terça-feira, janeiro 01, 2019

Mistérios de Vila Real


Foi já no ano passado, isto é, ontem, junto à porta da Farmácia Baptista, na Rua Direita, em Vila Real. Chegou ao pé de mim um homem de cara fechada, nervoso, de idade incerta. Estávamos, talvez não por acaso, ao lado do mais misterioso relógio da cidade, que praticamente ninguém conhece, na parte lateral da Capela Nova (deixo a imagem possível). Relógio de sol onde o sol não bate e que, dessa forma, para nada serve. Só em Vila Real há relógios sem tempo.

O nosso homem, que eu nunca tinha visto, olhou para os lados antes de me atirar, acusador, com voz cava: “Por que é que nunca escreveu sobre o túnel da Gomes?” Fiquei siderado. O túnel da Gomes? Eu nunca tinha ouvido falar que a Gomes tivesse um túnel! Para onde é que esse túnel da Gomes conduz? “Para a Gomes!”, respondeu-me. Mau, mestre! O tipo só podia estar a gozar comigo. Da Gomes para a Gomes? “Sim”, diz o homem, já irritado, “da Gomes “velha” para a Gomes “nova”!”.

A Pastelaria Gomes tem, de facto, dois edifícios. Um mais antigo, onde foi criada, e outro mais “recente” (mas já com quase 70 anos), do outro lado do Largo do Pelourinho. Que estivessem ligados por um túnel era uma completa novidade para mim.

O meu interlocutor decidiu ser pedagógico. Explicou-me que o túnel teria sido criado, originalmente, para facilitar o transporte, em perfeitas condições de temperatura, dos dois produtos mais marcantes do fabrico da casa: os covilhetes e a bôla de carne. Um dia - “já alguém se perguntou porquê?”, intrigou-me ele - esse tráfego terá sido interrompido e, desde então, essas preciosidades, faça chuva, sol ou neve, atravessam, em tabuleiros cobertos, da Gomes “velha” para a “nova”. “É uma desgraça, virem assim sujeitos ao clima do dia!”, clamou, apelando talvez à minha consciência gastronómica. “Já se perguntou por que não usam o túnel? Valia a pena perguntar...”

Embora curioso, eu tentava apressar a conversa, até porque vi que se aproximavam uns amigos - o Lelo Sampaio, o Albertino Ribeiro e o Agostinho Rodrigues - e que o nosso homem não devia estar disposto a partilhar as suas confidências. “Pergunte ao Elísio, que ele sabe tudo!”, referindo-se ao Elísio Neves, o insuperável “vilarrealógrafo” (se há ulissipógrafos...) que, de facto, tudo sabe sobre Vila Real. “Ele que lhe conte a confusão que foi quando descobriram o túnel, quando o pelourinho regressou ao largo. Até meteu polícia! Abafaram tudo! Pergunte-lhe!”. Na verdade, o pelourinho, que dera o nome ao largo, havia sido deslocado para outro local por algumas décadas, tendo aí retornado, creio que nos anos 90.

O sujeito fez menção de ir-se embora, deixando-me todas as dúvidas sobre a história do túnel. À despedida, com a samarra pelos ombros (homem que é homem, em Vila Real, não veste a samarra, coloca-a sobre os ombros, displicente), deixou-me com a seguinte mensagem: “E amanhã, não se esqueça, é dia um!”. Claro que eu não me esquecia, mas ele precisou: “De abril, claro!” E abalou.

Os meus amigos aproximaram-se. Perguntei-lhes se conheciam o homem, que, entretanto, tinha desaparecido pela Rua Central. “Que homem?”, foi o que ouvi deles.

5 comentários:

Fernando Correia de Oliveira disse...

Boa tarde, caro Embaixador. O mostrador não me parece ser de um relógio de sol, ou eu não estou a ver bem... Bom Ano"

Elísio Amaral Neves disse...

Caríssimos,
Trata-se do "Relógio do Povo" transferido de uma das torres das antigas muralhas de Vila Real para a Capela Nova, em Janeiro de 1709, a pedido da Irmandade dos Clérigos e na sequência de uma tempestade que derrubou a torre e muralha adjacente.
Ver na página da Internet do Grémio Literário Vila-Realense, entrada Publicações, o PDF do livro "Vila Real - História ao Café", pp. 69-72.

Nunca existiu um túnel entre os dois estabelecimentos da GOMES.
Existiu (e não sei se ainda existe?), por iniciativa do senhor Manuel dos Santos Gomes, um túnel do edifício onde se inaugurou a nova Pastelaria Gomes, em 1952, na direcção da Avenida Carvalho Araújo.
Esse túnel saía da cave mais profunda do referido imóvel e vinha na direcção do cano colector de saneamento, que se localizava a meio da referida avenida.
Abraço amigo, Elísio AN

Anónimo disse...

Estou chateado consigo: não imaginava que o meu amigo fosse falar disto no seu blogue da maneira que falou. Estou também desiludido com o Elísio Neves. Afinal, ele não quer ajudar a esclarecer o grande mistério do túnel entre as duas Gomes e chuta para o lado com o túnel para a avenida. Ora não eu tinha falado desse túnel na conversa consigo, ontem. Trata-se, como muita gente sabe, de um trabalho que ficou a meio e que pretendia ligar a Gomes nova ao Tocaio, por razões que me abstenho de desenvolver e que, se calhar, o Elísio desconhece. Mas já vi que ninguém quer falar a sério do túnel entre as Gomes, pronto! Há tabus que permanecem, por razões misteriosas. Quer saber de outro? Quem conhece a casa no Buraco Sagrado onde morou o Américo Tomaz? Estão surpreendidos, pois estão! Mas o Elísio que expliqueou vai dizer que também não sabe? “Ze da Bila”

Anónimo disse...

Relativamente ao túnel da Gomes, devo dizer que o meu Pai, lá trabalhou quase 30 anos, nunca lhe ouvi falar desse dito. O da Avenida, esse sim, desde miudo que sempre ouvi dizer que havia um que ia na direção ou do Tocaio ou da Sé.

Anónimo disse...

Mas voltando ao tema, esse tal tunel entre as duas Gomes, penso ser treta, mas existe uma outra "estória", que diz que um dos edificios está "assombrado". Na Gomes "velha" existem dois edificios, um onde própriamente está a Pastelaria e o do lado, onde por cima viveu em tempos o Senhor Gomes, há quem diga que lá em cima andam "coisas misteriosas".

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...