Passaram mais de 15 anos sobre esse dia de fevereiro de 2002. Recordo-me que estava fora da Missão portuguesa junto da ONU, que então chefiava, quando recebi uma chamada telefónica do adido de imprensa da Missão portuguesa junto da ONU, Sebastião Coelho, a dar-me conta do anúncio da morte de Jonas Savimbi, lider da Unita.
Savimbi, com um pequeno grupo de fiéis, andava refugiado, nos últimos meses, cada vez mais isolado, na selva profunda angolana, perseguido pelas FAPLA, as forças armadas angolanas. Caíra, por fim, numa emboscada.
Convém lembrar que, por esses tempos, a UNITA era alvo de um forte processo de isolamento no seio da comunidade internacional, por ser considerada a principal responsável pelo rompimento da ordem constitucional, por ter optado pelo recurso à rebelião armada, abandonando unilateralmente a via política.
No âmbito das Nações Unidas, uma "troika" de observadores do "processo de paz" - constituída pelos Estados Unidos, pela Rússia e por Portugal - seguia com atenção a aplicação de sanções àquele movimento político.
Portugal detinha, por essa época, a presidência rotativa da "troika". Semanas antes, como presidente em exercício da "troika", eu reunira num almoço de trabalho na nossa residência o embaixador americano na ONU, John Negroponte (que viria a ser "administrador" do Iraque, depois da invasão americana) e o embaixador russo, Sergey Lavrov (atual MNE russo), a que também esteve presente o representante especial do Secretário-geral, o nigeriano Ibrahimi Gambari, que dirigia o escritório especial para a fiscalizar as sanções à UNITA. Uma vez mais, fizéramos o ponto da situação sobre a evolução da situação político-militar no terreno, tendo concluído pela crescente fragilidade da UNITA. Porém, era óbvio que a "bandeira" da organização manter-se-ia levantada enquanto Sabimbi a sustentasse.
Washington, sob administração George W. Bush, não colocara em causa o empenhamento americano nas sanções à UNITA, votadas na ONU e herdadas do tempo de Bill Clinton, embora não tivesse prescindido da manutenção de contactos com o movimento, nomeadamente através de Jardo Muekalia, "delegado" da Unita residente na capital americana.
Muekalia havia-me contactado, pelo telefone, uns tempos antes. Pretendia encontrar-se comigo para discutir o tratamento do tema UNITA na ONU. Recusei esse encontro, que, a ser conhecido, poderia afetar a nossa imagem de neutralidade e de apego à legalidade multilateralmente aceite, perante o processo interno angolano. É que o nosso país tinha algumas entidades privadas acusadas de não cumprirem as sanções decretadas contra a UNITA e já me estava a ser difícil conciliar as nossas obrigações na "troika" com a ocorrência desses episódios.
Ainda nessa noite, falei a Gambari. Estava um pouco "no ar", porque a morte de Savimbi mudava tudo. Perguntou-me se pensava convocar a "troika" e consultar sobre isso Kofi Annan. Disse-lhe que me parecia prudente deixar "assentar o pó", mas que falaria entretanto com Annan. Pareceu-me perpassar-lhe na voz a preocupação de que, perante a iminente desaparição da UNITA, enquanto força armada, a sua função como coordenador das sanções iria rapidamente desaparecer.
Na manhã seguinte, Ismael Martins, embaixador angolano, também me perguntou o que eu pensava fazer a seguir. Ele não tinha ainda instruções de Luanda. Eu também não as tinha de Lisboa, mas disse-lhe que dispunha de autonomia para agir da forma que melhor entendesse quanto à mobilização da "troika". Lavrov, com quem falei nessa tarde, foi de opinião de que seria melhor "aguardar para ver". Também tinha sido contactado pelo colega angolano, que ambos sentimos compreensivelmente eufórico. Perguntei-lhe se falara com Negroponte. Irónico, comentou que alguns americanos em Washington precisavam de tempo para "fazer o luto"...
Aquele foi o primeiro dia depois de Savimbi, de certo modo o primeiro dia da paz em Angola, o início do fim da guerra civil no país.
5 comentários:
Estava em Luanda. Os generais da UNITA renderam-se logo de seguida, mostrando que a causa da guerra era o Savimbi. Passado poucos dias fui com os outros dois membros da Troika ao Luena, falar com eles e rubricar o Acordo de Paz que menos de três meses depois assinamos em Luanda, na presença do SGNU que a última hora ameaçou não ir a cerimónia. Graças ao nosso prévio conhecimento devido às negociações de Timor, lá consegui, com grande esforço convence-lo a ir. É quase difícil acreditar que tudo isto se passou.
Fernando Neves
Graças-a-deus que os maus morreram e ficaram os bons.
Graças-a-deus que ainda há gente que distingue os maus dos bons.
O bom Savimbi era anti-português. Mandava não matar estrangeiros excepto portugueses e brasileiros e a esses tortura-los antes. Foi o que aconteceu com os 5 portugueses que a UNITA matou quando lá fui embaixador. 1 foi escalpelizado vivo, os outros estavam a ser queimados vivos quando os assasinos tiveram de fugir. Não gosto de nada anti-português. Os reacças nacionais deram em ser anti-patriotas. Sublinho que falei com o General da UNITA responsável pelo segundo destes actos, que o negou, mas acabou por confessa-lo mais tarde numa comissão de paz. Sublinho que em ambos os casos os angolanos que acompanhavam esses portugueses foram mortos a tiro sem sinais de tortura
Fernando Neves
A culpa do PREC, morre sempre "solteira"..... os ratos de esgoto de 75, acoitam-se por aí...roendo.......
E ainda há por aí umas avantesmas portuguesas com saudades do "Doutor" jonas malheiro savimbi… O reacionarismo de alguns não tem limites. Mas vão à missa muitas vezes e de cada vez que vão saem das igrejas de "alma lavada"…
PL
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