As recentes eleições na Grécia tiveram, entre nós, nos últimos dias, um tratamento mediático banal. O regresso ao poder dos conservadores, com maioria absoluta, foi assinalado quase com parcimónia. Mudam-se os tempos...
Há uns anos, o nosso país emocionava-se fortemente em face da crise grega, de um país mergulhado em dívida, com uma situação social gravíssima, com uma conflitualidade quase levada ao extremo nas ruas. A Grécia era, então, o nosso espetro: "não somos a Grécia", diziam alguns, a exorcizar o pior.
Com a derrota histórica da social-democracia, a "esquerda da esquerda" subiu ao poder em Atenas. Subitamente, a cara sorridente de Alexis Tsipras, o líder do Syriza, passou a fazer parte do nosso quotidiano informativo, acolitado por Varoufakis, um ministro das Finanças que, de um dia para o outro, passou quase a "sex symbol".
Aqueles que, por cá, defendiam que se devia mandar às urtigas os compromissos subscritos com Bruxelas viam no desengravatado estilo dos novos gregos um farol de esperança. Bater o pé a e em Bruxelas era a moda do tempo.
Reféns da dívida, os governantes gregos iniciaram o seu percurso com o óbvio "não pagamos!". Todos acompanhámos então a coreografia dos seus dirigentes pelos corredores de Bruxelas. Não foram poucos os que duvidaram de que aquele método abrupto de negociar viesse a ter o mínimo de sucesso, mas, por cá, em certos meios, ironizar com o estilo de Varoufakis chegou a ser equiparado a uma traição. É certo que vivíamos num país onde uma coligação troika/PSD/CDS parecia justificar o maniqueísmo, tanto mais que ela se portava, face ao caso grego, com um cinismo egoísta, tentando arrancar um esgar de simpatia a Berlim.
Um dia, Tsipras, ciente de que o método Varoufakis afinal nada mais era do que a irresponsabilidade feita política, percebendo que Angela Merkel não queria uma crise na Zona Euro, cedeu e comprou o regresso a uma certa normalidade. A acalmia dos tempos europeus pós-crise fez o resto. Havia outro caminho? Talvez, mas esse passava pelo completo isolamento internacional da Grécia e, com toda a certeza, por um sofrimento ainda maior do seu povo. Tsipras foi apenas realista.
Em política, a gratidão não é a regra. O modo como o Governo grego conseguiu resolver o velho conflito toponímico com os vizinhos da nova Macedónia do Norte acabou por ser inscrito a débito na contabilidade da governação do Syrisa. A coragem de Tsipras não foi premiada. Agora, regressa à oposição. É assim a democracia, também no país onde ela nasceu.
10 comentários:
Há uma coisa que não me deixa pensar correcto:
Toda a agitação e problemas na Grécia foram feitos apenas por 31% da população de quem o Siriza se servio para chegar a governo.
Bem irrequieto esse Siriza.
Com tanta genica era agora a oportunidade de os por a trabalhar para compensarem toda a trapalhada efectuada.
Isto dos votos em democracia tem destas coisas.
Estes" syrizas" gregos são adeptos da cartilha de Marx. Tal qual os de cá. Mas não daqueles supostos princípios de "Dar es Kapital", mas sim do capital do outro autor Groucho Marx. Que tinha pos seus "princípios" políticos e morais, religiosos e cívicos á medida das necessidades da sua bolsa.
Convenhamos: se um político constata que não pode executar a política que o elegeu -independentemente dos detalhes que bem descreve- para manter íntegro o seu caracter como político e a presuposta democracia, esse político deveria entregar, de forma clara, a decisão da necessária inversão de políticas ao eleitorado. De forma clara.
A decisão palaciana do recém eleito Tsipras -por muito boa ou mesmo a única possível- traduziu-se numa menorização do eleitorado. Aparentemente não esquecida.
Foi uma trapalhada, cá, e sobretudo lá. Mas cá deitam muitos foguetes, foi com Hollande, que ia revolucionar a Europa, foi com Tsipras, em menor grau com Iglesias e Puigdemont. Pessoalmente gosto de Tsipras, pelo que percebi fez o melhor que podia numa UE presa por dois arames - Merkel e Draghi, sim, apesar dos dichotes grotescos com que ambos foram mimoseados.
Quanto a Varoufakis, uma carta fora do baralho, sempre me perguntei se não terá tirado proveito económico da dança dos mercados que ele mesmo provocava. Mais ou menos como me pergunto o mesmo acerca de Trump e Mnuchin. Pode-se ganhar tanto com a instabilidade quando se está por dentro...
Anonimo das 02:23: , que escreve: "Toda a agitação e problemas na Grécia foram feitos apenas por 31% da população de quem o Siriza se servio para chegar a governo." Tem piada ...
Escrever esta enormidade é desconhecer o maior problema da Grécia. Mas como de costume, para gente conservadora, são sempre os “pequenos”, sobretudo se são marxistas, que têm a culpa toda.
Porque é ignorar que , quando Tsipras ganhou as eleições, e enquanto travava uma batalha com a chanceler alemã, Angela Merkel, Alexis Tsipras, foi obrigado a enfrentar uma luta quase tão grande, no seu próprio país: com os ricos sonegadores de impostos.... – Armadores, Igreja, burgueses que tinham belas piscinas nos tetos dos edifícios em Atenas, mas não as declaravam…entre outros.
O próprio Schäuble tinha compreendido o problema, quando disse:
"Nós compreendemos e apoiamos a ideia de que os ricos da Grécia também precisam contribuir, de que a base tributária seja ampliada, de que a eficiência da administração fiscal seja melhorada, de que a corrupção seja combatida energicamente".
Claro que foi mais fácil fazer pagar o IVA, o recibo enrolado num copinho, ao lado do do café, que fazer pagar os ricos.que fugiram rapidamente com o “tesouro” para a Suíça…
Apenas um dia depois da eleição de Tsipras, números do Ministério das Finanças mostraram que a receita do governo no ano precedente somou 51,4 bilhões de euros (US$ 58,2 bilhões), inferior à meta de 55,3 bilhões de euros, em parte devido a um deficit de 1,4 bilhão de euros nas receitas fiscais....
Que o anónimo não me venha dizer que foram os taxistas de Atenas ou os vendedores de pizzas que fugiram com a “massa” para o estrangeiro…
O que é interessante de notar, é que aqueles que na realidade Tsipras protegeu procurando evitar de os obrigar a pagar mais impostos (Armadores, Industriais, Rendeiros de Grosso Calibre, Burguesia dos Negócios, ) votaram contra Syriza agora…Como escreve o Senhor Embaixador, "Em política, a gratidão não é a regra. "...
Varouufakis não foi irresponsável, ou mesmo irrealista, como diz. Basta aliás ler um dos livros que ele publicou, precisamente sobre o tempo em que foi MF e as negociações que teve de fazer. O azar de Varooukakis foi na Presidência do Eurogrupo estar aquela sinistra figura holandesa, um homem de mão do então MF alemão. O plano Varoukakis era realista, assim o quisessem essas duas criaturas. Até Cristinne Lagarde não as desdenhava. Aliás, Yannis Varoufakis agradece com palavras simpáticas à ainda líder do FMI e ao longo do livro teve sempre o cuidado de se lhe referir elogiosamente. Só mesmo por muita má fé socialista é que se se pode referir ou acusar Varoukakis de irresponsabilidade política.
O Syriza não é um partido Marxista, Álvaro Silva. Nunca o foi. Hoje é apenas um partido Social-Democrata (não confundir com a Direita Radical que por cá temos com o nome de PSD).
O Syriza não é um partido Marxista, Álvaro Silva. Escreve o Anonimo de 10 de Julho às 14:55 .
E tem razao. Os gregos sancionaram as promessas esquecidas e a traição de Alexis Tsipras e SYRIZA, eleito em Janeiro de 2015 com um programa suposto para transformar a Grécia e romper com as políticas de austeridade e memorandos que haviam precipitado as pessoas na miséria.
No entanto, em 5 de Julho de 2015, o povo grego tinha concordado com Tsipras de recusar as injunções da UE no referendo iniciado pelo governo, onde a questão era: aprova o plano proposto pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional? O voto não venceu por 61,31% dos votos, mas Alexis Tsipras preferiu ignorar este resultado e colocar o seu programa no armário para voltar à fila.
Desde então, o primeiro-ministro grego e o seu partido só aplicaram as exigências de Bruxelas à carta. Como resultado, a confiança duramente conquistada sobre longas lutas políticas ao longo de vários anos foi perdida em apenas alguns meses, arruinando o trabalho de milhares de activistas e várias organizações gregas.
Mas, mais genericamente, esta traição também pôs um travão nos chamados partidos radicais à esquerda na Europa, especialmente do Sul da Europa (Itália, Portugal, Espanha), onde, no entanto, as políticas de crise e de austeridade tinham sido particularmente duras.
A única boa notícia que emerge desta eleição é a queda da Aurora Dourada, apesar do resultado de Setembro de 2015 com 7% dos votos e 18 deputados, Pouco menos de cinco anos depois, os neo nazistas da Aurora Dourada não salvaram nenhum dos seus deputados. E, com 2,9% dos votos, é evidente que o povo grego transformou a (muito pequena) página desta formação que tem o ódio como programa.
O Leitor Joaquim de Freitas fez bem em relembrar aquela inquirição, ao eleitorado grego, onde mais de 60% de votantes se manifestaram, no fundo, a favor do plano Varouufakis. Embora haja qumem n´~ao o aprecie...na área o PS (é-me totalmente indeiferente o que os votantes do PSD/CDS pensam sobre ele).
E, todavia, Alexis Tsipras acabou por atraiçoar os seus eleitores e negar tudo o que tinha defendido. Tsipras teve o que mereceu. Foi pior o comportamento de Tsipras para com os Gregos do que o de Passos/Portas perante nós. Nunca ninguém duvidou das mentiras Neoliberais daquels trastes políticos, mas, vindo de Tsipras dói!
A ver vamos como o novo governo da Nova Democracia consegue "safar-se" do que herdou, após tantos sacrifícios exigidos a povo grego.
O senhor Embaixador tem uma análise equilibrada. De resto, é impressionante a leveza de quem aqui comenta a realidade grega, repetindo clichés. O Tsipras "traidor", é um clássico. Talvez verificar que o Syriza acabou por ter mais de 30%, isto apesar de medidas bastante corajosas e ao arrepio da tradição nacionalista grega, como o acordo de Prespa e as tentativas de revisão constitucional para separação Igreja/Estado, estas necessariamente cautelosas. O Tsipras sabia que isto era um risco numa sociedade conservadora como a grega e o mesmo foi oportunisticamente aproveitado pelo Mitsotakis, claro. A diferença entre os dois, ainda assim, foi de cerca de 8%, o que não é esmagador. Sem aquelas medidas, o resultado seria diferente. Quanto à economia e bem estar geral da população, antes e depois, vão ver os números...
PS. A propósito da Grécia, lembrei-me de uma crónica antiga do Joaquim Manuel Magalhães, no Expresso, "misturando" o Kavafis, o seu poeta preferido, com a Vila Real dos seus tempos de jovem estudante. Uma belíssima crónica. Não sei se o senhor Embaixador se terá cruzado com ele nesses tempos.
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