sexta-feira, julho 26, 2019

As “Selecciones”


Há pouco, a fazer horas neste aeroporto de Bogotá, no “deserto” de leitura que por aqui (não) há, decidi comprar as “Selecciones” da ”Reader's Digest". O número de agosto. Achei graça adquirir este número da edição para a América Latina, feito no México.

Cresci com as “Seleções” por muitos anos lá por casa, na sua versão brasileira (por isso, eram “Seleções” e não “Selecções”, como então se escrevia em Portugal), espreitando "pin-ups" que a publicidade caseira não comportava ainda nos seus cânones, com propaganda a frigoríficos e automóveis que não havia em Portugal. E tinha sempre, pelas suas páginas de textura sedosa, donas-de-casa loiras e de "permanente", tipo Doris Day, com camisas aos folhos e saias compridas rodadas, ao lado de cavalheiros invariavelmente elegantes, tipo Cary Grant, quase sempre de fato e chapéu ou naquilo que os brasileiros designam por "esporte fino", ao lado de crianças sorridentes e felizes nas suas bicicletas e bonecas (nunca houve muitas bolas por lá), sempre à porta de moradias com relva a descer para as alamedas dos bairros. Sorridentes e sempre brancos, claro. Era a América oficial que exportava a imagem do "way of life" de alguns.

Fui leitor assíduo de rubricas como "Meu tipo inesquecível", "Flagrantes da vida real", "Rir é o melhor remédio" (em espanhol “La risa, remedio infalible”), “Piadas de caserna" ou o "Enriqueça o seu vocabulário" - onde, pela primeira vez, devo ter pensado nas vantagens do Acordo Ortográfico. 

Nunca li, e nunca me arrependi, nenhuma das suas irritantes sínteses de romances (nesta edição que hoje comprei deapareceram), mas algumas vezes fui à procura do volume completo. 

Devo também às "Seleções" a minha hipocondria, pela reiterada inclusão de artigos sobre doenças, cuja sintomatologia tantas vezes partilhei. Já não cheguei à fase das peças sobre dietas... logo quando mais delas necessitava!

Só tarde me apercebi, ou me fizeram aperceber, da existência, em cada número das "Seleções", de três ou quatro artigos onde, com maior ou menor subtileza, se fazia a apologia de ideologias convenientes aos interesses americanos. Mas, na verdade, que importava isso, no tempo cinzento do salazarismo? Claro que as "Seleções" diziam mal dos comunistas, mas com bem maior sofisticação do que o "Diário da Manhã", o "Novidades" ou o "Diário de Notícias". E também lembravam, numero-sim-número não, belos episódios das glórias aliadas na 2ª Guerra Mundial.

Um dia, as "Seleções" aportuguesaram-se (e passaram a “Selecções”) e, pouco a pouco, foram desaparecendo do nosso horizonte de leitura, concorrendo com outras publicações mais apelativas. Às vezes, antes de entrar num comboio, ainda comprava a revista, mais por curiosidade do que por interesse. A "Reader's Digest" passou então a ser mais famosa por livros e discos que editava e que uma inventada "Marta Neves" nos propunha, em regular e personalizada epistolografia - alguns, aliás, de grande qualidade.

Há anos que já não lia as "Seleções". Minto: há tempos, numa casa de campo nortenha, encontrei exemplares das edições brasileiras, dos anos 40 e 50 do século passado, alguns já sem capa, e, confesso, diverti-me bem com algumas historietas, bem de um outro tempo. Será isto nostalgia?

6 comentários:

Anónimo disse...

As velhinhas Seleções brasileiras, dos anos 40 e 50, compram-se ao quilo, em qualquer feira ou loja de velharias. E não era nada subtil, a propaganda americana anticomunista. Era uma revista perfeitamente alinhadinha. Podia ter sido feita num departamento de Estado ou pelas relações públicas das grandes corporations. Por exemplo, os nativos dos países da America Central eram os povos mais felizes e sorridentes do Mundo, nas suas explorações de bananas…
Uma revista que se lê com maior proveito, das edições antigas, é a National Geographic. Uma maravilha, desde as fotografias aos mapas. Também se vendem por aí.

Anónimo disse...

Compre muita coisa dessas, na já falecida (acho eu) Barateira, ali pró Chiado.

Joaquim de Freitas disse...

Anonimo 26 de Julho de 2019 às 11:21


“E não era nada subtil, a propaganda americana anticomunista” escreve: Ainda existem milhões de “americanofilos enraivecidos” que continuam a sofrer dessa propaganda e só pensam no paraíso USA.

Hoje a propaganda é a mesma mas é mais difícil a vender a mercadoria com os Facebooks e companhia…

Anónimo disse...

Já atestou o carro?

Anónimo disse...

Greves , greves , greves ...
Será que os portugueses vão continuar inertes e pôr a cruzinha no partido que nos governa ?
“ Grandola vila morena “ que por sinal até é uma bela cantiga , já passou de moda , afinal não é o povo quem mais ordena ... são os sindicalistas quem mais ordena e o povo ... esse fica de braços cruzados , à espera do milagre da greve ser desconvocada para poderem encher os depósitos e irem de férias ... Afinal quem é que mais ordena ?

João Cabral disse...

"Seleções"? Não existem, são ainda as "Selecções". Actualize-se, senhor embaixador. Basta abrir a página oficial e ver: http://www.seleccoes.pt/.

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