O "Cavaleiro Andante" moldou para sempre o meu imaginário. Algumas memórias fortes que marcaram a minha infância e juventude foram fixadas a partir dessa incomparável revista de banda desenhada (na altura, dizia-se "de quadradinhos"), que acolhia preferentemente os autores tributários da "escola belga" de BD, e que abriu caminho aos primeiros desenhos portugueses. Mas a revista tinha muito mais: falava-nos de história, de desporto, de literatura, trazia jogos e promovia a interação com os seus jovens leitores. O "Cavaleiro Andante" nasceu em 1952, tinha eu quatro anos, e durou dez anos. Observando alguns números mais antigos e o facto de várias histórias neles inseridas permanecerem na minha memória, concluo que, muito provavelmente, eu tenha então lido restrospetivamente toda a coleção. Durante anos, pela casa dos meus pais, havia números dispersos dessa revista semanal que tão importante fora para a minha formação. Fui assim matutando na possibilidade de vir a reconstituir a coleção completa da revista.
Um dia, em 1986, decidi colocar um pequeno anúncio em "A Capital", onde dizia estar interessado em adquirir a coleção completa do "Cavaleiro Andante". Surgiu uma única resposta. Numa noite, fui a uma cave na avenida Dom Carlos, em Lisboa, onde vivia o vendedor. Era um homem bastante mais velho do que eu. Tinha à venda uma excecional coleção, a que faltavam apenas meia dúzia de números, o que me satisfazia por completo. A conversa nunca a esquecerei. O homem mantinha as revistas embrulhadas em jornais e deixou claro que desfazer-se delas lhe custava bastante. Os olhos brilhavam-lhe enquanto me contava que, ao longo dos anos, tinha conservado cuidadosamente essa publicação que, também para ele, fora da maior importância. A partir de certa altura, a sua ideia fora completar a coleção para a oferecer ao filho. Porém, para sua grande desilusão, o filho não manifestara o menor interesse e, agora, ele tinha escasso espaço para a manter. Por isso, ao ver o meu anúncio, decidira-se a vendê-la. Não tive coragem para regatear o preço que me pedia: "quinze contos".
É assim que hoje sou um feliz proprietário da coleção do "Cavaleiro Andante". Encadernei-a, conservo-a com cuidado e abro-a com alguma frequência, com um prazer que só aqueles que foram leitores fiéis da revista têm condições de perceber.
É assim que hoje sou um feliz proprietário da coleção do "Cavaleiro Andante". Encadernei-a, conservo-a com cuidado e abro-a com alguma frequência, com um prazer que só aqueles que foram leitores fiéis da revista têm condições de perceber.