sábado, junho 12, 2010

1966

Este post é só para quem gosta muito de futebol. E, principalmente, para quem já o acompanha há muito.

É que o início deste Mundial 2010 traz-me, inevitavelmente, a memória da primeira vez em que Portugal chegou a uma fase final. Estávamos em 1966. Não ganhámos - nunca ganhámos! - mas perpassou então pelo país um sonho de vitória, desfeito nas célebres lágrimas de Eusébio, gravadas no preto e branco de uma foto de Nuno Ferrari que correu mundo. Era selecionador Manuel da Luz Afonso e treinador Otto Glória - de há muito que as duas funções passaram a ser exercidas, em toda a parte, por uma mesma pessoa.

Vale a pena recordar estes magníficos "magriços" (nome inventado por "A Bola"). A fotografia é da equipa que disputou e ganhou o segundo jogo, contra a Bulgária (3-0).

De pé, temos a barba serena e alcantarense de Germano, que só assegurou o centro da nossa defesa neste jogo, lugar que seria ocupado pelo sportinguista Alexandre Baptista. Depois, Jaime Graça, então do Vitória de Setúbal, que o Benfica recrutaria em breve e que garantiu sempre a direita do meio-campo, embora com um posicionamento bastante livre nesse setor. A seguir está Festas, um lateral direito do FC do Porto, que viria a dividir o lugar com o sportinguista Morais, há pouco falecido, como aqui se notou. Segue-se o insubstituível Hilário, um permanente "gigante" leão na esquerda da defesa. Depois, o subtil Vicente, do Belenenses, irmão do mítico Matateu, que também garantia o centro da defesa, descaído para a esquerda, que viria a ser substituído, por lesão, nos dois últimos jogos, por José Carlos, também do Sporting, na então chamada posição de "quarto defesa" (para sublinhar a função de apoio ao meio-campo). Finalmente, o guarda-redes do Belenenses, José Pereira, que fez a maioria dos jogos, se descontarmos o primeiro, contra a Hungria, em que Carvalho, do Sporting, esteve na baliza.

À frente, claro, a mítica e indiscutível linha avançada do Benfica: José Augusto, Torres, Eusébio, Coluna e Simões. Como Portugal jogava em 4x2x4, Jaime Graça (na direita) e Coluna (na esquerda) garantiam o "2" do meio campo, para onde Eusébio às vezes recuava, setor que, igualmente, era também apoiado pela subidas de Hilário e/ou Morais (menos por Festas, que sempre jogou mais recuado), o que criava episódicos 4x3x3. Em permanência, apenas Torres estava na zona frontal de área, com os extremos "colados à linha", Simões e José Augusto, embora este sempre um pouco mais "livre" e incursivo no meio campo.

De quantos foram ao Mundial de 1966, não jogaram então o guarda-redes do Porto, Américo, três atacantes do Sporting - o extremo-esquerdo Peres e os avançados-centro Figueiredo (o "Altafini de Cernache") e Lourenço, a quem vi marcar numa tarde, um ano antes, quatro golos ao Benfica, na Luz -, o defesa esquerdo benfiquista Cruz (que tive o gosto de conhecer nos Estados Unidos, em 2002) e os avançados Duarte, do Leixões, e Custódio Pinto, do FC do Porto. Olhando em retrospetiva, as opções de Manuel da Luz Afonso, quanto a deixar estes jogadores no "banco", foram corretas.

Deixo os resultados: começámos por ganhar à Hungria 3-1; depois, como referido. ganhámos 3-0 à Bulgária; de seguida, 3-1 ao Brasil de Pelé. Nos quartos de final, ganhámos à Coreia do Norte por 5-3, depois de estarmos a perder por 3-0. Nas meias finais, perdemos 2-1 com a Inglaterra e, finalmente, na disputa do (inexistente) 3º lugar, derrotámos a Rússia por 2-1. Com quatro vitórias sobre "países comunistas", não admira que a governação salazarista tivesse condecorado tão generosamente os "magriços"...

Foi um belo Mundial!

8 comentários:

Alcipe disse...

As tuas recordações esmagam-me!

Só me lembo de ver a extraordinária recuperação de Portugal frente à Coreia do Norte (de 3-0 para 5-3), tendo visto com os meus olhos o Prof. Miguel Galvão Telles atirar-se ao chão da sala, a espernear, ao quinto golo!

Era 1966... mas eu nunca percebi muito de futebol. Esta área é mais com o meu filho. Como diz um grande camarada nosso do Sporting sobre o meu filho Miguel : "este é como nós!" (ao contrário do pai, que é tontaço...)

Anónimo disse...

Este post é só...

Ah!...

Quem nos impede.

Que precisão... O Sr. seria o verdadeiro comentador de serviço, permita-me... como observador externo profundamente envolvido e deslumbrado.

Ainda bem claro...

Temos alguma opção em considerar sequer a possibilidade de Substituir nas nossas vidas o futebol por...Negar a evidência... É no mínimo ...

Pelo menos quem decide a vitória são os jogadores o árbitro e a bola embora os meandros dos poderes instituídos também se manifestam... Mas pelo menos ainda podemos competir...
Por exemplo no festival da Eurovisão já sabemos que mesmo que tenhamos toda a matéria prima... Não temos Dias.
Isabel Seixas

Guilherme Sanches disse...

Futebol de boa memória, em que o mais importante se passava no campo, sem coreografias de claques tatuadas de raiva, enjauladas em quadrados de segurança policial a caminho da "guerra".

Lembro-me particularmente do Portugal-Coreia a que assisti na Gomes, do lado da cervejaria, cheia que nem um ovo.

Ao progressivo silenciar dos ânimos, foi-se seguindo uma evolução do entusiasmo, da cerveja e dos tremoços voadores, proporcionais aos golos que Eusébio ia marcando.

44 anos. Era o Desporto-Rei

Que mais fica assim focado com esta nitidez na nossa memória?
Talvez os resultados deste campeonato do Mundo, quem sabe? Ou não.

Um abraço

Helena Sacadura Cabral disse...

Senhor Embaixador
Ainda estou especada a olhar o seu post.
Eu que tanto gosto do Sporting - sabe-se lá porquê, a fulminância deste amor - rendo-me à sua memória. É que só me lembrava de parte delas. Mas agora que as avivou elas vieram em catadupa.
Grandes magriços. Bem nossos.
Lindo post!

Anónimo disse...

Não há memória é do corrente coro zângão...
Meu Deus... é uma agressão à acuidade auditiva...
Sinceramente prefiro a espontaneidade das expressões e gritos de júbilo...
Isabel Seixas

Helena Oneto disse...

Não sou fã de futebol, mas confesso que, desde 1988, ano em que a França ganhou, pela primeira vez, o título de campeão do mundo, sigo vagamente, com um certo patriotismo, a seleção portuguêsa nos campeonatos europeus e mundiais. Normalmente, teria “saltado” este post e passado ao seguinte, mas o “1966” despertou-me imediatamente a memória dessa célebre final. Estava em casa quando, de repente, ouvi berros, assobios, grítos lancinantes de entusiasmo e de decepção que vinham do rés-do-chão. Desci a correr os dois andares que nos separavam e quando cheguei à sala, vi o meu tio Fernando, o Raul Solnado e o Jaime Mourão-Ferreira, debruçados sobre a televisão, aos saltos, eufóricos a “torcer” por Portugal. Nos escassos minutos que fiquei a olhar, espantada, para aquele espectáculo, ouvi, pela primeira vez, “o forte lexico luso” muito abundante nestas ocasiões. O desânimo foi proporcional à expectativa de uma grande vitória...

António P. disse...

Foi um belo Mundial, lá isso foi.
Uma equipa excelente e um fora de série : Eusébio.
Cumprimentos

Helena Sacadura Cabral disse...

Ó Manuel Serra adorei essa das "tias comentaristas"...
No meu caso é mais para "avó comentarista". Mas lá se ia à vida o comentário "classista"!
O tempo das tias, com a voragem da crise - desculpe lá, Senhor Embaixador, o pessimismo - foi-se e já não volta!
Mas adorei a ternura do comentarista. :))

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