Pela rádio, naquele dia 12 de setembro de 1973, tinham-nos chegado algumas notícias sobre o derrube violento do governo de Allende, no Chile, com a morte do próprio presidente e a tomada do poder pela junta militar.
(Meses depois, quando por cá se ouviu falar de “Junta de Salvação Nacional”, muitos de nós ficámos algo inquietos com o uso do termo).
Longe estávamos então de poder prever a onda de barbárie que iria ocorrer no Chile, nos anos seguintes.
Eu estava então na Escola Prática de Administração Militar, no Lumiar, prestes a concluir o segundo ciclo, logo passando a “aspirante a oficial miliciano”. Seria, aliás, o único daquele grupo que continuaria naquela unidade até junho do ano seguinte, como instrutor militar, com o 25 de abril pelo meio.
Pelo meio da tarde, como era de regra, os soldados-cadete das especialidades de “Ação Psicológica” e de “Licenciados em Direito”, que somados não chegavam à vintena, “formavam” juntos na parada, antes de poderem ser autorizados a sair da unidade (a imagem reproduz o local). O Miguel Lobo Antunes, que era um de nós, lembrar-se-á bem desse ritual.
Naqueles escassos minutos em que nos alinhávamos antes de poder “destroçar”, dois dos nossos colegas, gente de uma direita radical extrema, crítica ‘pela direita” do regime de Marcelo Caetano, que acusavam de tibieza, manifestaram, em comentários, o seu vivo contentamento com a queda do regime de Allende, rejubilando com a instauração da ditadura militar em Santiago.
Conhecendo-me, a mim próprio, à época, presumo que lhes terei lançado, como reação, alguns pouco carinhosos impropérios qualificativos. Tudo, diga-se, num ambiente de cordialidade que, não obstante, as profundas divergências políticas, marcava esse nosso convívio.
Um desses colegas foi então ao ponto de convidar quem, de entre nós, estivesse disponível, para ir a sua casa, não muito longe dali, beber uma “taça de champanhe” (ainda não tinha imperado a ditadura das “flutes”), para celebração da chegada dos militares ao poder no Chile.
Aquilo era dito num tom de brincadeira, convocando comentários e gracejos, mas os sentimentos de fundo de cada um de nós eram bem claros.
Nesse mini-pelotão, perfilado em frente à caserna, ouviu-se então uma voz forte, num comentário dirigido ao mais radical daqueles ultra-reacionários: “Tu tens muita sorte, sabes?”. Ele não sabia porquê. “É que se eu não tivesse entregado já a minha G3 no armeiro, não sei se não te dava um tiro!”. Todos sorrimos, até o visado.
Tudo aquilo era retórica. Mas o colega que se saiu com aquela frase quis mostrar como estava chocado com os defensores despudorados do golpe militar. O seu nome era António Franco, viria a ser um dos meus grandes amigos de vida e morreu há muito pouco tempo.
10 comentários:
Tenho impressão que o pró golpe será um tipo que, ao contrário de outros, não gama...
Apesar disso, fora o lado moral, não terá a elevada estatura com que se pinta...
Eu gosto de o ouvir com as referências francesas e italianas que sempre usa...
Apenas um reparo, por cá chamou-se Junta de Salvação Nacional e não Militar, apesar de todos os seus elementos serem militares. Nessa data estava em Nhacra- Guiné Bissau, alguns meses antes do 25 de Abril!
Ao Anónimo das 12.15. Eu sei. Fui Adjunto da Junta de Salvação Nacional, de junho a outubro de 1974
A frase:” “Tu tens muita sorte, sabes?”. “É que se eu não tivesse entregado já a minha G3 no armeiro, não sei se não te dava um tiro!” do amigo do Senhor Embaixador, traduzia a repulsa dum democrata dos defensores despudorados do golpe militar.
O problema é que os defensores dos fascistas de Santiago, ao contrário do seu amigo, eles, nunca prometem em vão…Disparam mesmo.
A esquerda ainda não compreendeu que os fascistas, quando recebem a unção do padrinho norte-americano, em dinheiro e apoio de toda a espécie, agem sem peias. Não há democracia ou valores morais, que os detenham de assassinar os oponentes onde quer que seja. E de provocar a queda de regimes democráticos. O exemplo mais recente foi a Bolívia.
Comprar o chefe da polícia e do exército e alojá-los em Miami, e o caso é resolvido.
No Chile, o lançamento de corpos ao mar foi uma prática sistemática utilizada entre 1974 e 1978. De acordo com números oficiais, durante a ditadura de Pinochet, cerca de 3.200 chilenos foram mortos por agentes do Estado, dos quais 1.192 figuram ainda como presos desaparecidos.
Foi assim a Operação Condor, uma aliança político-militar entre os vários regimes militares da América do Sul — Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai com a CIA dos Estados Unidos, levada a cabo nas décadas de 1970 e 1980 — criada com o objectivo de coordenar a repressão a opositores dessas ditaduras, eliminar líderes de esquerda instalados nos países do Cone Sul e para reagir à Organização Latino-Americana...
Alvo: Comunistas, socialistas e opositores às juntas militares e governos de direita na América do Sul.
Os Estados Unidos contribuíram com logística e conhecimentos. Os militares comunicavam com uma espécie de telex baptizado de "condortel".
O seu funcionamento foi ensinado aos militares latino-americanos pelo Exército dos Estados Unidos, na Escola das Américas, situada no Panamá. Assim, toda a comunicação da Operação Condor passava por ali.
Importante lembrar que esta instituição instruiu vários militares latino-americanos a torturar prisioneiros.
A ajuda dos EUA à Operação Condor durou até ao governo Jimmy Carter (1977-1981).
Os admiradores portugueses de Pinochet , mais não são que os detritos direitalhos do regime salazarista, que ainda não digeriram que uma coligação de esquerda dirija Portugal, como a de Allende dirigiu o Chile.
Pobres cubanos e venezuelanos que se tivessem tido um Pinochet não tinham sofrido estes anos todos como sofreram com a ditadura comunista.
E que tal se, em vez de estar " parado" em Setembro de 1973, o Sr. Jaaquim de Freitas se preocupasse com as ditaduras de esquerda, como as da Venezuela, China, Cuba, Coreia de Norte, Bielorússia, etc? É que essas são mais actuais do que a da direita de 1973.
Anónimo disse...
E que tal se, em vez de estar " parado" em Setembro de 1973, o Sr. Jaaquim de Freitas se preocupasse com as ditaduras de esquerda, como as da Venezuela, China, Cuba, Coreia de Norte, Bielorússia, etc? É que essas são mais actuais do que a da direita de 1973.
12 de setembro de 2020 às 17:04
Sim, preocupo-me mais que o anónimo, aparentemente. Mas não vemos as mesmas razoes de preocupação: as do anónimo são ideológicas, um anti-comunismo visceral e tem direito…a ser anti-comunista como eu a ser anti-fascista.
Eu vejo o cúmulo da hipocrisia: O departamento do Tesouro dos Estados Unidos destacou nesta quinta-feira que a sua política de sanções contra os governos de Cuba e de Venezuela permitem ajuda humanitária e o comércio para combater a Covid-19.
O programa de sanções "geralmente permite o comércio relacionado à ajuda humanitária legítima", assinalou o departamento do Tesouro num comunicado, no qual inclui as excepções previstas para Cuba, Irão, Coreia do Norte e Venezuela, entre outros.
Em relação ao bloqueio envolvendo a Venezuela, o Tesouro informou que "está desenhado para limitar as fontes de renda do regime ilegítimo" de Nicolás Maduro, que os Estados Unidos não reconhecem como presidente, porque preferem Guaido…
Donald Trump, ordenou o congelamento de todos os activos da Venezuela em solo americano.
O bloqueio afecta "todos os activos e interesses em propriedade do governo da Venezuela nos Estados Unidos", diz a ordem, acrescentando que esses bens "não podem ser transferidos, pagos, exportados, retirados ou manejados".
Transacções com autoridades venezuelanas cujos activos estão bloqueados também estão proibidas.
Em relação ao bloqueio de Cuba, o subsecretário interino para o Hemisfério Ocidental dos EUA, Michael Kozak, declarou que "o embargo tem como alvo o regime comunista, que durante décadas oprimiu o povo".
Um dos mais famosos embargos económicos é o de Cuba, feito pelos Estados Unidos em 1962.
Sim, preocupa-me a situação destes povos. Como me preocupa o povo palestiniano, e todos os povos do Médio Oriente destruídos pela “democracia” americana e aliados.
Sabe caro anónimo, até a situação do povo americano me preocupa. Leia o texto seguinte, se assim o desejar. E se o Senhor Embaixador o permitir.
A queda vertiginosa dos EUA, quando é descrita por um dos maiores jornalistas americanos, do N.Y.Times é terrivel...
Uma medida de progresso social revela que a qualidade de vida caiu nos Estados Unidos na última década, ao mesmo tempo em que aumentou em quase todos os outros paises. Que se passa?
Este deve ser um alerta: novos dados sugerem que os Estados Unidos são um dos poucos países em todo o mundo que está retrocedendo.
O mais novo Índice de Progresso Social , revela que, de 163 países avaliados em todo o mundo, os Estados Unidos, o Brasil e a Hungria são os únicos em que as pessoas estão piores do que quando o índice começou em 2011. E os declínios no Brasil e na Hungria foram menores do que os da América.
“Os dados pintam um quadro alarmante do estado de nossa nação e esperamos que seja um apelo à acção”, disse Michael Porter, professor da Harvard Business School e presidente do painel consultivo do Índice de Progresso Social. “É como se fôssemos um país em desenvolvimento.”
O índice, inspirado por pesquisas de economistas premiados do Nobel, colecta 50 medidas de bem-estar - nutrição, segurança, liberdade, meio ambiente, saúde, educação e muito mais - para medir a qualidade de vida.
A Noruega sai na frente na edição de 2020, seguida pela Dinamarca, Finlândia e Nova Zelândia. O Sudão do Sul está na parte inferior, com Chade, República Centro-Africana e Eritreia logo atrás.
Os Estados Unidos, apesar da sua imensa riqueza, poder militar e influência cultural, ocupam o 28º lugar - caindo de 19º em 2011. O índice agora coloca os Estados Unidos atrás dos países significativamente mais pobres, incluindo Estônia, República Tcheca, Chipre e Grécia.
“Não somos mais o país que gostamos de pensar que somos”, disse Porter.
Os Estados Unidos ocupam o primeiro lugar no mundo em qualidade de universidades, mas a posição 91 em acesso à educação básica de qualidade.
Os EUA lideram o mundo em tecnologia médica, mas ainda assim somos o número 97 em acesso a cuidados de saúde de qualidade.
O Índice de Progresso Social descobriu que os americanos têm estatísticas de saúde semelhantes às das pessoas no Chile, Jordânia e Albânia, enquanto as crianças nos Estados Unidos recebem uma educação quase equivalente à que recebem no Uzbequistão e na Mongólia. A maioria dos países tem taxas de homicídio mais baixas e a maioria dos outros países avançados tem taxas de mortalidade no trânsito mais baixas e melhor saneamento e acesso à Internet.
Os Estados Unidos têm altos níveis de casamento precoce - a maioria dos estados ainda permite o casamento infantil em algumas circunstâncias - e atrasos no compartilhamento do poder político igualmente entre todos os cidadãos.
A América está no vergonhoso número 100 em discriminação contra minorias.
Anda, aqui, Sr. Embaixador, mãozinha da reaça :) ...
Jaime Santos, reporta-se aos comunistas? É que são eles que suscitam a reacção do povo português...
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