São 37 volumes. Encadernados em belo couro. É a "jóia da coroa" da minha biblioteca. É a coleção completa da "Ilustração Portuguesa", esse retrato ímpar da vida portuguesa, de 1903 a 1924. São 947 números recheados de fotografias. Está lá tudo - a decadência (escondida) dos últimos Braganças, o regicídio, os números empolgantes sobre o 5 de outubro, toda a saga da Primeira República, com a Grande Guerra pelo meio. Os últimos números denotam já um certo cansaço. Era o regime a esvair-se, a caminho da ditadura.
A "Ilustração" figurava em destaque em casa da minha avó, em Viana do Castelo. Fora colecionada, durante mais de 20 anos, por uma figura que só conhecíamos pelo retrato fardado na parede e pelas medalhas pendentes num caixilho envidraçado: o Tio Túlio. O meu pai falava sempre desse cunhado, desaparecido ainda antes de eu nascer, como uma figura de pendor intelectual, dado a conhecimentos bizarros, do esperanto ao espiritismo, das técnicas policiais a estudos sobre tipos tipográficos. Já um dia por aqui falei desses armários recheados de belas encadernações, situados no apelativo escritório, uma sala onde, a partir de meados dos anos 50, durante os meses de verão, era armada a minha cama. Cresci com esse cenário das três paredes de livros que me rodeavam nas férias. Só muitos anos mais tarde essas vitrines me foram acessíveis, embora com decrescentes limitações. Foi a partir de então que pude começar a folhear a "Ilustração", mas também a coleção do ABC, uma revista iniciada nos anos 20 e que iria desaparecer nos primeiros tempos do Estado Novo, com um toque gráfico modernista, mas já sem a qualidade de conteúdo da "Ilustração Portuguesa".
Por um daqueles percursos das coisas que ocorrem na vida das famílias, aquela coleção da "Ilustração" surgiu um dia à venda, em meados dos anos 60, num alfarrabista do Porto. O meu pai soube do facto e pediu a um amigo, que se deslocava regularmente àquela cidade, para se informar sobre o preço que era pedido. O custo pedido ainda era significativo e os tempos não eram fáceis. Para minha surpresa, o meu pai, que não era muito dado a consultar-me para coisas da vida, perguntou-me se eu estaria interessado em ter a "Ilustração" para mim. Disse logo que sim, a "Ilustração" era um sonho que nem sequer ousara ter. O amigo viajante encarregou-se da compra e, um dia, lá chegou um pesado volume. A "Ilustração Portuguesa" passou, desde então, a ser "minha".