segunda-feira, junho 14, 2010

Telecomunicações

É encorajante encontrar, numa exposição internacional em França, uma empresa portuguesa de alta tecnologia, com uma importante experiência no domínio das comunicações, da eletrónica e sistemas informáticos.

Foi a experiência que tive esta manhã, no salão militar Eurosatory, ao visitar o stand da EID - Empresa da Investigação e Desenvolvimento de Eletrónica, que vende hoje para países como o Reino Unido, a Holanda, a Espanha e a Dinamarca, entre outros.

Felizmente, há por aí um Portugal desconhecido que (já não) espera por nós.

domingo, junho 13, 2010

Os nossos vuvuzelas

Qual é a semelhança entre os vuvuzelas e alguns profissionais do lusopessimismo?

Plantam-se por todo o lado, criam um ruído permanente, já estamos todos fartos de os ouvir, cada um tenta ser mais escutado que o outro, não se pode mandá-los calar porque é politicamente incorreto, desconcentram-nos do essencial mas, no final de contas, acabam por não ter qualquer influência no resultado.

Vieira da Silva e Paula Rego

Hoje, Maria Helena Vieira da Silva, a pintora portuguesa que a ditadura portuguesa conduziu a tornar-se francesa, faria 102 anos. A França esquece-a como portuguesa e dá-lhe naturais honras de cidadania artística.

Ontem, Paula Rego recebeu da rainha Isabel II uma importante condecoração do país que a adotou - "Portuguese born british painter", era assim que me recordo de a ver irritantemente sintetizada numa biografia britânica.

Não deixa de ser irónico, mas também significativo, que as duas mais famosas pintoras portuguesas se tenham acolhido a países estrangeiros. Mas também não deixa de ser reconfortante que seja em Portugal que, nos dias de hoje, existam os únicos museus dedicados à sua obra.

Festas

Ontem, um concurso de poesia portuguesa em Neuilly, presença num "rally-paper" de uma associação de jovens portugueses, uma missa com centenas de portugueses na catedral de Notre-Dame de Paris e, ao fim da noite, uma deslocação a Les Ulis, nos arredores de Paris, onde teve lugar um excelente espetáculo promovido por uma estrutura associativa. Hoje, foi o dia da grande festa da Rádio Alfa (foto de 2009).

Ser embaixador de Portugal em França é, neste período do ano, um permanente desafio à ubiquidade. Mas quem corre por gosto não cansa (muito), podem crer.

sábado, junho 12, 2010

Europa

Uma intensa agenda de compromissos com a Comunidade portuguesa em França, durante estes dias, impediu-me de aceitar um convite para estar hoje nos Jerónimos, na comemoração dos 25 anos de assinatura do Tratado de Adesão de Portugal às então Comunidades Europeias.

Tive o privilégio profissional de integrar, meses depois dessa data, a primeira equipa que, em Lisboa, passou a coordenar as relações com Bruxelas. A Europa ocupou, desde então,  uma parte importante da minha vida. Dez anos depois da adesão, couberam-me responsabilidades diferentes nessa mesma área, desta feita de natureza política, por um período de mais de cinco anos. Sobre a Europa escrevi e palestrei muito.

Ao fim deste tempo, de tudo o que se passou desde então, às vezes dou comigo a pensar se ainda acredito no futuro do projeto europeu. Quero acreditar, até porque ele é do interesse objetivo de Portugal. Mas cada vez mais me interrogo se, num ambiente político que é bem diferente dos anos de entusiasmo que já se viveram, as coisas irão evoluir no melhor sentido. De uma coisa tenho absoluta certeza: alguns dos países que, desde o início, estiveram no centro do processo integrador europeu vão acabar por arrepender-se da sua recente deriva para a intergovernamentalidade. Resta esperar que ela não acabe por ser trágica para todos os restantes.

No que a Portugal toca, neste dia, um mínimo de justiça obriga a que lembremos a figura histórica que, no momento certo, soube conduzir-nos pelos caminhos da Europa: Mário Soares. 

Sejamos otimistas e ouçamos hoje o meu velho amigo Fausto a cantar o seu "Europa, querida Europa".

1966

Este post é só para quem gosta muito de futebol. E, principalmente, para quem já o acompanha há muito.

É que o início deste Mundial 2010 traz-me, inevitavelmente, a memória da primeira vez em que Portugal chegou a uma fase final. Estávamos em 1966. Não ganhámos - nunca ganhámos! - mas perpassou então pelo país um sonho de vitória, desfeito nas célebres lágrimas de Eusébio, gravadas no preto e branco de uma foto de Nuno Ferrari que correu mundo. Era selecionador Manuel da Luz Afonso e treinador Otto Glória - de há muito que as duas funções passaram a ser exercidas, em toda a parte, por uma mesma pessoa.

Vale a pena recordar estes magníficos "magriços" (nome inventado por "A Bola"). A fotografia é da equipa que disputou e ganhou o segundo jogo, contra a Bulgária (3-0).

De pé, temos a barba serena e alcantarense de Germano, que só assegurou o centro da nossa defesa neste jogo, lugar que seria ocupado pelo sportinguista Alexandre Baptista. Depois, Jaime Graça, então do Vitória de Setúbal, que o Benfica recrutaria em breve e que garantiu sempre a direita do meio-campo, embora com um posicionamento bastante livre nesse setor. A seguir está Festas, um lateral direito do FC do Porto, que viria a dividir o lugar com o sportinguista Morais, há pouco falecido, como aqui se notou. Segue-se o insubstituível Hilário, um permanente "gigante" leão na esquerda da defesa. Depois, o subtil Vicente, do Belenenses, irmão do mítico Matateu, que também garantia o centro da defesa, descaído para a esquerda, que viria a ser substituído, por lesão, nos dois últimos jogos, por José Carlos, também do Sporting, na então chamada posição de "quarto defesa" (para sublinhar a função de apoio ao meio-campo). Finalmente, o guarda-redes do Belenenses, José Pereira, que fez a maioria dos jogos, se descontarmos o primeiro, contra a Hungria, em que Carvalho, do Sporting, esteve na baliza.

À frente, claro, a mítica e indiscutível linha avançada do Benfica: José Augusto, Torres, Eusébio, Coluna e Simões. Como Portugal jogava em 4x2x4, Jaime Graça (na direita) e Coluna (na esquerda) garantiam o "2" do meio campo, para onde Eusébio às vezes recuava, setor que, igualmente, era também apoiado pela subidas de Hilário e/ou Morais (menos por Festas, que sempre jogou mais recuado), o que criava episódicos 4x3x3. Em permanência, apenas Torres estava na zona frontal de área, com os extremos "colados à linha", Simões e José Augusto, embora este sempre um pouco mais "livre" e incursivo no meio campo.

De quantos foram ao Mundial de 1966, não jogaram então o guarda-redes do Porto, Américo, três atacantes do Sporting - o extremo-esquerdo Peres e os avançados-centro Figueiredo (o "Altafini de Cernache") e Lourenço, a quem vi marcar numa tarde, um ano antes, quatro golos ao Benfica, na Luz -, o defesa esquerdo benfiquista Cruz (que tive o gosto de conhecer nos Estados Unidos, em 2002) e os avançados Duarte, do Leixões, e Custódio Pinto, do FC do Porto. Olhando em retrospetiva, as opções de Manuel da Luz Afonso, quanto a deixar estes jogadores no "banco", foram corretas.

Deixo os resultados: começámos por ganhar à Hungria 3-1; depois, como referido. ganhámos 3-0 à Bulgária; de seguida, 3-1 ao Brasil de Pelé. Nos quartos de final, ganhámos à Coreia do Norte por 5-3, depois de estarmos a perder por 3-0. Nas meias finais, perdemos 2-1 com a Inglaterra e, finalmente, na disputa do (inexistente) 3º lugar, derrotámos a Rússia por 2-1. Com quatro vitórias sobre "países comunistas", não admira que a governação salazarista tivesse condecorado tão generosamente os "magriços"...

Foi um belo Mundial!

sexta-feira, junho 11, 2010

Amália

Neste que terá sido o primeiro dia de verdadeira primavera em Paris,  com um sol que quase rivaliza com a imbatível luz de Lisboa, acredito que Amália teria ficado contente com a homenagem que lhe foi prestada na capital francesa.

Os líderes municipais das duas cidades, António Costa e Bertrand Delanoe, inauguraram a promenade Amália Rodrigues, um espaço de memória a alguém que, desde há muito, marca o imaginário português em França. O meu antecessor, embaixador António Monteiro, teve muito a ver com a ideia desta homenagem e, porque aparentemente  ninguém o fez, lembro-o eu, aqui e agora.

Como há pouco notou Rui Vieira Nery, numa magnífica palestra sobre a história do fado na "Mairie" de Paris, Amália veio aqui cantar, pela primeira vez, em 1956, num espetáculo em que era uma figura secundária, já no Olimpya, de Bruno Coquatrix. Desde então, Paris rendeu-se-lhe e a cantora passou a ser, em França, um sinónimo de Portugal. Com a vaga migratória iniciada nos anos 60, Amália Rodrigues transformou-se, simultaneamente, no símbolo afetivo da nostalgia de quem por aqui construía, no sofrimento e na audácia, as bases de um seu futuro melhor.

Desde então, o fado anda imenso por França, agora também com outras vozes, como as de Camané ou de Mísia, que hoje acompanharam António Costa a esta que foi a primeira jornada para o futuro lançamento da canção nacional à categoria de "património imaterial da humanidade", no âmbito da UNESCO.

Achei que este post não poderia terminar sem música. Quem quiser, ouça Amália aqui.

quinta-feira, junho 10, 2010

Estátua de Camões

Luis Vaz de Camões, cujo aniversário da morte ontem se assinalou, teve um busto seu, em bronze, inaugurado em Paris, em 1912. Ao que consta, a vizinhança não terá apreciado a obra e, num "golpe de mão" noturno, fê-lo desaparecer, menos de um ano depois. Depois de um acidentado percurso, o tal busto acabou, felizmente, na posse da Fundação Calouste Gulbenkian.

Anos mais tarde, em 1924, uma nova estátua - que se vê na imagem - foi instalada ao fundo da escadaria em que a avenue Camoens se cruza com o boulevard Delessert, a dois passos do Trocadéro.

Ontem, numa simples cerimónia evocativa, apenas acompanhado por funcionários da Embaixada, coloquei lá uma coroa floral, com as cores da nossa bandeira. Notei, com agrado,que alguém já tinha tido o cuidado de deixar um ramo de flores ao nosso poeta.

104

Chama-se José Manuel Gonçalves e é, a partir de agora, o diretor do espaço cultural multifuncional "104", criado pela "Mairie" de Paris perto da Porte de La Chapelle, uma audaciosa vitalização das antigas "Pompes Funèbres" da cidade de Paris.

Neste dia que também é das Comunidades Potuguesas, é muito agradável registar esta nomeação que muito dignifica as suas origens.

"Le Monde"

O Irão, o Brasil e a Turquia

1. Alguma coisa está ainda mal explicada no modo como foi lançada a iniciativa que o Brasil e a Turquia tentaram, com vista a desenhar um acordo que permitisse travar as sanções ontem decididas pelo Conselho de Segurança contra o Irão. É difícil acreditar que, em particular no caso do Brasil, que tem a preservar a preciosa credibilidade que tem vindo a criar perante países de quem, em absoluto, depende a sua possível ascensão a membro permanente daquele Conselho, não tenha recebido sinais que hajam sido interpretados como uma "luz verde" para essa iniciativa.

2. De qualquer forma, o facto de, no seio do Conselho de Segurança, os cinco membros permanentes (China, EUA, França, Reino Unido e Rússia) terem obtido um acordo entre si numa questão desta importância para a segurança internacional é, manifestamente, uma muito boa notícia. O cruzamento e a frequente conflitualidade de interesses, económicos e geopolíticos, entre as principais potências raramente proporciona momentos de entendimento desta natureza. O que agora se passou, conjugado com o razoável resultado da recente Conferência de Revisão do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, é um sinal de esperança para a paz e segurança globais. E é, simultaneamente, uma importante vitória para a política externa do presidente Obama, cujo paciente e construtivo diálogo com Moscovo e Pequim está na base deste resultado. 

3. Menos boa é a constatação, que ontem chegou de Washington mas que o bom senso há muito impunha, de que a evolução recente da posição da Turquia configura uma deslocação do seu padrão de interesses à escala global, que vem alterar uma realidade de décadas. Para os EUA, que, sem surpresas, também incluem neste prato da balança a mudança de atitude turca face a Israel, são as reticências que Ancara constata face às suas pretensões de entrada na União Europeia que estarão na base deste comportamento. Pode ser apenas uma parte da verdade, mas não há dúvida que esse posicionamento da Europa continua a ser um erro estratégico grave. Como Portugal, desde há vários anos, sempre assinalou.

quarta-feira, junho 09, 2010

Dia de Camões

Quantos, dentre as muitas centenas de convidados que hoje encherão os salões desta nossa Embaixada em Paris, por ocasião do dia nacional português, saberão que a data corresponde àquela que a História assinala como sendo a da morte do poeta que, mais do que ninguém, nos simboliza?

Quantos saberão que, a partir do ano em que essa morte ocorreu, Portugal passaria, por seis imensas décadas, a ver a sua vida tutelada por um rei vindo de fora? E que soube sair dessa situação, com dignidade e coragem?

Poucos se lembrarão dessas duas circunstâncias, sendo verdade que as receções comemorativas não são, seguramente, os locais mais convenientes para convocar temas de solenidade histórica. Mas talvez fosse útil, em especial em tempos que mobilizam algum pessimismo, que aos portugueses fosse lembrado que, desde há cerca de 900 anos, eles constituem uma entidade nacional própria e autónoma, com fronteiras que praticamente permaneceram idênticas desde então. Que lhes fosse dito que, no passado, muitas crises chegaram e de todas elas soubémos sair. Que passámos por períodos de ferozes lutas internas e de resistência a invasões e agressões externas. Que tivemos bons dirigentes e outros a que a História nos podia ter poupado. Que cometemos barbaridades e que fizémos coisas magníficas. Que criámos um imenso império e que, ao fim de alguns séculos, regressámos, pela ordem natural da História, à origem geográfica desta bela aventura que continua a chamar-se Portugal. E que aqui estamos, reconciliados com o mundo e com tudo o que fomos e somos, para continuar esse mesmo caminho.

Quando alguns portugueses contemporâneos por aí andam, com ar de patética gravidade, a espalhar o desânimo e o derrotismo, apetece-me lembrar-lhes que, por muito importantes que se considerem, por muito que se queiram arvorar em vedetas incontornáveis de mais um ciclo de culto da finis patriae, eles são apenas a triste decantação masoquista da sua própria impotência e mediocridade. E que este país vai continuar, malgré eux.  

terça-feira, junho 08, 2010

Filosofia portuguesa

Com esta bela foto de Helena Almeida na capa (que, estou certo, vai fazer as delícias do Criativemo-nos), foi ontem apresentado, ao fim da tarde, no Centro Cultural da Fundação Calouste Gulbenkian, aqui em Paris, o nº 68 da revista Rue Descartes, dedicada ao tema "Philosopher au Portugal aujourd'hui".

Os cultores dessa escola de autoflagelação que hoje domina o sentimento comum português - uma linha teórica que poderíamos apelidar de "comentar e lamentar" - dirão que o título deste volume é um contrasenso. Deixemo-los a falar sozinhos, nos seus blogues e nas suas colunas de padecimento biliar.

Para o que nos interessa, este número do Rue Descartes é um retrato sobre o pensamento filosófico contemporâneo em Portugal. Foi um gosto ouvir falar especialistas franceses e portugueses, em hora e meia de interessante reflexão e escalpelização dos textos, sob a condução de Maria Filomena Molder, sobre alguns dos percursos da nossa filosofia. O texto de Fernando Gil que sobressai nesta publicação - "O hospital e a lei moral" - serviu de eixo para uma análise fascinante de Jean Petitot.

E, já agora, para os visitantes de Paris recomendo, até Outubro, a magnífica exposição de pintura inglesa dos anos 60 que enche as salas do edifício da Gulbenkian na avenue d'Iéna - "Ainsi font les rêveurs/As dreamers do". Verão que não se arrependem. 

"Crisófilos"

O meu colega e amigo Alexander Ellis, que representa o Reino Unido em Portugal, e que partilha com todos nós a utilização da língua portuguesa e com todos os sportinguistas o sentimento da amargura ("Things can only get better"), deu uma curiosa entrevista ao jornal "i" em que qualifica os portugueses de "crisófilos", considerando Portugal "um país viciado na crise".

Vale a pena lê-lo aqui.

O véu

Laurence Ferrari é a imagem de serenidade que, de segunda a sexta-feira, apresenta o telejornal de TF1. "Utilizo-a" para sossegar o espírito, preparando-me assim, cerca de uma hora antes, para o trauma diário do "pacote" de acidentes, crimes & desgraças correlativas, do continente e ilhas, que os nossos jornais televisivos nos irão servir logo de seguida.

A jornalista francesa, cuja delicadeza pessoal verifico ser compatível com um jornalismo rigoroso e acutilante, mas isento de histeria e agressividade medíocre, foi objeto de vários comentários  na imprensa, por ontem ter sido vista a entrevistar o presidente iraniano, usando na cabeça um véu que cobria os seus cabelos loiros. Nada que, como já vi no passado, seja incomum a prestações similares, por parte de colegas suas, em idênticas situações. 

Porém, como a questão do uso de vestuário feminino em ambientes islâmicos (convém notar, para alguns menos atentos, que os iranianos são islâmicos mas não são árabes) está aqui muito presente em França, o tema não deixou de ser especulado por alguns comentadores. Em resposta, Ferrari limitou-se a dizer, e bem: "respeito as regras dos países onde vou". 

Estes são temas polémicos e, nos tempos que correm, acabam por ser dramatizados e às vezes caricaturados. A meu ver, devemos abordá-los com sentido de respeito pelos usos e costumes de cada um, atendendo, em especial, às sensibilidades culturais e religiosas que convocam. Temos o dever de não ser "eurocêntricos" na sua abordagem, embora devamos cuidar em que as nossas próprias formas de estar devam ser objeto de idêntico respeito. Aprendi nesta vida diplomática que o bom-senso, nisto como em tudo, resolve muitos problemas.

A relação com os iranianos levanta uma outra questão protocolar, por vezes desconhecida: os homens iranianos não cumprimentam as senhoras com a mão, porque entendem que, por razões religiosas que não vem ao caso analisar, não devem com elas ter um contacto físico, na esfera social. Assim, para saudar as senhoras que lhes são apresentadas, levam apenas a mão ao peito e fazem uma leve saudação com a cabeça. Já tenho visto muitas senhoras ocidentais, desconhecedoras desta prática, ficarem de mão estendida...

Há cerca de uma década, em Portugal, tive uma experiência curiosa, num pequeno-almoço de trabalho que organizei, num hotel, com uma delegação do Irão, chefiada por um membro do respetivo governo. Fui para esse encontro acompanhado de quatro senhoras, diplomatas e técnicas do MNE, que estavam bem conscientes desse costume. Ao ver-nos entrar, fiquei com a sensação, pela cara dos nossos interlocutores, que a delegação iraniana terá, por alguns instantes, ficado com a impressão de estar a ser vítima de uma provocação, pela quantidade de senhoras que me acompanhava, pouco comum no seu país.  Saudaram-nas ao seu jeito, mas permaneceram estranhamente silenciosos.

Como o ambiente me parecia algo tenso, decidi passar de imediato à mesa. Aí, tudo ficou bem claro: apresentei a minha chefe de gabinete, a diretora do serviço para a política exterior europeia, a responsável pelo departamento que cobria a área do Médio Oriente e a chefe do serviço para as relações económicas internacionais. Todas essas qualificadas funcionárias ali estavam, por direito próprio das funções que exerciam. Os iranianos ter-se-ão assim dado conta, julgo que com alívio, traduzido em alargados sorrisos e na imediata contribuição para um ambiente distendido, que era a lógica do saudável equilíbrio de género, na área diplomática portuguesa, que justificava tão forte presença feminina do nosso lado da mesa. E toda a reunião correu muito bem.

Vinho do Porto

Desde há 14 anos que tem lugar, aqui em França, promovido pelo "Sindicat des Grandes Marques de Porto", com o apoio do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto, um prestigiado concurso que agora envolve cerca de 1000 escanções franceses, intitulado "Master of Port". Trata-se de apurar o melhor especialista em Vinho do Porto, um produto para o qual a França é hoje o primeiro mercado internacional - já bem antes do tradicional destino britânico. 

Decidi, este ano, acolher na Embaixada a entrega desse prestigiado prémio, pelo que ontem nela se congregaram, para além dos escanções finalistas, mais de duas centenas de personalidades ligadas à enologia, às revistas da especialidade e a vários outros setores franceses que ajudam a que o Vinho do Porto seja uma das grandes marcas de qualidade do nosso país em França.

Como padrinho da organização, esteve presente o ator de teatro e cinema francês Claude Brasseur, "estrela" da festa, que me falou com saudade de idas antigas a Portugal, que incluíram noitadas de fado em companhia de António Lopes Ribeiro.

segunda-feira, junho 07, 2010

Mocidade

A notícia de que algumas escolas vão vestir crianças com fardas da Mocidade Portuguesa é , a meu ver, reveladora de duas coisas.

A primeira é que parece haver, em Portugal, quem não tenha aprendido nada com a História. A segunda, bem pior, é que o facto disto se passar sem um sentimento público de forte rejeição revela um preocupante estado de anemia cívica. 

Só falta que ponham as crianças a fazer a saudação romana/nazi...

Israel e Portugal (2)

Com a ocorrência do 25 de Abril, Israel aproveitou para informar as autoridades portuguesas que "reconhecia" a Junta de Salvação Nacional. Prudente, o nosso MNE registou então, numa nota interna, que Portugal nunca tinha expressamente reconhecido Israel, razão porque o respetivo governo não fora incluído na comunicação geral através da qual dera conta ao mundo do novo regime.

Porque os tempos corriam a favor de um posicionamento prioritário de abertura da diplomacia portuguesa face ao então chamado "Terceiro Mundo", em que os países árabes tinham um papel predominante, e de que decorria naturalmente uma atitude mais pró-palestiniana, o período pós-Revolução não parecia muito favorável a uma aproximação com Tel-Aviv. Melo Antunes, ministro dos Negócios Estrangeiros, assumiu então posições  públicas desfavoráveis aos desígnios israelitas e abriu caminho a que, nas Nações Unidas, num voto que viria a ser considerado muito polémico, o nosso país se ligasse a uma resolução que equiparou o sionismo ao racismo (72 votos a favor, 35 contra e 32 abstenções), afastando-se, neste caso, da posição de vários países ocidentais.

Julgo que se pode considerar que, tendo sido este o gesto anti-israelita mais extremado assumido pela diplomacia portuguesa, ele acabou por criar, paradoxalmente, um ambiente propício a uma viragem na atitude futura de Portugal face a Israel. 

Foi o Partido Socialista quem esteve no centro desta nova atitude portuguesa. Com efeito, estando o Partido Trabalhista no poder em Tel-Aviv, a lógica de apoios dentro da Internacional Socialista acabou por favorecê-lo e Mário Soares veio a mostrar-se crescentemente aberto a favorecer uma maior aceitação de Israel no quadro internacional,  com a contribuição de Portugal. Ao mesmo tempo - e lembremo-nos que estávamos no tempo tenso de 1976 -, esta orientação socialista marcava também, no plano interno, o seu claro afastamento da linha "terceiro-mundista" que o PS considerava ter marcado o consulado diplomático de Melo Antunes. Aliás, o ministro militar teve o cuidado de desenvolver bem o seu ponto de vista no seu discurso de despedida do MNE, largamente citado pela minha colega Manuela Franco, no artigo em cuja factualidade me tenho vindo a apoiar neste e no anterior post e cuja consulta recomendo.

Assim, logo no programa do I Governo constitucional, em 1976, referem-se, embora sem sentido claro de decisão, "as questões do estabelecimento de relações diplomáticas com a China Popular e Israel". Esta clara inflexão fora precedida de visitas partidárias a Israel de Jaime Gama e de Salgado Zenha. Porém, como bem refere Manuela Franco, dentro do MNE essa nova predisposição socialista não apenas não provocou efeitos sensíveis como terá mesmo suscitado algumas surdas resistências. Basicamente, e para o que contava em termos de atitude prática, a política manteve-se a mesma, mesmo sendo já Medeiros Ferreira o novo ministro. 

Embora não disponha, de momento, de datas exatas comigo, recordo que, algures em 1977, uma missão técnico-diplomática que eu integrava, destinada a finalizar um promissor processo de contratação de obras públicas, iniciado no ano anterior, foi sujeita a uma espécie de "quarentena" em Tripoli, na Líbia, durante quase uma semana. Isolados num hotel nos arredores da capital, sem comunicações com o exterior, com os passaportes e bilhetes nas mãos dos nossos anfitriões, verificávamos, com surpresa, uma diferença radical de atitude face à simpatia com que, menos de um ano antes, aí havíamos sido recebidos. Ao final de um período de perplexidade e mesmo de alguma angústia, viémos a ser informados que estávamos a ser "vítimas colaterais" do anúncio da decisão, por parte de Portugal, de que Lisboa e Tel-Aviv iriam estabelecer relações diplomáticas a nível de Embaixada. "For the record", assinale-se que tudo se compôs e os contratos com os líbios acabaram por ser assinados, tendo aberto caminho a uma ininterrupta presença da indústria portuguesa de construção e obras públicas naquele mercado, que ainda se mantém.

A decisão de elevação das relações para o nível de Embaixada (Israel transformaria em Embaixada, logo em 1977, o Consulado-geral que mantinha em Lisboa; Portugal só em 1988 acreditaria o seu embaixador em Roma como não residente; um embaixador residente português em Tel-Aviv apenas se instalou em 1991) poderá ter sido um dos factores de conflito entre Medeiros Ferreira e Mário Soares, com a saída do primeiro de MNE, substituído interinamente pelo segundo. Com esta decisão favorável a Israel, a nossa diplomacia passou então por momentos de grande dificuldade com os países árabes, que chegou a ameaçar os nossos fornecimentos petrolíferos, tanto mais que estávamos em campanha na candidatura a um lugar de membro não-permanente do Conselho de Segurança da ONU. 

No ano seguinte, por insistência do governo de Tel-Aviv, aquela que julgo ser a primeira missão governamental portuguesa visitou Israel. Fui nela integrado e, dessa forma, julgo ter sido o primeiro funcionário diplomático português a deslocar-se oficialmente a Israel (curiosamente, creio que havia sido também o primeiro a ir à Líbia, em 1976, enquanto representante do MNE, se não se contar a deslocação de Manuel Sá Machado, a acompanhar Mário Soares, para coonversas exploratórias, logo em 1974, na qualidade de seu assessor diplomático). Nessa deslocação, no aeroporto de Ben Gurion, em Tel-Aviv, os vários carimbos libios no meu passaporte causaram visível perturbação e atrasaram a nossa entrada. 

Em Portugal, viviam-se os tempos do Governo PS-CDS, sendo Victor Sá Machado, deste último partido, ministro dos Negócios Estrangeiros. Antes da partida da missão, o jovem terceiro secretário de embaixada que eu era foi levado à presença do ministro, acompanhado do chefe de repartição, Queirós de Barros. Foi-me explicado que o ministro da Agricultura, o socialista Luis Saias, que eu acompanharia, tinha uma missão exclusivamente técnica e que estava, em absoluto, fora de causa assumirem-se quaisquer posições políticas, quer com impactos bilaterais, quer relativamente ao conflito do Médio Oriente. Assim se fez, com pormenores curiosos que só o tempo permitirá revelar, não obstante o contraparte do nosso governante, que nos acompanhou grande parte do tempo, o então ministro israelita da Agricultura, se chamar... Ariel Sharon! 

Como atrás se disse, a nossa Embaixada em Tel-Aviv só viria ser aberta em 1991, a tempo de poder acompanhar a nossa segunda presença no Conselho de Segurança das Nações Unidas. A partir daí, as relações entraram num registo de normalidade, com Portugal a assumir sempre uma posição de grande equilíbrio que, basicamente, tentava conciliar o direito à criação de um Estado palestiniano e a necessidade de preservação de um Estado de Israel com fronteiras reconhecidas.

Em fins de 1995, teve lugar a primeira visita de um chefe de Estado português a Israel. Então já no exercício de funções políticas, acompanhei Mário Soares nessa viagem, em substituição do ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama. Era um tempo de grandes esperanças para o processo de paz no Médio Oriente, posterior aos acordos de Oslo e Washington. Mário Soares era um interlocutor respeitado pelo primeiro-ministro Yitzhak Rabin e pelo MNE Shimon Peres. Nas várias conversas que ambos tivemos com estes responsáveis israelitas, fomos estimulados a ajudar, nomeadamente no âmbito europeu, aos esforços de reconstrução económica que a Autoridade Palestiniana tinha em curso na Cisjordânia e, em especial, em Gaza. Estávamos precisamente com Yasser Arafat, líder da Autoridade Palestiniana, depois de jantar, em Gaza, na noite de 5 de Novembro de 1995, quando nos chegou a notícia do assassinato de Rabin. Com quem tínhamos almoçado.

Nada seria igual, naquela parte do mundo, depois dessa data. O processo de paz ruiu, a unidade palestiniana rompeu-se, Israel evoluiu internamente por caminhos diversos. Como hoje se vê pelas imagens de tragédia que se juntam às notícias que nos chegam.

Com este post termina este bosquejo que fiz sobre as relações entre Israel e Portugal. Admito possa ter erros e aceitá-los-ei de bom grado nos comentários. 

domingo, junho 06, 2010

Dário Castro Alves (1927 -2010)

Acabo de saber da morte, em Fortaleza, de Dário Castro Alves.

Antigo embaixador brasileiro em Portugal e, mais tarde, cônsul-geral no Porto, Dário Castro Alves era um grande amigo do nosso país, onde criou forte prestígio e deixou uma marca de profunda ligação à nossa cultura. Autor de extensa bibliografia, tinha um particular fascínio por Eça de Queirós, tendo sido convidado de honra nas comemorações dos 160 anos do nascimento do romancista, que a Embaixada portuguesa em Brasília levou a cabo em 25 de Novembro de 2005.

Em fins de 2008, organizei, também em Brasília, e em associação como Instituto Rio Branco, uma homenagem a Dário Castro Alves, que contou com testemunhos e a presença de muitos dos seus amigos, de antigo colaboradores e de simples admiradores (ver aqui e aqui). Na altura, editámos também uma sua completa biobibliografia.

Dário Castro Alves, um verdadeiro embaixador luso-brasileiro, era um amigo pessoal. Com a sua morte, desaparece uma figura marcante de uma geração brasileira que cultivava uma relação muito forte com Portugal.

Leia mais aqui e aqui.

O Hino

Agora que nos aproximamos do Dia Nacional português, vale a pena notar o triste facto de que ainda há muitos portugueses, mais em Portugal do que no estrangeiro, que não conhecem a letra do Hino Nacional. Verdade seja que o nosso hino não "ajuda" muito, pelas fórmulas arrevezadas que utiliza, tributárias da sua linguagem oitocentista, marcada pela indignação exaltada contra as perfídias britânicas do "mapa cor-de-rosa".

Aliás, e a talhe de foice, vale a pena explicar que aquele suicidário e algo masoquista "contra os canhões, marchar, marchar", presente no refrão, é uma versão retificada da letra original, onde se lia "contra os bretões, marchar, marchar" - porque o hino tinha sido construído para reagir à afronta de Londres.

E, para quantos não saibam, aqui deixo duas outras partes da antiga e longa versão oficial de "A Portuguesa", cujo conteúdo remete claramente para o espírito original anti-ultimatum:

Desfralda a invicta Bandeira,
À luz viva do teu céu!
Brade a Europa à terra inteira:
Portugal não pereceu
Beija o solo teu jucundo
O Oceano, a rugir d'amor,
E teu braço vencedor
Deu mundos novos ao Mundo!

e ainda

Saudai o Sol que desponta
Sobre um ridente porvir;
Seja o eco de uma afronta
O sinal do ressurgir.
Raios dessa aurora forte
São como beijos de mãe,
Que nos guardam, nos sustêm,
Contra as injúrias da sorte.

A primeira versão oficial do hino, que surgia no "Diário do Governo", tinha aquelas três partes, além de três repetições da estrofe (Às armas...). Por isso, não é raro ser essa a versão utilizada por uma orquestra ou banda estrangeira, na receção a um dignitário português.

Recordo-me de um embaraço por que passei, em 1980, na Noruega, aquando da visita de Estado do presidente Ramalho Eanes. Embora fosse o organizador da visita, não me passou pela cabeça verificar a partitura que ia ser usada pelos noruegueses, isto é, saber se seria a versão curta ou a longa, até porque sou "nulo" em matéria de pautas de música.

No início de um almoço oficial no Rådhus (câmara municipal) de Oslo, acabada que foi a execução da primeira parte do nosso hino (a que é vulgarmente utilizada), os portugueses presentes iniciaram uma salva de palmas, arrastando consigo os noruegueses. Com surpresa, verificaram que a orquestra "arrancou" para uma segunda parte, repetindo a primeira. Chegada ao fim desta, os presentes avançaram então, mais decididos, para nova salva de palmas. E não é que a orquestra "atacou", de novo, com mais uma repetição?!

Por jeito próprio ou como quem "connait la musique" (expressão aqui apropriada), o nosso presidente mantinha-se impávido. O resto dos portugueses mostrava alguma perplexidade, com Fernando Reino, chefe da casa civil de Belém e até há pouco embaixador em Oslo, a fuzilar-me interrogativamente com o olhar. Só sosseguei quando os músicos noruegueses se aquietaram, por fim...

Depois desta cena, e tal como tem acontecido a muitos meus colegas, já me tem sido dado ouvir esta "tripla" versão do hino pelo mundo fora. Nessas ocasiões, o único problema é quando há portugueses a cantar alto a letra do hino. Coitados, lá repetem mais duas vezes o "Heróis do mar...". É que ainda estou por encontrar alguém que saiba a versão completa.

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...