sabes, etc... Mas não acredito na tua igenuidade. O que essa Senhora te disse, corresponde com o desprezo com que as Comunidades são tratadas no MNE.

Rubi disse...

E' a imagem que se tem do emigrante, que e' pouco instruido e fala mal a lingua do pais de origem e do pais de acolhimento. Obviamente que tratar mal e' condenavel, mas acho tambem que devem fazer um esforco por falar melhor portugues.

Anónimo disse...

castanhas amargas...

Até porque não se cobra o Amor
Não se veste de tem que ser assim
Ele emerge em cascatas de um odor
Que pode ir da alfazema ao jasmim

Depois engolir em seco, embaraço
Num travo de erradicar mesquinhez
É bem o primeiro não o único passo
Silêncios que remetemos insensatez

Daí que essas castanhas amargas
Ocasionais e para adoçar um sabor
Dadas a homenagear o País com amor

Simples diversidade em comunicar
As mesmas emoções sem ter de falar
Mote,reflexão cor,São mesmo pardas

Isabel Seixas

Também porque adoro castanhas e essas têm um aspecto...

Anónimo disse...

Agua-pé?
Tudo se esquece com uma boa jeropiga!... Venham as castanhas...

C.Falcão

Julia Macias-Valet disse...

Continua a ser uma triste realidade...

Julia Macias-Valet disse...

Gosto do titulo de hoje : nostalgico e provocador "à la fois"...
Lembrou-me um filme italiano tido como um dos marcos do neo-realismo, um dos movimentos mais importantes do cinema :

http://www.youtube.com/watch?v=wgwLjThp6RU&feature=related

Anónimo disse...

Senhor Embaixador,

É um ponto que me deixa muito triste. Contudo, apesar de saber que o Senhor Embaixador é uma excepção, temos que admitir que alguns dos piores exemplos vêm da parte dos representantes do MNE colocados no exterior.
Muitas vezes assistimos a uma disponibilidade total da parte de embaixadores e cônsules em participar em provas de vinho, eventos de grandes empresas portuguesas, lançamento de livros,cocktails com o "socialite" local etc Contudo, a disponibilidade já não será a mesma para os eventos referentes à comunidade portuguesa emigrada nesse país. Poderá ter outro charme um evento com o Presidente da PT ou da EDP e Portugal precisa de aliar a sua imagem a casos de sucesso e a um Portugal moderno. Concordo plenamente. No entanto, a comunidade emigrada merece todo o respeito e é um orgulho para todos os portugueses. Podemos andar pelo mundo inteiro e a imagem dos portugueses é a de um povo honesto e trabalhador. Esses portugueses merecem toda a atenção da parte das entidades portuguesas. O que acontece é que os filhos e netos dessa gente sentem-se cada vez menos ligados às raízes portuguesas. Precisamente por assistirem ao desprezo com que foram tratados os seus pais e avós.

Manuel Antunes da Cunha disse...

Infelizmente, as conclusões a que o sociólogo Albertino Gonçalves (Universidade do Minho) chegou no fim dos anos 80 no seu estudo relativo ao olhar dos residentes sobre os emigrantes ainda se verificam hoje.
Talvez com um pouco menos de acuidade, mas continuam presentes.
Lembra um frase de Bourdieu,que diz mais ou menos isto: "Nada nos classifica mais do que o modo como classificamos os outros".
Trata-se, por vezes, de conflitos entre capital cultural e capital económico.
Felizmente, as mentalidades parecem começar a mudar.


Manuel Antunes da Cunha

Helena Sacadura Cabral disse...

Senhor Embaixador
Esquecem-se aqueles que assim tratam os emigrantes, que foram as suas remessas que, durante anos e anos, aguentaram este país.
Mas é verdade que o exemplo também vem de cima. No Portugal de hoje o que vale é o dinheiro ou o sucesso. De preferência de expressão televisiva.
Mesmo que sejamos uns "pedintes".
Os emigrantes não contam para votos. Logo...

Que tristeza

Anónimo disse...

Sou filho de emigrante volvido à pátria. Eu próprio em pequeno senti muitas vezes o estigma do TOSS (para quem sabe do que estou a falar). As remessas dos emigrante foram, são e certamente continuarão a ser muito importantes no equilíbrio da nossa balança de pagamentos, mas essa não é a discussão. O facto de alguns emigrante não se sentirem acarinhados no seu país, advém de gente que convive mal com o sucesso dos outros. Atrevo-me a dizer mesmo, que é causa raiz do subdesenvolvimento que temos como sociedade identitária e que ainda hoje perdura. Mas também concidadãos que vindos de países economicamente mais ricos que o nosso, não resistem por vezes a ostentar quão ruidosamente podem, numa fonética difícil de entender, as virtudes civilizacionais de viverem nesses ditos países. Já assisti a rapsódias dessas, e convenhamos não nobilitam a firmeza, a rectitude e o suor de quantos desde os anos 60 se viram obrigados a partir.

Eduardo Antunes

Anónimo disse...

Fala-se muitas vezes da falta de empreendedorismo, existirá porventura mais empreendedor que o imigrante? que tudo sacrificou rumo ao desconhecido? Sou ex-emigrante, e se não escolhi emigrar, tendo esta sido uma escolha dos meus pais, escolhi sim regressar... Regressar depois de uma integração em França de que me orgulho! Sim, tive a sorte de ser filho de "porteira", e num "quartier chic", que me permitiu aceder a uma escola digna desse nome, com professores dignos desse nome também! As diferenças sociais também as vivi no dia-a-dia... Mas ao escolher regressar fiz um "trade-off" que assumo todos os dias, ao palmilhar as dificuldades que se colocam a qualquer jovem português... Só não coloco em todos os CV's o percurso escolar completo, simplesmente ocultando a "riqueza" de vivencias que em França conquistei, conforme a "aceitação" que pressinto! E uma formula que para mim funciona, não estive ainda 1 dia sequer "desempregado"!! Mas sei o sabor amargo das nossas castanhas... Só acho é que para mim não fazia sentido ter uma contagem decrescente até ao "querido mês de agosto"!! Agosto é para mim agora todos os dias, sem contagens decrescentes, mas já sem as ilusões da "Querida Pátria". Mas que fique claro uma coisa: não me arrependi nestes 11 anos do "trade-off"... Hoje tomaria novamente a decisão de regressar... "Salut à tous les fils de gardienne...". Je sais que beaucoup ont déjá franchi pas mal de marches sur l'escalier social, et ça c'est ce qui fait la différence... et justifie tant de sacrifices de la part de certains parents!

Cunha Ribeiro disse...

Volto a comentar neste Post para sublinhar o que diz a Dra Helena Sacadura Cabral.
Tão certeiro ( "hélas" ) foi o seu comentário...

patricio branco disse...

as castanhas assadas ou cozidas não as acompanho com geropiga que me recuso a beber) mas com chá preto aromatico e forte.
e queijos bem curados e salgados, como-os com pão fresco e café preto, bem forte, com um pouco de açucar.
E, falando do assunto principal, não creio que os emigrantes portugueses sejam mal tratados nos consulados, embaixadas ou pelos serviços publicos em portugal.

Anónimo disse...

Quando alguém deixa seu país para residir em outro, não atravessa apenas fronteiras geopolíticas. De alguma forma – misticismos à parte – atravessa um portal que o conduz a uma dimensão, diria eu, traiçoeira… já que ficarão ‘presos’ entre dois mundos: o que deixaram, e o que adotaram.O país que vai recebê-los jamais será o seu.Uma outra língua, uma nova cultura e, consequentemente, outros hábitos e costumes. Haverá o inevitável processo de aculturação, dirão uns, e isso é um grande passo para a integração. De fato é verdade, ninguém o poderá contestar. Mas serão sempre estrangeiros, indivíduos deslocados, apenas engrossando as estatísticas de uma sociedade à qual não pertencem, dirão outros; e a estes também teremos que dar razão. E então, o tempo fará o que sempre fez: passará lenta e inexoravelmente, transformando convicções em ilusões, como as delirantes miragens do deserto escaldante. Sensações estranhas vão percorrer a mente e o coração desse viajante. Por um lado sentirá a saudade – que considero o mais português de todos os sentimentos – dilacerar sua alma com a dor de ter partido de sua pátria, obrigado que foi pela necessidade, deixando para trás sua referências, seus familiares. Estando em outro, e feliz por ali estar, já que é sua terra, sentirá falta de coisas pequenas, que parecem sem importância no dia-a-dia, mas que sentirá assim mesmo. Pode ser um simples prato de comida, ou uma singela palavra que, por não a falar há tempos, já se esquecera de pronunciar em português. E então cairão sobre ele os olhares reprovadores dos que nunca partiram. O olhar de quem fita um forasteiro com desconfiança. Alguns irão mais além dos olhares de desdém... Os que um dia foram e regressaram, passaram a ser os ‘retornados’, os ‘avecs’, e tantos outros designativos, uns mais pejorativos que outros, obviamente, pois não só de maldade é feita a natureza humana. Denunciado por seu sotaque, em terra alheia é estrangeiro. Ao regressar ao seu país continua a sê-lo, pois este agora já se transformou em estigma. Caminho sem volta diria. Dramaticidade exacerbada esta minha… talvez sim… talvez não. Mas decerto, em algum momento de sua existência, esta gente de que falo, já sentiu a amargura destes instantes que, provavelmente, serão amenizados ao se partilharem as mágoas, as castanhas e a jeropiga…

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...