O antigo primeiro-ministro angolano, Marcolino Moco, não gostou de declarações que proferi sobre Angola e disse-o numa entrevista a "O Sol", em que cita o que eu referi à Lusa, à TSF e ao Jornal de Notícias.
Eu havia notado, à Lusa e TSF, que não me parece correto procurar comparar Angola com modelos políticos europeus ou latino-americanos, dado que o país deve ser avaliado à luz do resto de África. Repetindo o argumento ao JN, fui de opinião que o regime angolano não deve ser posto em paralelo crítico com sólidas democracias existentes noutras geografias, como a Noruega ou a Suíça, mas que, posto lado-a-lado com outros regimes africanos, como a Guiné-Equatorial ou a República Centro-Africana, é uma evidência que a Angola atual compara positivamente.
Marcelino Moco entende que o que eu escrevi me coloca "a falar sempre a favor do regime angolano" e que isso são "bitolas para baixo", tratando os angolanos como "seres inferiores" que "têm de se contentar com qualquer coisa".
Estamos aqui perante perspetivas diferentes.
Desde logo, eu discordo de Marcolino Moco quando ele fala de "seres inferiores" a propósito de comparar Angola com outros Estados africanos. Há aqui, parece-me, alguma sobranceria assumida face a vizinhos, que não são "qualquer coisa", atitude que não fica bem a alguém que já teve fortes responsabilidades em Angola.
Além disso, eu entendo, errado ou certo, que o regime angolano, saído há 15 anos de uma sangrenta guerra civil, que se sucedeu a uma das mais traumáticas transições coloniais de toda a África, fez uma evolução importante, desde o regime de partido único de inspiração marxista-leninista para um modelo democrático, seguramente ainda muito imperfeito, mas que representa, em si mesmo, um indiscutível avanço.
Sem ironias, esse foi um "salto" similar ao que o próprio Marcelino Moco efetuou, desde os tempos em que foi primeiro-ministro dessa República Popular de Angola. Recordo-me de como defendia então um regime assumidamente totalitário, tendo evoluído até às posições democráticas em que hoje se revê, que legitimamente assume e que o coloca em oposição aos seus antigos camaradas de ideologia. E os Estados, como Marcolino Moco deve reconhecer, são como as pessoas.
Angola é, goste-se ou não, um regime politicamente em transição, como há muitos pelo mundo - um regime que partiu do totalitarismo para uma abertura democrática. A única questão é saber se essa abertura se fez ou está a fazer de modo correto e a um ritmo razoável, ou se há uma excessiva lentidão e deficiências graves nesse processo.
Podemos discutir isso, mas, repito, é insensato tentar aplicar a Angola uma matriz de exigência como a que se aplicaria a sólidas democracias, com muitas décadas de cultura democrática. Mais: nem só é insensato pedir isso, como é uma óbvia realidade que Angola está, infelizmente, ainda longe desses países com essa solidez democrática.
Esta minha constatação não absolve ninguém em Angola, ao contrário do que Marcelino Moco e alguns "futungólugos" lusitanos parecem julgar. É que, gostem eles ou não, ainda há em Portugal vozes independentes a olhar para a situação política angolana, que não são nem seguidistas do regime nem estão conquistados pela bondade das oposições.