quarta-feira, setembro 09, 2020

Presidenciais


Por algumas razões, achei que não devia escrever sobre as eleições presidenciais. Por outras, que sobrelevam as primeiras, entendi dever fazê-lo.

Não há, por ora, verdadeiras surpresas no horizonte eleitoral que se aproxima.

A candidatura quase clandestina, sem a menor força nem prestígio, que entretanto surgiu no espaço da direita radical, entre André Ventura e Marcelo Rebelo de Sousa, acaba por servir muito bem a este último. Como praticamente ninguém irá por aí, aos eleitores de direita que vivem desencantados com o atual presidente restam duas opções: passarem um domingo em casa ou optarem pelo candidato do Chega, apostando na antecipada certeza da derrota deste, mas expressando, dessa forma, o seu mal-estar com o atual presidente, aproveitando para lhe dar uma "lição", quiçá na esperança de lhe reduzirem o "score".

No outro lado do espetro, os comunistas terão, como sempre tiveram, o seu nome oficioso, para fazerem as contas às suas fidelidades. Como não haverá segunda volta, terão um dilema a menos.

O Bloco de Esquerda vai a jogo, como expectável, com Marisa Matias, a qual, há cinco anos, foi uma interessante surpresa, que, desta vez, não parece ter condições de se repetir. É que, com Ana Gomes no terreno, o eleitorado do "pintasilguismo" de nova geração, que já esteve com Manuel Alegre, que sempre oscila entre o Bloco e a esquerda do PS, passa a ter uma opção alternativa. Foi claro o afã de Marisa Matias em surgir a terreiro, como o foi a determinação de Ana Gomes em também marcar, desde cedo, o seu espaço. São, de facto, áreas políticas que, de certo modo, se sobrepõem. Haverá, entre as duas, um "womenagreement" de não-agressão, atentas eventuais cumplicidades criadas no Parlamento Europeu? Logo veremos.

Não parece fácil a posição de António Costa, em todo este cenário. Desde o episódio da Autoeuropa que ficou claro que, para ele, uma reeleição, quase oficiosa, de Marcelo Rebelo de Sousa, seria o mundo ideal. Mas, para tal, terá de ultrapassar alguns meses em que sabe que a uma parte, não desprezível e não desprezável, do PS não agrada a ideia de ser dada uma bênção automática a um recandidato ao qual parte importante da direita acabará por se ligar.

O eleitorado do PS é mais rebelde do que foi o do PSD, em 1991, que não tugiu nem mugiu quando Cavaco optou por apoiar Soares. Ana Gomes sabe que a sua candidatura representa o desconforto de muitos socialistas, perante a perspetiva de terem de votar em Marcelo. Pelos vistos, até de setores da direita do PS!

9 comentários:

Anónimo disse...

Estou de acordo. Marcelo ganhará à 1ª volta sem surpresa (entre os 65 e os 70%). Marisa Matias, que só aparece nas presidenciais, é um déjà vu, menos novo, não deve atingir 8%. O candidato do PCP se tiver 6% será mmuto bom. O único motivo de interesse reside em saber quem vai ficar em 2º. O André Ventura não deverá ter tantos votos quantos quer: o voto de protesto contra a política do governo não é nestas eleições e ele não tem ainda perfil presidencial. A Ana Gomes é muito combativa, tem pergaminhos na luta contra a corrupção, mas vai ter algumas dificuldades em polemizar com os ágeis MRS e AV. Não deve ter mais de 10%, tal como o AV.

Anónimo disse...

Não é só isso: ha muito socialista, eu incluído, aborrecido com o "oportunismo"(J.M. Júdice) de Antonio Costa e que não deixará de querer aproveitar a ocasião para ir a correr votar em Ana Gomes.
Mesmo que não se reveja na fauna à sua volta dos vencidos da vida do costume, Alegres, Pedrosos e Netos...

Eu nunca poderia votar num Marcelo que escolhe Tavares para presidir ao 10 de Junho e que perde aí toda a expectativa de credibilidade que ainda pudesse ter...

josé ricardo disse...

A candidatura de Ana Gomes clarifica o PS. Este, apesar de muitas e compagináveis semelhanças "ideológicas" (decidi, à cautela, colocar aspas na coisa) com o PSD, não é um partido do sim, sr. primeiro-ministro. Na sua afirmação histórica, o PS sempre optou por um caminho de liberdade, de juvenil rebeldia. E é nesta "liberdade livre" (outras aspas, agora sem cautela) que Ana Gomes poderá fazer a diferença, trazendo para o seu lado todos aqueles que, agora acabadas as selfies e o natural entretenimento marcelista, anseiam por um país mais liberto dos variadíssimos números mediáticos do atual presidente, sejam eles através dos telefonemas à sra. que chora a morte do filho engolido pelas chamas do incêndio ou os parabéns ao Ronaldo e à Cristina Ferreira. Marcelo é (muito) mais do que isto, é verdade, mas, após quatro anos de recorrente convivência televisiva, é o que fica na memória dos portugueses. E será por isso que, desafortunadamente, merecerá a respetiva nota de rodapé.

Jaime Santos disse...

A primeira coisa que o 'ainda-não' presidenciável Ventura (como é que alguém que chama 'candidata cigana' a uma oponente alguma vez se poderá revelar presidenciável, a não ser que Portugal se transforme numa pátria de trogloditas) deve deixar de fazer é dar aos potenciais votantes de Ana Gomes razões para votarem nela.

Eu vou votar em Gomes com gosto só para o chatear (e já agora, também a António Costa pela tibieza de voltar a não ter um candidato presidencial, parece o Cavaco em 1991). Claro que se ele ficar em 3º lugar não se irá demitir, assim como não deixou as actividades lucrativas quando assumiu o lugar a deputado na AR, embora o Chega defenda a exclusividade.

Ventura, como é habitual naquelas paragens, não tem qualquer problema em defender ou prometer uma coisa e depois fazer outra. Ou então, repetirá a farsa norte-coreana da semana passada, depois de se ter demitido por 'contestação interna', para se reeleger por 99% dos votos. Aconteça o que acontecer, o rapaz vai continuar a andar por aí...

E não, Ventura não está a tirar votos a Marcelo atacando Gomes porque pessoas como eu não votariam no actual PR, ou votariam em Matias, ou no candidato do PCP (eu não), ou ficariam em casa.

Vamos Ventura, quanto mais insultares a Ana Gomes, mais força ela tem, e mais te poderá olimpicamente ignorar...

MANOJAS disse...

Julgo que a verdadeira preocupação de toda a esquerda e direita, sérias e responsáveis, devia ser derrotar esmagadora, mas democraticamente, logo na primeira volta, o candidato do Chega. Deixem-se de politiquices quando o prioritário é, ou deve ser: Fascismo nunca mais.

Anónimo disse...

O Ventura, coitadito,julga que chamar candidata cigana à Ana Gomes é para ela um insulto.pobre ser.
Fernando Neves

Anónimo disse...

Não deixa de ser curioso ver como é que gente que se insurge contra o "racismo de AV contra os ciganos", depois se incomoda com ele falar em "candidata cigana". Parece que acham que "cigano" é um insulto. Deveria AV ter dito a "candidata de etnia cigana"? Talvez ficassem mais descansados...

Anónimo disse...

Teve pouca habilidade, o Ventura, ao chamar " candidata cigana" à Ana Gomes. Mas não desvalorizemos o sentir profundo do nosso povo, que pode achar apropriado, gostar epara desespero da esquerda civilizada, votar nessa polémica figura.

João Pedro Lopes disse...

A candidata Ana Gomes tem uma vantagem evidente para a campanha: em feiras e mercados o seu tom e estilo ficam igualmente bem dois lados das bancas.

Sou um eleitor de sempre do PS, e votarei seguramente no atual Presidente; conquistou-me o seu estilo próximo e afetuoso, apesar de alguns momentos de exagero e inadequação.
Também a boa colaboração com o governo influi na minha posição.

Ah, e sobre a candidata Ana Gomes:

- não sei o que sabe sobre o caso José Sócrates para manifestar tão explicitamente a convicção de corrupção;
- não sei o que pensa sobre outro tipo de crimes, como o roubo ou o assalto, para manifestar de forma tão veemente o apoio a Rui Pinto.

Poder é isto...

Na 4ª feira, em "A Arte da Guerra", o podcast semanal que desde há quatro anos faço no Jornal Económico com o jornalista António F...