quarta-feira, setembro 30, 2020

Falando de diversidade


Com ironia, costuma dizer-se que alguma justiça, em matéria de paridade de género, apenas existirá quando mulheres incompetentes - leram bem, incompetentes - conseguirem chegar a lugares de elevada responsabilidade.

É que tendo havido, desde sempre, homens desqualificados a ocupar esse tipo de cargos, ver ascender mulheres capazes a essas posições seria apenas um reconhecimento mínimo. Mas, como sabemos, mesmo este passo está muito longe de concluído.

Alterar o "statu quo" em matéria de representação, de género ou de minorias, é um trabalho de longo curso. Durante muito tempo, vi algum paternalismo nas ações afirmativas em matéria de paridade ou na política de quotas. Hoje, estou convicto de que, nesse domínio, um certo tipo de imposição é essencial.

Há dias, a SIC colocou um locutor negro a apresentar um seu jornal. Espero que seja um bom locutor. É que, se acaso o não fosse, cairia o Carmo e a Trindade, porque se iria dizer que tinha sido escolhido por cedência ao "politicamente correto". É assim que as coisas estão, gostemos ou não.

O novo locutor da SIC não foi o primeiro negro a ler um noticiário na televisão portuguesa. Com a pele mais ou menos escura, outras figuras, homens e mulheres, surgiram, desde há anos, nas nossas televisões. Quase todos, por sinal, bons profissionais. Mas foram sempre muito poucos.

Para um país com a nossa diversidade, temos um défice muito evidente de etnias, diferentes da branca, em várias áreas da nossa vida pública: da política à diplomacia, das Forças Armadas à justiça, dos média a lugares elevados da vida empresarial. Ah! E não nos deixemos iludir pela presença de negros na música e no desporto, sabendo também que, para esta "guerra", não contam as figuras de origem indiana.

Não acho que tudo isto se deva apenas ao racismo, embora reconhecendo a óbvia presença deste na sociedade portuguesa. O racismo existiu, existe e existirá, as mais das vezes escondido, mas ressurgindo a espaços, tornando-se mais perigoso se legitimado por vozes com estatuto democrático.

As etnias não-brancas de origem africana, muito pelo modo como a nossa descolonização se processou, foram condenadas a uma exclusão económica que tem dificultado a sua plena afirmação social. Mas não nos iludamos: no dia em que essa afirmação vier a ter lugar, ela acabará por funcionar como uma alavanca para novas atitudes de sectarismo racista.

Esta é uma das lutas, talvez eternas, que não podemos perder, se quisermos garantir a sanidade da nossa vida cívica democrática.

6 comentários:

Anónimo disse...

Se está assim tão preocupado, pergunte-se: poderia um locutor branco usar cabelo comprido na TV?

Luís Lavoura disse...

Anónimo de 30 de setembro de 2020 às 07:49, boa pergunta.

Suponhamos um locutor de telejornal que era transexual, ou travesti. Aparecia com uma cabeleira loura, unhas e lábios pintados, eventualmente com umas mamas artificiais. Afora isso, efetuava o seu trabalho de forma exemplar. Seria isso tolerável?

Não seria, porque as televisões querem atrair o espetador, não o querem chocar nem desestabilizar nas suas crenças e preconceitos.

Um locutor negro é mais ou menos a mesma coisa: pode fazer o seu trabalho impecavelmente, mas desestabiliza e choca muitos telespetadores nas suas crenças e preconceitos. E isso, para um mass media como a televisão, é fatal.

Anónimo disse...

Existem traços na natureza humana que nem decretos, nem guerras, alguma vez alterarão.

josé ricardo disse...

Se aferíssemos o racismo dos países tendo em conta a presença de negros nas mais variadas esferas sociais, então os EUA seria, provavelmente, o país deste nosso lado Ocidental menos racista.

Anónimo disse...

Também há aquela locutora cabrita, com uma enorme cabeleira afro e alaranbjada. Pergunto-me se uma locutora branca poderia usar cabelo azul.

Anónimo disse...

Querem ver agora que a culpa do racismo existente em Portugal é dos "retornados" ( que já morreram, a maior parte deles) ? E que os naturais da Metrópole (que vivem em Lisboa) não são racistas? Por favor!

Agostinho Jardim Gonçalves

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