quarta-feira, setembro 16, 2020

Sintomas de regime


Andando três décadas para trás, por esta altura do ano, terminava a "saison" social do Algarve. A Comporta ainda não estava na moda, o norte, exceção feita a Moledo, cujo nevoeiro nobilitava, nunca foi muito dado a essas coisas.

A sul, nos clubes e locais badalados, cavalheiros sorridentes, de calças encarnadas (raramente tidas por vermelhas) e camisa aberta, acompanhados de senhoras douradas, surgiam pelas páginas das revistas sociais. 

O regime, que espero que ninguém se ofenda que eu chame de "cavaco-soarismo", espelhava ali o "novo Brasil", a riqueza da Europa, a que o país aportara tempos antes. Ministros, empresários, "socialites", "cromos" e penetras, alguns e algumas servidos por "petits noms", ilustravam, de copo na mão, as páginas da "Olá Semanário", publicação que inaugurou o álbum de glórias efémeras do "star system" à portuguesa. 

Noutro registo, consonante com este, surgiam as quintas, os casamentos e batizados de famílias sonantes, os automóveis de luxo, às vezes os helicópteros e os iates, sinais exteriores de uma riqueza que, nem por invejada, ou talvez por isso, deixava de ser mostrada. Cavalos, golfe, ténis e coisas assim faziam parte do cenário. Uma figura aristocrática ou real à mistura, em especial se estrangeira, ajudava muito a compor o ramalhete.

Regressemos ao presente. Pandemia à parte, olhem-se, nos tempos de hoje, as revistas "sociais": os políticos sumiram, os poderosos entraram na clandestinidade social, a que agora se chama discrição. Futebolistas, apresentadores e atores de telenovela ocuparam o espaço de financeiros, da gente "bem" do "tout Lisbonne". Estes não desapareceram, mas vivem hoje sob um outro perfil: mostram menos piscinas e mansões, "glicerinam" as caras dos filhos nas fotografias, acham mesmo "cafona" quem ostenta uma riqueza recente. 

Mas nada de equívocos: o Portugal social não se democratizou, porque as relações de poder e de riqueza não se alteraram por aí além. O que mudou, e radicalmente, foram os modelos de exposição social. E não há nenhum efeito geringonça neste recolhimento, o qual já vem de há vários anos. 

Aliás, algumas famílias e personalidades com poder sempre cuidaram em preservar a sua intimidade, nunca se deixando seduzir, ao contrário de outros, pela vaidade das revistas sociais. Intuíram que as perceções estavam a mudar, que a inveja, cedo ou tarde, seria um sentimento protegido pelo "politicamente correto", que era preciso respeitar o choque provocado pelos contrastes de riqueza.

3 comentários:

António disse...

Curiosamente, parece que muitas dessas personagens deixaram lindos “buracos” no BES, BCP, CGD, BANIF, MONTEPIO, e onde mais lhes deram crédito. Alguns foram condecorados, o que é ridículo. Muitos foram “perdoados”, o que é imoral.
O pior, apesar de tudo, foi a ilusão de riqueza, o pior foi não se ter criado riqueza - sendo rude, diria que não temos empresários, só vigaristas vaidosos.

Anónimo disse...

Hoje os banqueiros coitados não se podem dar a luxos. Ontem na AR o António Ramalho queixou-se com razão do parco salário que recebe e do diminuto prémio de 2 milhões de euros que vai receber, coitado. Merecia uma colecta popular para o ajudar. Talvez Almeida, trolhas, trabalhadores do lixo, e todos que ganham valores próximos do salário mínimo se queiram cotizar.
Fernando Neves

Anónimo disse...


Será que há menos diferenças sociais na apresentação das pessoas,
e não fará sentido aparecer numa revista, de nariz empinado, jogando golfe se já há gente do povo a fazer a mesma coisa?
o estilo das roupas democratizou-se, as férias ficaram mais acessíveis a todos,
não será tão fácil diferenciar-se pelo estilo e talvez muitas dessas pessoas da alta, ricas e vaidosas, dececionadas com a terrinha, tenham emigrado… ?!



Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...