sexta-feira, dezembro 06, 2013

Mandela, nós e os ingleses

Numa inóspita sala de embarque de um aeroporto, dizem-me de Lisboa que, na blogosfera portuguesa, "se ha armado un follón" (uso a linguagem do local onde estou) a propósito do voto negativo que Portugal deixou nas Nações Unidas, perante uma resolução na Assembleia Geral, em dezembro de 1987, que incluía o pedido de libertação de Nelson Mandela. Já há semanas o assunto havia sido ressuscitado na nossa imprensa, depois de, em tempos, o deputado António Filipe o ter referido. Portugal aparece isolado nesse voto com os EUA e o Reino Unido.

Devo dizer que não entendo o espanto. Numa leitura extrema do que considerava ser o seu compromisso nas trincheiras da "guerra fria", Lisboa seguia, por esses tempos, uma linha de constante colagem às posições britânicas. Pergunto-me mesmo quantas vezes, numa contabilidade de tomadas de posição neste domínio, o nosso país - repito, por esses tempos - deixou de acompanhar Londres.

Desde então, as coisas mudaram muito. Um dia de 1997, em Bruxelas, depois de eu ter anunciado à imprensa uma posição que assumira nas negociações do tratado de Amesterdão, um jornalista belga perguntou-me: "Coordenou essa posição com os ingleses?" Devo ter mostrado uma cara surpreedida, pelo que o homem continuou: "Vocês não se articulam sempre com eles antes?" O curioso é que eu nem sequer sabia que posição o Reino Unido tinha na matéria. Continuávamos a ser "the oldest ally", mas, desde 1995, deixáramos de ser "the oldest follower".

13 comentários:

opjj disse...

Não seria bom V.Exª. esclarecer se nessa dita resolução Nelson Mandela pretendia continuar com a luta armada e se pedia a outras nações que lhes dessem armas?
Áparte este esclarecimento que é importante ,sempre considerei N.M.uma figura ímpar, contudo acho que o grande detonador dessa reviravolta foi Declerk.
Na guerra colonial sempre me opus a que tratassem mal os guerrilheiros capturados.Na dor somos iguais.
cumprimentos

São disse...

O que acho ainda mais vergonhoso do que esse alinhamento servil e acéfalo de Cavaco ( pelo menos, que se abstivesse)e me dói de verdade é que a maioria do "melhor povo do mundo" tem eleito repetidamente esse cavalheiro para todos os lugares mesmo depois de atitudes deste jaez e de estórias muitíssimo mal explicadas.

O que me leva a crer que uma apreciável parte dos portugueses aprecia muito a hipocrisia e a mesquinhez!

Como sempre, a opção de publicação, pertence-lhe. Porém, eu já comentei o tema no facebook
da pessoa em questão.

Os meus respeitos.

patricio branco disse...

desconhecia ou não me recordo disso, mas certamente que o reino unido se colou ao seu aliado eua no voto contra a resolução, quanto a portugal o voto choca de facto, depois da descolonização, do 25 de abril, das relações com angola e moçambique...
se nos colámos ao ru, ou talvez melhor aos eua(ainda era a guerra fria, embora já a descongelar) isso só mostra a nossa fraqueza, ou seguidismo, falta de independencia internacional e de vontade própria e tambem um pendente ideológico do governo cavaco silva, sim, se fosse um governo suares ou guterres isso não seria assim, etc
...vergonhoso voto o nosso de facto, bom lembrar isso 26 anos depois na ocasião do obito de mandela...

Anónimo disse...

Fixe!

Anónimo disse...

Como figura humana humana, Nelson Mandela agigantou-se na História pelo facto de, após tantos anos de cativeiro, ter chegado à Liberdade sem manifestar ódios, rancores ou vinganças e somente preocupado em construir um país de paz e harmonia para todos os sul-africanos.
Que diferença de Álvaro Cunhal que, saindo de tantos anos de prisão e do exílio, continuou apenas preocupado em continuar a sua pregação partidária apostado em nos submeter a uma nova ditadura, agora de esquerda, sucedendo a uma de direita!

Anónimo disse...

Perdeu então outro fenómeno português, senhor embaixador. A ironia dos elogios fúnebres da direita. Ou melhor, os elogios adversativos. "Mandela foi importante, mas sem Declerk...."; "Mandela tinha filosofia pacifista, mas sem Declerk..."; "Mandela foi um grande líder, mas o político determinado foi Declerk"...

Só nesta piolheira!

Saudações.

G

Defreitas disse...

A homenagem planetária a Nelson Mandela não deve fazer esquecer que aquilo pelo qual este Grande Homem lutou, isto é, os valores de dignidade e respeito da pessoa humana, não se circunscreviam ao povo da África do Sul só, mas era antes uma mensagem destinada a todos os homens.
Mandela era um Grande Homem. Um Homem de convicção e de coragem que soube libertar o seu pais. E que soube deixar o poder no momento oportuno. Mas curiosamente, hoje, muitos dos seus correligionários lamentam que ele não tivesse continuando mais algum tempo na direcção do pais.
A razão é que as palavras que ele pronunciou, ainda estão presentes na memória dos seus compatriotas e que muitos consideram que o objectivo ainda não foi atingido. Estas palavras foram: " O meu ideal mais caro foi o duma sociedade livre e democrática na qual todos viveriam em harmonia com possibilidades iguais de sucesso. Este é um ideal pelo qual estou pronto a morrer".
A libertação de Mandela em 11 de Fevereiro de 1990 não foi um presente, mas foi sim, pela força das coisas, imposta ao poder racista da África do Sul por este Ocidente que tinha apoiado durante dezenas de anos o poder. Este Ocidente que compreendeu que o vento da história tinha virado e que era melhor negociar com o ANC que de perder tudo numa guerra civil sangrenta. Não esquecer que até 2008, o ANC e Nelson Mandela estavam na lista negra dos Estados Unidos como "terroristas".

Quando De Klerk foi visitar Mandela na ilha de Ruben Island, incógnito, entrou pela garagem para não ser visto. Li as memórias de De Klerk. Ficou impressionado pela calma, a cortesia e a confiança em si mesmo demonstrada por Mandela. De Klerk desejava apressar o movimento de libertação. Ele sabia que o seu partido político se encontrava do mau lado da História. O muro de Berlim tinha caído. O governo do apartheid não podia continuar a opor-se ao ANC de Mandela para "parar a expansão comunista" ! O argumento estava falido! Em 2 de Fevereiro De Klerk anunciava a libertação de Mandela. No dia 11, Mandela iniciou a sua longa marcha para a liberdade.

O após Mandela ainda comporta muitos perigos. O imperialismo colonial continua presente apesar da descolonização. A situação não é tão rosa como se pensa. O problema da distribuição das terras não foi tratado. Provavelmente, parcialmente, porque a reconciliação foi prioritária. Conceito nobre, em si mesmo, mas a justiça não se ocupou das violências institucionais contra os Negros .
Fundiram os dois hinos , o Nkosi Sikelete Afrika, hino africano da esperança, com o Die Stem (que ouvi algumas vezes), um hino célebre da revolta boer de Slagtersnek de 1816, para fazer o hino nacional. Muitos não o querem cantar, pelo menos na integralidade

As feridas ainda estão escancaradas. A miséria é imensa, o desemprego insuportável, sobretudo para os jovens negros, a violência é omnipresente. As feridas infligidas pelo regime racista restam vivas e difíceis a tratar. Façamos votos que a União persista após Mandela.

Em definitivo, o que é que se pode reter da legenda Mandela? Ele honrou a África e a Humanidade. Não existem personagens que tenham marcado mais a sua época no XX° século como o Mahatma Gandhi ou o seu herdeiro espiritual Nelson Mandela. Talvez estes dois exemplos nos permitam de ter esperança na condição humana.

Defreitas disse...

Ao anonimo das 10:28:

Durante muito tempo, Mandela ficou anónimo. Nos anos 80, a maioria dos Europeus não conhecia o seu nome. O seu combate contra o apartheid não interessava os poderosos deste mundo. Madame Thatcher , que recebeu o carrasco do povo chileno, Pinochet, qualificava Mandela de "terrorista"".
Nelson Mandela era um personagem pouco recomendável para a direita europeia. Aqueles que não fizeram nada para a libertação de Mandela e mantinham excelentes relações com o regime racista de Pretoria, celebraram entretanto à maneira dos "people" aquele que simbolizava um combate que eles nunca compartilharam.

Nelson Mandela não tinha ilusões sobre a hipocrisia de muita gente célebre que lhe faziam visitas. Ele aceitava este ritual discretamente, dizendo : " E preciso passar por ali para o bem do nosso povo".

Os mesmos vão chorar lágrimas de crocodilo agora, porque Mandela é incontornável : Ele foi a mais bela lição de humanidade da Historia. Adeus Madiba !

Anónimo disse...

Às vezes fico pasmado com a sua escolha de assuntos. Passa o 25/11 e... nada. Morre o Mandela e... é isto?

Francisco Seixas da Costa disse...

Pois é, Catinga! Cada um é como é! Isto não é um jornall, nem sequer um diário. É o que me apetece, no instante.
Quanto ao Mandela, se lhe interessa, leia o que escrevi em 27.6.13. Quanto ao 25 de novembro, leia o que escrevi em 26.11.10. Em ambos os casos, nada mais tenho para dizer. Mas gostava de conhecer a sua opinião depois de ler esses posts.

Anónimo disse...

A questão não é essa, Seixas, de “acompanhar Londres”. É outra. Foi uma opção ideológica a do governo português de então. O governo de que Cavaco era PM, fez a sua opção - política. Uma atitude que nos deixou mal vistos. Não se tente disfarçar o que não teve desculpa. Foi errada a decisão que tomámos. No limite, poderiamos ter optado por uma abstenção. Mas, nem isso sucedeu. Cavaco preferiu agradar e seguir a reaccionária Srª Thatcher (e os EUA).
a)Rilvas

Anónimo disse...

Devota fanática de Mandela, que sempre me disse considerar a maior figura da humanidade dos últimos tempos, a 'velha senhora' tem opiniāo feroz sobre o voto português na ONU em 1987 contra a libertação do seu Madiba e mima o responsável pelo voto com dois palavrões (que disfarcei com asterísticos para ver se o sonetilho passa neste tão respeitável blogue):

em baixa dor
silabo a pena
por post pôr
que não condena

tal despudor
tão vilã cena
com que o estupor
nos apequena

a pátria toda:
foi dele o voto,
nāo da naçāo.

que mal se f***
o sonso ignoto
o grã c*****

Anónimo disse...

Ora! A minha opinião interessa-lhe tanto quanto a mim saber a cor da sua gravata...

E o homem morreu foi esta semana, não foi em junho. Para quem mantém um obituário tão ativo, espera-se melhor, que raio!

Quanto ao 25/11, no próximo 25A, espero contar com o seu "silêncio", à conta do que tenha escrito há anos...

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...