domingo, setembro 06, 2020

A máfia lusa


Uma bela série que passa na RTP2, filmada em Corfu, na Grécia, fez-me recordar uma semana que passei naquela ilha grega, há mais de 20 anos, integrado numa tertúlia política - o Symi Symposium - coordenada por Georgios Papandreou, à época ministro grego dos Negócios Estrangeiros.

Tal como veio a acontecer em outros anos, tinha sido convidado a participar nesse ciclo de debates sobre temas internacionais. Nesses exercícios, pagávamos do nosso bolso as viagens para a Grécia e duas fundações, uma grega e outra sueca, encarregavam-se depois por completo de nós, durante toda a estada no país - viagens internas, hotéis e refeições. Os debates tinham lugar, em cada ano, em locais diferentes do país. Em 1999, foi em Corfu.

Os cerca de trinta participantes, de quase tantas outras nacionalidades, tinham vindo conjuntamente de Atenas, de avião. À chegada ao hotel, os quartos já nos estavam atribuídos, pelo que cada um de nós se ia aproximando do balcão, para receber a chave.

Quando chegou a minha vez, verifiquei que houve uma pequena hesitação: “Senhor Costa? Aguarde um momento, por favor”. Fiquei intrigado. Vi então sair de um escritório um cavalheiro que, rodeando o balcão, se dirigiu a mim, em português, dizendo-me: “Seja bem vindo, eu sou português, diretor do hotel e queria dizer-lhe que tenho muito gosto em que fique instalado numa suite igual à do ministro Papandreou”.

Eu estava um pouco embaraçado pela discriminação positiva de que era objeto, tanto mais que os meus colegas olhavam já com alguma estranheza para aquela abordagem personalizada. Agradeci muito a gentileza e preparava-me para zarpar discretamente para os aposentos - que, vim a constatar, eram, de facto, deslumbrantes - quando o diretor, alto e bom som, no meio de toda aquela gente, chamou com voz forte um empregado para levar “a bagagem do senhor Costa à suite número tal”. Caí então no centro dos olhares, alguns irónicos, outros talvez invejosos, hesitante sobre se haveria de esclarecer que o privilégio era devido à boa “máfia” portuguesa que se espalha pelo mundo. Optei por calar essa cumplicidade.

Às vezes, penso que seria muito bom voltar de novo a Corfu, desta vez sem ter de participar em debates, de manhã cedo ao fim da tarde, durante todos os dias de estada, mas apenas para poder gozar as praias. Com o ambiente em que o mundo entretanto entrou, duvido muito que o venha a fazer. E “suites”, isso nem vê-las!, a menos que o nosso simpático compatriota ainda por ali tenha ficado.

2 comentários:

Anónimo disse...

No ano passado no norte da Europa um dos funcionários que fazia o check-in num aeroporto internacional olhou para o meu passaporte português,sorriu e começou a falar comigo. A certa altura perguntei-lhe se não seria melhor despachar a bagagem dos outros passageiros e fazer-lhes o check-in.
Olhou para a fila, levantou-se e desviou os passageiros para os colegas.Fiquei a ouvir o nosso compatriota que já não falava português, a não ser ao telefone e por Skype, a matar saudades durante cerca de trinta minutos.

Anónimo disse...

"6 de setembro de 2020 às 14:32" - um grande profissional!

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...