segunda-feira, setembro 21, 2020

As Necessidades do Caetano

O meu amigo Caetano da Cunha Reis, homem de barba patriarcal e de humor fino, perdoar-me-á, com certeza, que eu transcreva hoje aqui, a propósito de nada, um post que, há mais de 15 anos, surgiu num blogue que o tempo há muito levou, subscrito por um pseudónimo coletivo que era então usado por alguns. O texto foi-me ontem lembrado e fui às catacumbas de uma “pendrive” para o desencantar.

Viviam-se os primeiros dias (e as primeiras noites, no Procópio) do primeiro governo Sócrates, em 2005. Freitas do Amaral tinha entrado para ministro dos Negócios Estrangeiros e, nessa noite, soube-se na Mesa Dois o Caetano iria assessorá-lo. O Caetano era “one of us” e, por isso, a sua nomeação não passou despercebida. Não assisti à cena que o tal blogue relatou, por viver, à época, no Brasil, pelo que não posso jurar sobre a sua verosimilhança.

Estava a Mesa Dois posta em sossego, de seus copos colhendo doce "fruito", quando a notícia explodiu, como uma bombarda das que o Carlos Antunes costumava pôr nos Unimogs destinados a combater os "turras", perdão, os Palop: o Caetano da Cunha Reis, o nosso Caetano das entradas tardias no Procópio, esse Afonso Henriques (o fundador...) da Juventude Centrista (onde ela vai, não é, ó Caetano ?), havia entrado para o aparelho do governo socialista. A dúvida instalou-se, célere como uma epidemia: "vai para o Ambiente ?" aventou o Luís Coimbra, coroado de inveja; "deve ir para o Desporto", rematou o João Paulo Bessa, ainda não refeito do trauma do Laurentino; "às tantas, dão-lhe alguma coisa na Comunicação Social", editou o João Paulo Guerra, já a ver-se exilado na liberal "Folha de Alvaiázere"; a Graça Vasconcelos ficou numa apoplexia, quase  a entrar de baixa autoridade; "qual quê, ele vai é para a Ciência !", lavrou a Sara, sob o sorriso esfíngico e ferroviário do António, figurando já o Caetano num cenário com o Gago, plantado entre nabos transgénicos. Quebrando este ambiente de angustiante dúvida, o Vilhena resmungou um comentário impublicável e fez mais uma das suas tradicionais retiradas diuréticas. O Zé Vera murmurou uma coisa cifrada a uma juíza de oportunidade, que trazia à ilharga desde a 13ª vara. O Nuno impavidou-se, num eloquente silêncio, por todos lido como assaz significativo. De pé, o Chico não confirmou, com o habitual acenar da poupa que lhe ficou como herança do IPE, se Belém teve alguma coisa a ver com a nomeação. Agitado, o Jójó saltou para telefonar ao Balsemão, o Solnado achou que era piada e, sem surpresas, o Zé Medeiros abençoou com um "não me parece mal, sendo amigo do Cruz..." Afastada por todos a ida para a "Qualidade de Vida", pasta que assentava que nem uma luva ao nosso Caetano (mas que o facto de ter sido assumida em acumulação pelo PM cessante deixava fora do âmbito das hipóteses), a verdade acabou por emergir como o azeite, dita pela sabedoria da Alice, que sempre bebe do fino (ou da imperial, tanto faz) : "O Diogo chamou o Caetano para as Necessidades" !!! A mesa estarreceu ! A Teresa só pôde balbuciar "Ó Luís, traga-me qualquer coisa, seja lá o que for!...", o Durão arfou um inconveniente "Porra ! Por esta é que eu não esperava !", o Zé Augusto deu-lhe uma urgência estefânica, e arrancou com a São e saiu à procura da confirmação da amiga Edite. O Luís, já batido por muitas noites da política da Dois, acantonou-se na "bilheteira" e começou a tirar as contas, porque a debandada crítica estava aí à bica. Aqueles a que alguns, pouco imaginativos e algo sardónicos, chamaram de "diplocópios" (ou pior, os diplomatas do Procópio), cujos nomes não pretendo revelar por razões que a razão óbvia das coisas torna dispensável, reagiram com assinalável garbo e proverbial prudência: "O Caetano no 3º andar ? Ora bem, vamos lá a ver, podia ser pior ...", insinuando logo alternativos tsunamis políticos que poderiam ter ocorrido e agregando de imediato a nova função, com estudada familiaridade, à geografia arquitectónica do poder na "casa". Mas deixemo-nos de histórias: para a História, Caetano da Cunha Reis está, de pedra e cal, no Ministério dos Estrangeiros, assessorando (em quê, Caetano, diz-nos já!) "o Diogo". Quando a classe “Navigator" lhe der folga, o nosso Caetano rumará uma noite da sala VIP da Portela para o Procópio (sempre tarde, que é como se entra...), requisitará um banquinho junto à Dois, dará um gole no JB* da praxe (“em balão, ó Luís!”) e amesquinhará os tais Diplocópios com um "estão vocês bem enganados, quem vai para Pyongiang afinal já não é o Meireles !". Ganda Caetano, agora passaste a "boy" ! Acautela-te nas bordas do Caldas, que os do taxi podem dar-te uma arrochada pela Madalena abaixo, qu'inda vais parar à Mouraria ! Mas olha, filho, ouve o que eu te digo: inda vais ser chorado... Um dia perceberás onde e porquê. Agora é cedo, melhor, já é tarde...

Este é o texto. Algumas referências podem ser crípticas para alguns, mas seria ocioso fazer aqui pés-de-página para explicar muitas das coisas e das pessoas que ali figuram. Fica assim, tal como saiu, esperando que o autor se dê ao trabalho de o reler. 

*Um dia, há muitos anos, perguntei ao Caetano se tinha achado graça ao texto: “Imensa! Tem, porém, um erro imperdoável: eu só bebo Bushmills, com duas pedras, nunca em balão”. Passei o recado ao escriba desatento. Nunca me respondeu.

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