sábado, junho 07, 2025

O destino inesperado


Foi no início de 2024. O telefonema era de França. Eu conhecia mal o cônsul-geral português em que estava do outro lado da linha e que, simpaticamente, me convidava para intervir num colóquio, que estava a organizar com uma universidade da cidade, incluindo outros oradores portugueses, sobre os 50 anos do 25 de Abril. 

Como sempre acontece nestas coisas, e apesar de toda a boa vontade, revelou-me que estava a ser-lhe difícil juntar apoios para custear o alojamento e as viagens dos convidados portugueses, que naturalmente dispensavam qualquer outro encargo pela sua participação. 

Tempos depois, em uma outra conversa, informou-me que, em especial, estava a ser muito complicado garantir a verba para as passagens aéreas. Eu tinha feito as contas e constatado que, se compradas com grande antecedência, as viagens podiam sair bastante mais baratas, ainda que com a limitação de não poderem ser canceladas. Como já tinha decidido levar comigo a minha mulher, e passar por lá uns dias mais, em férias, comprei entretanto os bilhetes do meu bolso. Mas não avisei disso o nosso esforçado representante consular. 

Em casa, avisei que, acontecesse o que acontecesse, iríamos sempre passar uma semana de férias a Lyon. E, para apoio "teórico", mandei vir pela Amazon o guia da Michelin sobre a cidade.

Algum tempo decorreu. Um dia, o nosso cônsul-geral, desolado, telefonou-me a informar que, por mais esforços que tivesse feito, não havia conseguido juntar os apoios necessários à realização do colóquio. Lamentava, assim, ter de cancelar a iniciativa. 

Percebi perfeitamente. São coisas que acontecem! Para não o penalizar mais, não lhe revelei que já tinha comprado as passagens. No termo da nossa conversa, ainda o ouvi dizer: "É mesmo uma pena que o senhor embaixador não possa vir. Teria muito gosto em recebê-lo cá em Marselha."

Em Marselha?! Ó diabo! Eu tinha comprado passagens para Lyon! O cancelado colóquio era para ser em Marselha! Na nossa primeira conversa, devo ter feito confusão e, a partir de então, intimamente, dei por adquirido que o evento seria em Lyon. Imaginem se o colóquio tivesse tido lugar em Marselha e eu, alegremente, me apresentasse em Lyon! 

E lá fomos nós, um mês mais tarde, passar uma semana de férias a Lyon. Reservei um magnífico Airbnb, no topo de uma torre antiga na cidade velha, pedi ao meu amigo (e crítico magistral do Expresso) Fortunato da Câmara uma lista dos melhores bistrots da cidade (nenhuma das mesas que eu ali conhecia estava na lista e as indicadas por ele foram excelentes), visitámos mais de um museu por dia, dissecámos turisticamente a cidade e arredores, regressando a Lisboa atulhados de livros. E, no meu caso, com mais dois quilos e tal, porque Lyon é uma das grandes cidades gastronómicas de França.

Acabei assim, "sem saber ler nem escrever", como antes se dizia, por ter uma bela semana de férias em Lyon! Por puro erro meu! Podia ter sido em Marselha? Podia, mas não seria a mesma coisa. Há pouco, lembrei-me: e se, este ano, fôssemos a Marselha?

O coiso

O partido unipessoal de extrema-direita ganhou força mas vai ter de aprender a usá-la. Irá grelhar Montenegro em lume brando, numa Comissão de Inquérito? O país ainda se indignará com a Spinumviva? Não me parece. Portugal, país espertalhote, parece pensar: "Fez ele muito bem!"

O PPD

Ele aí está, o governo dito novo. Luís Montenegro, a quem a Spinumviva pode ter retirado uma maioria absoluta com a IL, não quis arriscar. Muda (claro!) no MAI, faz uma flor na Reforma do Estado e reaquece o mesmo menu. Na Cultura, a direita já nem disfarça. É a (nossa) vida!

O senhor almirante

Salvo uma desagradável surpresa, uma eventual vitória do senhor almirante não parece prenunciar nada de muito perigoso para o futuro democrático do país. O problema, em caso de futuras crises, está em quem o rodeará, nos ressabiados saídos dos partidos. Viu-se isso com o PRD.

O PS

Com José Luís Carneiro, o PS fica sob "a safe pair of hands". Melhor não parece possível. Olha-se as fotografias das reuniões e é um mar de cabelos brancos e de loiras de tinta. A juventude desertou e a atenuação do cheiro a poder (a assessorias) não ajuda. Não vai ser fácil!

sexta-feira, junho 06, 2025

BBB...

É extraordinária a infantilização subserviente revelada por alguma comunicação social ao referir-se reiteradamente à proposta de orçamento de Estado americano como a "Big Beautiful Bill" ou BBB, como se fosse normal e obrigatório respeitar o primarismo da linguagem de Trump.

Marcos de Azambuja


Li agora, numa nota do meu amigo Aristóteles Drummond nas redes sociais, que morreu, há dias, o embaixador brasileiro Marcos de Azambuja. 

Marcos Castrioto de Azambuja foi um diplomata brasileiro de grande mérito e com uma graça pessoal infinita. Foi secretário-geral do Itamaraty (lugar equivalente a vice-ministro), representou o Brasil em postos tão importantes para o seu país como a Argentina, a França ou junto das instituições internacionais, em Genebra. A sua carreira passou também pelo México, por Londres e pelas Nações Unidas, em Nova Iorque.

Conhecemo-nos, pela primeira vez, em Paris, em finais de maio de 1999, ao tempo em que eu estava no governo e ele representava o Brasil em França. Coincidimos na mesma mesa, num jantar nas instalações da OCDE, por ocasião da presidência mexicana da organização. No final da refeição, os mexicanos montaram uma divertida festa, com música entre as mesas. As canções eram de um repertório latino-americano que, geracionalmente, era comum ao Marcos e a mim. Por isso, não tardou até que ambos estivéssemos a trautear e a repetir as letras. 

Na nossa mesa, tinha ficado a subsecretária de Estado americana Evelyn Lieberman. Estava admiradíssima com a nossa familiaridade com os ritmos da festa e, a certa altura, voltou-se para o Marcos e para mim e inquiriu, bem a sério: "Have you had a part of your professional life connected to music?". Marcos Azambuja deu uma imensa gargalhada e eu lá tive de explicar à senhora que, em Portugal, e com toda a probabilidade também no Brasil, nos anos 50 e 60, os ritmos latino-americanos, de língua espanhola, eram muito conhecidos. E tinham-nos ficado na memória a ambos.

Por muito tempo, não voltei a encontrar o Marcos Azambuja. Numa manhã de 2007, ao tempo em que era embaixador no Brasil, viajava na ponte aérea entre S. Paulo e o Rio e veio sentar-se, precisamente ao meu lado, alguém cuja cara eu reconheci. Era Marcos Azambuja. A conversa durante a viagem foi divertidíssima, imagino que só interrompida pela relativa mas natural angústia que sempre era a aterragem na curta pista do Santos Dummont. 

Há pouco mais de um ano, convidado pelo Cebri - Centro Brasileiro de Relações Internacionais e pela nossa embaixada em Brasília, fui ao Rio de Janeiro fazer um debate com o embaixador Rubens Ricupero. O então conselheiro emérito do Cebri, embaixador Marcos Azambuja, fez a nossa apresentação e veio a intervir na parte posterior do painel, como a imagem documenta. Tive então oportunidade de dar-lhe os parabéns por dois magníficos artigos que, em 2011, tinha publicado na revista brasileira "Piauí", onde retratou, numa rica escrita, algumas interessantes memórias da carreira diplomática brasileira.

O Marcos Azambuja nunca se cansava de recordar, nas conversas comigo, que era sócio honorário dos Bombeiros da Azambuja, localidade onde, segundo creio, ele afirmava que se ancorava uma das suas raízes familiares. Esta era uma das suas muitas e agradáveis memórias de Portugal, um país que ele muito apreciava.

As minhas condolências à família do embaixador Marcos Azambuja.

quinta-feira, junho 05, 2025

quarta-feira, junho 04, 2025

A "qultura"

A "nossa" direita dos dias que correm não faz um mínimo esforço para disfarçar a "desimportância" que dá à Cultura. Ao assim proceder, projeta uma imagem troglodita de si própria, ajudando à caricatura que a esquerda, com toda a razão, dela regularmente dá.

Obrigado, Eduardo Gageiro

 


terça-feira, junho 03, 2025

"Sharing Knowledge"


Coube-me fazer a intervenção inicial na tertúlia que o "Sharing Knowledge", ao final da tarde de hoje, organizou no Gambrinus, sob a dinâmica batuta do Jaime Quesado. Um belo e animado debate, com ampla e diversificada participação. 

segunda-feira, junho 02, 2025

Isto anda tudo ligado


Tirada no mês de agosto de 1966, tenho uma fotografia comigo sentado numa esplanada em Caminha, com os meus pais e uns tios. Até hoje me pergunto por que estou ali de fato e gravata (muito fininha), com ar demasiado sério (ou seria aborrecido?). O meu pai também estava de fato completo e de chapéu. Era o período das nossas férias de verão, sempre três semanas em Viana do Castelo, terra do meu pai, como acontecia todos os anos. Filho único, esse iria ser o último ano em que passaria o Verão dessa forma. No mês seguinte, iria para o Porto, para a universidade. No futuro, ganharia liberdade e os meus programas de férias passariam a ser bem diferentes.

Há anos que tenho na memória que, a certa altura, connosco na cena fotografada, se aproximou da esplanada em que estávamos um amigo caminhense da família, o senhor Valencinha (seria esse o verdadeiro nome do homem ou chamar-lhe-iam assim porque era muito pequeno?), que revelou: "Morreu há pouco o António Pedro". 

A internet diz-me agora que António Pedro morreu em 17 de agosto de 1966, em Caminha, com apenas 57 anos. Até diz que era uma quarta-feira. Portanto, dá-se a coincidência de eu estar em Caminha no dia em que António Pedro ali morreu. E de até ter uma fotografia desse preciso dia. Verdade seja que a coincidência apenas a mim me interessa, modestamente reconheço.

Quem foi António Pedro? Era uma figura relevante da cultura portuguesa. Pintor e escritor, foi uma das personalidades do movimento surrealista português. Antes, tinha flirtado com a extrema-direita do nacional-sindicalismo, foi colaborador da BBC em Londres e viveu nos meios artísticos de Paris. Ao tempo da sua morte, António Pedro era uma das grande figuras do teatro português, como divulgador e encenador. 

Ao contrário dos dias de hoje, o teatro, por esse tempo, entráva-nos em casa, todas as segundas-feiras, pela televisão, pela RTP, o único canal existente. António Pedro era, à época, uma das caras pública que a todos nos era comum. Com uma voz cava e uma barba imponente, projetava autoridade e conhecimento. Por essa altura, em 1966, António Pedro era a figura tutelar do Teatro Universitário do Porto, depois de um  período em que tinha liderado o Teatro Experimental do Porto.

Também pelo Porto, poucos meses antes, tinha passado um extraordinário grupo teatral universitário brasileiro, que fizera uma histórica digressão pela Europa, apresentando "Morte e vida de Severina", de João Cabral de Melo Netto, que ali acompanhou a apresentação da obra, musicada por Chico Buarque, que igualmente integrava a delegação. (Melo Netto deve ter gostado da cidade: entre 1984 e 1987, regressou com cônsul-geral do Brasil).

Manuel Alberto Valente, num dos textos da sua obra "O Outro Lado dos Livros", hoje apresentada na livraria da Travessa, com casa a transbordar, fala da imagem que essa extraordinária apresentação deixou no país, e no Porto em particular. O Manuel tinha então 21 anos e viu esse espetáculo. Eu tinha 18, só cheguei ao Porto em setembro desse ano de 1966, e não vi essa peça. Mas, recordo muito bem, toda a gente falava ainda dela, com grande entusiasmo.

Terá sido por influência desse ambiente que, logo após ter chegado à universidade, decidi ingressar no Teatro Universitário do Porto, por onde passei dois anos bem agradáveis? Por aquela instituição, também recordo, vivia-se, à época, a visível orfandade da influência de António Pedro. A mesma pessoa que, mês anterior, morrera em Caminha, na tal tarde de que tenho uma fotografia. Afinal, só quase me cruzei com ele no dia da sua morte.

Saí hoje do lançamento do livro do Manuel Alberto Valente perto das oito, atravessei o Príncipe Real e fui jantar ao Snob. Ao passar junto da Travessa do Abarracamento de Peniche, mesmo ao lado, lembrei-me de que o Manuel tinha acabado de falar, minutos antes, num poeta que naquela mesma rua pusera fim à vida, em 2004. Era o Eduardo Guerra Carneiro. O Eduardo era da minha terra, de Vila Real, embora de uma geração mais velha. Poucos anos antes de ele decidir encerrar tragicamente a sua biografia, tínhamos passado, ali mesmo, no Snob, entre copos, umas boas horas à conversa, cruzando recordações comuns  sobre "lá em cima", como os transmontanos, aqui por Lisboa,  às vezes falam (ainda falarão?) da sua terra. Connosco na mesa estava um outro vila-realense do jornalismo lisboeta, Fernando Carneiro.

No dia 1 de janeiro de 2004, depois de um almoço de Ano Novo em Vila Real, com o meu pai, que estava já nos seus 94 anos, decidimos ir passar a tarde a Chaves. Esse era e é um percurso tradicional para os vila-realenses. Tomado um café no Aurora, indo nós pelo passeio da rua de Santo António, a descer para o Tabolado, vi o meu pai trocar abraços com um cavalheiro apenas um pouco menos idoso do que ele, que fez questão de me apresentar. Era o Dr. Mário Carneiro, que eu só conhecia de nome, figura flaviense muito prestigiada, antigo e histórico fundador e diretor das Caldas da cidade. O meu pai assinalou que um irmão do Dr. Carneiro, pessoa que já desaparecera e de quem fora amigo, tinha vivido, em tempos, em Vila Real. Eu sabia disso e referi que conhecia um filho desse senhor, o Eduardo Guerra Carneiro, sobrinho do Dr. Carneiro, que às vezes via por Lisboa. E a conversa ficou por ali. Regressámos a Vila Real, ao fim desse primeiro dia de 2004. Eduardo Guerra Carneiro suicidar-se-ia no dia seguinte.

O livro maior de Eduardo Guerra Carneiro chama-se "Isto Anda Tudo Ligado". E anda mesmo.

A preocupação tem raça

Sei que isto vai soar estranho a muitos ouvidos. Madeleine McCain desapareceu há 18 anos. Foi raptada, morta? Milhões de euros têm sido dedicados a procurá-la. No último ano, centenas de crianças morreram em Gaza. Milhares passam agora fome. O mundo preocupa-se da mesma forma? 

A Europa de Bruxelas

No sábado, em Viseu, ao falar na conferência aberta por Josep Borrell, em que se abordou a questão das crises na Europa, toquei em temas que, vai para uma década, tinha colocado num artigo na coluna semanal que então escrevia no "Jornal de Notícias", e em que usei o título em epígrafe. Ele aqui fica:

"Há a Europa e há a Europa de Bruxelas. Esta última é um corpo mais ou menos organizado que tem como cultura comum uma certa ideia evolutiva do projeto europeu. Essa cultura, decantada ao longo décadas, atravessa grande parte do funcionalismo da máquina europeia, a qual, sem o dizer, se considera ungida da missão de levar à prática uma espécie de desígnio “do bem”, cuja finalidade não é explicitada e que só é debatida na metodologia. Aliás, o mais das vezes, o objetivo final não é sequer referido, para evitar espantar a caça. De certo modo, esse projeto europeu funciona na lógica do socialismo reformista de Bernstein: “o movimento é tudo, o fim é nada”. Em português simplório é o “vamos andando e depois logo se vê”.

Há duas palavras-chave no glossário dessa ideologia. E há uma não-palavra que raramente é pronunciada. 

A primeira palavra é “ambição”. Na novilíngua da Rue de la Loi (rua de Bruxelas onde estão muitas das instituições), uma proposta tem mais ou menos “ambição” na razão direta da transferência de poderes que, através da sua eventual aprovação, se processa da esfera nacional para a máquina bruxelense. Dependendo do “l’air du temps”, os ventos estão mais ou menos favoráveis a esse desígnio centralista. Às vezes, o facto da opinião pública em alguns países estar “recuada” impede que a “ambição” possa colher apoio suficiente para conduzir as decisões a bom porto. Aumentar o número de decisões por maioria qualificada, evitando o irritante empecilho da unanimidade, é o caminho para que a “ambição” se concretize com mais facilidade.

Ligada à “ambição” surge a palavra “eficácia”, que designa o grau de operatividade que uma medida pode trazer à “ambição”. A eficácia é o conceito motor por detrás da propositura de muita da legislação ou regulamentação europeia. É “eficaz” aquilo que contorna os mecanismos que atrasam a implementação das medidas. Os parlamentos nacionais são vistos por essa cultura europeia como obstáculos irritantes à eficácia das medidas. E até o Parlamento Europeu, que no passado era um inóquo “compagnon de route” dos promotores da “ambição”, passou frequentemente a ser “parte do problema”, quando obteve mais poderes e responsabilidades.

O drama europeu é que os promotores das medidas com “eficácia”, que têm como finalidade dar corpo à “ambição’, fogem como o diabo da cruz da tal não-palavra incómoda, raramente pronunciada nesses meios, que é a “legitimidade”. Também por isso é que o Brexit aconteceu, que a recusa da “ambição” é cada vez maior, que a Itália reage como reage.

Por graça, há alguns anos, dizia-se que se a União Europeia pedisse adesão ... à União Europeia, receberia um rotundo não, porque o seu grau de democraticidade era insuficiente para ser aceite. Será verdade?"

Coisas da edição


Não sei se a história do jornalista alemão que, na feira do livro de Frankfurt, queria entrevistar o autor padre António Veira virá à baila esta tarde. 

Mas lá estaremos hoje, na livraria da Travessa, na rua da Escola Politécnica, pelas 18.30, para dar o nosso abraço amigo ao Manel, na apresentação destas suas belíssimas crónicas, editadas pela Quetzal, do Francisco José Viegas, retratos cultos e divertidos desenhados na escrita de um grande editor português. 

Ai Polónia

A vitória do candidato anti-Tusk na Polónia é um sério revés para a vontade de quem hoje prevalece no processo europeu. O presidente polaco não governa, mas tem poderes para bloquear decisões, como bem se viu com o atual. 

A Europa não é um país, é um espaço de democracias mutante. Há que saber viver com isto.

Ucrânia - Rússia

As conversações diretas são um "faz-de-conta" dos dois lados para confortar a vontade de Trump. A Rússia tem uma agenda de interesses inaceitável para a Ucrânia e vice-versa. Como ambos acham que o tempo corre a seu favor, teria de surgir sobre a mesa uma proposta de terceiros. 

Vejam isto


Fareed Zakaria revelou ontem que, dentre as 10 mais qualificadas instituições universitárias, em todo o mundo, em matéria de ciência e investigação, nove são chinesas. No topo, contudo, estava a universidade de Harvard. Ora é esta universidade que Trump parece decidido a fragilizar.

domingo, junho 01, 2025

A Rússia, agora

Está-se mesmo a ver que o assunto principal da conversa entre Marco Rubio e Sergey Lavrov foi a apresentação de condolências pelas vítimas civis no atentado a uma ponte...

A Ucrânia, agora

Gostaria muito de estar enganado, mas tenho um sério pressentimento de que a guerra na Ucrânia acabou de entrar num novo e muito delicado patamar.  

A China e o conflito comercial UE-EUA


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sábado, maio 31, 2025

Israel e o mundo


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A relação de Trump com Putin: estado da arte


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Verdade incómoda

 


Idade

Nos últimos anos, tenho aprendido que, depois de velho, se fazem grandes amigos de infância.

Lembrar Pauleta

Apesar de ter grandes equipas nacionais de futebol, a França é um país com escassos clubes a ganharem troféus europeus. A extraordinária vitória de hoje do PSG deve ter agradado muito a alguém que ficou na história afetiva do clube, Pedro Pauleta. Que também está de parabéns.

Azedumes

O PSD está no poder e o poder abafa divergências. Mas o facto de Rui Rio ser o mandatário de Gouveia e Melo, combatendo abertamente a candidatura oficial de Marques Mendes, mostra que as laranjas estão bastante azedas.

Europa: gerir a diversidade


Intervim hoje, em Viseu, na conferência "As múltiplas crises da União Europeia", promovida pelo Beira – Observatório de Ideias Contemporâneas Azeredo Perdigão, iniciativa em que foi orador principal o antigo alto-representante da UE, Josep Borrell, e em que também participaram a jornalista Helena Garrido e o professor José Pedro Teixeira Fernandes, sob moderação de Henrique Monteiro. 

Abordei o tema da diversidade entre os Estados europeus e as suas decorrências para o processo decisório.

Para quem possa estar interessado, deixo acesso àquilo que comecei por dizer.

sexta-feira, maio 30, 2025

Colaterais

Comecei por estranhar a frase de um velho amigo que há tempos cruzei numa rua de Vila Real: "Cada vez mais me convenço de que o Covid deixa efeitos colaterais muito negativos". E perguntei: "Quais?" Fez um ar muito sério: "Olha! O Gouveia e Melo, por exemplo". 

O "Passar pela esquerda" acabou!


Até que enfim! Bem me cansou aquele programa que a SIC manteve no ar durante oito anos, para refletir o xadrez parlamentar de então. Lembram-se?

Era o "Passar pela esquerda" e lá tinha o Porfírio Silva, o Rui Tavares e o António Filipe. Disso, agora já basta, ou melhor: Chega!

Direitolices

O PSD anuncia estar fora da ideia da revisão constitucional. Sábia decisão, pela qual felicito Luís Montenegro, que assim mostra não se deixar arrastar para esta direitolice. 

Europas


 

quinta-feira, maio 29, 2025

Aqui chegámos

O senhor almirante apresentou hoje ao país a sua candidatura à presidência da República. Fê-lo com um discurso basicamente escorreito, uma "Christmas tree" de boas intenções onde, sem esforço, cada eleitor pôde reconhecer-se em algum ponto, em que nenhuma temática da atualidade foi esquecida. Sabemos como estas coisas se fazem. Pelo meio, estiveram as expectáveis referências motivacionais aos "mares nunca dantes navegados" e coisas assim, a puxar pela auto-estima nacional.

O senhor almirante, se for feito presidente por um país que pelos vistos pode vir a merecê-lo, não revela sinais de poder vir a fazer nenhum mal ao mundo. Meio século depois, o regime democrático já está suficientemente sólido para poder eleger o senhor almirante. 

Musk


A saída de Elon Musk do serralho de Trump é a novidade a que, há muito, só faltava a data.

Teixeira Gomes


Na passada terça-feira, em Portimão, lado a lado com o meu colega Luís Castro Mendes, participei numa conferência que homenageou o escritor, diplomata e político Manuel Teixeira Gomes (1860-1941), no 165° aniversário do seu nascimento naquela cidade, onde está sepultado.

A organização foi da Casa Manuel Teixeira Gomes, sob direção científica de José Manuel Quaresma, biógrafo do homenageado.

Quem estiver interessado naquilo que eu disse na ocasião, pode ler o texto aqui.

Um leão bem atípico


O Sporting ganhou o campeonato e a taça de Portugal. Há anos que sou sócio do clube. Há anos que não vou a Alvalade. Porque, desde há muito tempo, no futebol como em quase tudo o resto, fujo das emoções como o diabo da cruz, não vejo em direto jogos do meu clube. (Logo eu, que adoro futebol, e vejo na televisão bastantes jogos entre clubes estrangeiros, cuidando sempre em não "puxar" por nenhum). Às vezes, vejo, em diferido, uns minutos de síntese dos jogos em que o Sporting intervem. Outras vezes, a maior parte das vezes, confesso, nem sequer isso. Limito-me a ficar satisfeito com as vitórias do Sporting, desagradado com as derrotas e a lamentar os empates. Reconheço ser, sem o menor complexo por sê-lo, um adepto muito atípico.

No passado domingo, para não variar, não vi o jogo da taça. E como andei ocupado com leituras e escrita, acabei por nem ver imagens dos golos. E, claro, por essa mesma razão, também não observei o que me disseram ser uma jogada altamente polémica, em que esteve envolvido um jogador do Sporting, que muitos consideram culpado por uma grave agressão. Mas esse lance, como todos os outros do jogo, por muito que isso possa parecer estranho, não mobiliza minimamente a minha curiosidade. Se o jogador foi culpado que o castiguem, se não foi que o ilibem. Nem sei bem o nome do homem, eu que, dentre os nossos jogadores, reconheço São Gyokeres e poucos mais.

Ao fim do dia, informado da vitória do meu clube na taça, e muito satisfeito com ela, e tal como já tinha feito na conquista do campeonato, coloquei uma brevíssima fotografia de congratulação pelo novo título, nas redes sociais que frequento. O que eu fui fazer! Convoquei com isso as iras de muitos que posso presumir serem adeptos de um clube que disputou o campeonato e a taça com o Sporting. Era lá possível que eu estivesse a comemorar, depois daquilo que se tinha passado? E houve logo quem, por essa razão, fizesse juízos de caráter sobre mim, pedindo-me satisfações pela minha alegria. Até mensagens privadas recebi nesse sentido.

Tenham juízo!

quarta-feira, maio 28, 2025

Ssudades de José Lello


Ao final do dia de hoje, lembrei-me muito de ti, meu caro Zé. Já saíste da vida há uns anos, mas deixaste muitas saudades. O teu sorriso, a tua alegria, o teu abraço, a tua amizade, fazem falta a quem gostava de ti.

Se eu te contasse que as comunidades portuguesas pelo mundo, por quem tu tanto lutaste, acabam de escolher dois deputados de um partido de extrema-direita, que detesta imigrantes, para os representar, acharias que eu não estava a falar a sério. "É lá possível! Estás a tanguear-me!" E explicarias o óbvio: "Então os portugueses que andam pelo mundo, que sentiram e sentem na carne a exclusão, o racismo e a xenofobia, iam lá escolhem gente dessa! Pode haver alguns que são "fachos", tu e eu conhecemos alguns, mas eles não são parvos!". Não sei o que eles são ou não, Zé, só sei é que as coisas são o que são.

Mas ainda não te disse outra coisa, Zé, e esta vai doer-te: o PS, pela primeira vez, não elegeu ninguém lá fora. Tu que foste o homem do 115, não do antigo número de emergências mas do número de deputados que, em 1999, o PS conseguiu. Em grande parte graças ao teu trabalho, à confiança que as comunidades em ti depositavam, nesse ano, pela primeira vez, dos quatro deputados ditos "da emigração", o PS obteve três. Desta vez, Zé, nem um só!

Não vou colocar aqui, porque este é um espaço de famílias, as imprecações que irias soltar. Mas quis que soubesses como isto anda. É a vida!, diria o engenheiro que chefiou os dois governos em que ambos participámos. É, mas ela não está fácil para as nossas cores. 

terça-feira, maio 27, 2025

Eu, maoísta?!


Acabo de saber, por um artigo de um colunista do "Sol", que terei sido um destacado militante ... do MRPP.  Eu, antigo maoísta?! Onde isto chegou!

segunda-feira, maio 26, 2025

Verdade?


Se isto é mesmo verdade (nos dias de hoje, só acredito no que me dizem na net depois de muita confirmação), é uma excelente notícia: para o mundo e para as corajosas mulheres do Irão, que merecem toda a nossa admiração.

... e estamos nisto!


É extraordinário como o destino do mundo pode depender da ciclotimia emocional de uma personagem deste calibre.

Acordei assim...


domingo, maio 25, 2025

Ucrânia, ao telefone


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Os critérios da Europa

Cada vez que vejo um justo comunicado indignado da União Europeia sobre ataques russos que provocam vítimas civis na Ucrânia, vou à procura do comunicado diário que a mesma UE dever ter emitido sobre os mortos civis desse dia em Gaza. Que são sempre muitos mais. Mas não encontro.

Os Mortos e os mortos


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Leis


Há leis para tantas coisas, por que não há uma lei para isto?

Está (re)feito!

 


Um viva a Espanha

A Espanha, na sua atitude face a Israel, honra, por estes dias, os valores e os princípios que a União Europeia vergonhosamente se recusa a assumir. Por uma vez, não ficaria mal a Portugal sair da política de colagem ao "mainstream" e ter a coragem de "chamar os bois pelos nomes"

Teixeira Gomes

 


sábado, maio 24, 2025

Os erros de Pedro Nuno Santos


Cumprindo o que disse na noite eleitoral, Pedro Nuno Santos saiu hoje da liderança do Partido Socialista. O PS vai ter de refazer o seu futuro imediato sem ele. O nome de José Luís Carneiro, que tinha ficado em segundo lugar na anterior escolha interna, para a substituição de António Costa, surge como a hipótese mais provável para titular o novo ciclo. Sem oposição? Ainda não se sabe, mas se ela vier a surgir o processo correrá com normalidade. Esta é a lógica serena de um grande partido democrático em democracia.

Estes momentos de mudança, propulsionados pelo voto popular, forçam a uma reflexão. Mais do que qualquer outra formação política, o PS tem de fazê-la. Os factos obrigam o partido a preparar-se para o novo tempo, com as "lessons learned" do passado. Aliás, o tema dessa reflexão é a resposta a uma questão imperativa: que aconteceu a um partido que, em menos de dois anos, passou de uma sólida maioria absoluta para um terceiro lugar no parlamento? 

Toda a gente tem explicações, mais ou menos adjetivadas, mais ou menos fulanizadas nas responsabilidades, para esta pergunta. Certas ou erradas, eu tenho as minhas. E faço já uma declaração de interesses: fui um dos derrotados no dia 18 de maio e tudo farei, naquilo em que puder ajudar, para criar condições para o reforço do Partido Socialista no futuro.

Pedro Nuno Santos substituiu António Costa com toda a naturalidade. Contrariamente à diabolização que a direita dele fez - e essa era uma excelente medalha que ele trazia ao peito - ele tinha sido, embora com alguns erros cometidos, um bom ministro. Tinha trabalhado dentro do partido para suceder a António Costa e o PS confiou maioritariamente nele. Pedro Nuno Santos é, contudo, o produto político de uma ilusão.

Em 2015, o Partido Socialista tinha chegado ao poder, de uma forma pouco comum na prática portuguesa, não sendo o partido mais votado. Mas António Costa, com toda a legitimidade, depois de Passos Coelho não ter conseguido convencer a Assembleia da República, formou um governo com apoio parlamentar de dois partidos à sua esquerda. Fê-lo com vista a uma governação destinada a repor, com sabedoria e sem extremismos, a normalidade em muitas políticas, que a "troika" tinha mudado de forma violenta. A Geringonça foi uma fórmula política pontual, que provou ter eficácia, razoabilidade e apoio popular. Pedro Nuno Santos, na pasta dos Assuntos Parlamentares, foi a cara dessa solução.

A Geringonça faliu ao fim da primeira legislatura. Os comunistas e o Bloco perceberam que António Costa tinha capitalizado em favor do PS a simpatia que a Geringonça tinha suscitado. E esgotada que tinha sido a agenda de 2015, e não estando António Costa disponível para ir além da reversão do essencial da agenda da "troika", os dois partidos à esquerda do PS não apenas mostraram indisponibilidade para renovar, num registo de mínimos, uma aliança que os estava a "grelhar", como caíram na patetice de não aprovar o orçamento que o novo governo minoritário do PS tinha apresentado. 

As novas eleições que se seguiram deram razão a António Costa e deram uma maioria absoluta ao PS. Pelo meio tinha havido uma pandemia que mostrara ao país o perfil de estadista de António Costa. Pedro Nuno Santos é um "general" dessas tropas. Mas não era só isso: era um "viúvo" da Geringonça. E essa é a tal grande ilusão.

O país pode ter gostado da Geringonça no período em que ela foi criada, tendo ela sido a cara de uma política que desfizera, com responsabilidade, o que a "troika" tinha imposto. Mas alguma água tinha entretanto corrido sob as pontes: a fórmula cheirava a passado. 

O Bloco mostrou evoluir para uma matriz ideológica algo agressiva, frequentemente paternalista (ou maternalista...), investindo numa agenda de políticas de nicho e de exploração de temáticas identitárias que, sendo porventura respeitáveis, não eram necessariamente populares. A sua mudança de liderança também não ajudou a tornar a proposta mais apelativa, "to say the least".  

O PCP afundou-se na simpatia popular com o seu seguidismo face a Moscovo na questão ucraniana, num tempo em que o país tinha optado sentimentalmente por Zelensky. O seu novo líder tem um estilo simpático de homem comum mas, como pretendem os nostálgicos que alinham naquela "igreja", foi escolhido precisamente para não trazer nada de novo.

Pedro Nuno Santos tentou retomar a ideia da Geringonça, com estas suas novas derivas? Claro que não, mas, no imaginário de muita gente, ele continuou a ser "o socialista da Geringonça" e, com ele na liderança, o PS passou a ser, para alguns, o partido que só não reeditou a Geringonça porque não teve condições para tal. E a Geringonça já tinha, há muito, deixado de ser popular. 

Além disso, o estilo público de Pedro Nuno Santos, que inteligentemente ele procurou suavizar, ainda surgiu marcado por um tom algo agreste, de uma espécie de "jota" escassamente amadurecido. E não teve tempo para reverter essa imagem, que a mim sempre me pareceu ter algo de bastante injusto. Repito o que disse atrás: Pedro Nuno Santos foi um governante de qualidade, a que é justo creditar um bom trabalho na área das Infraestruturas, não obstante algumas trapalhadas que não o ajudaram a acelerar a construção de uma imagem de Estado.

O apreciável resultado que tinha tido nas eleições de 2024 podem ter contribuído para Pedro Nuno Santos entender que estavam ultrapassados, no eleitorado, esses preconceitos a seu respeito. Não estavam. E num ambiente de crispada bipolaração, essa perceção negativa em seu desfavor acentuou-se.

O país só foi entretanto a votos porque Pedro Nuno Santos assim o quis. E essa, no domínio das culpas daquilo que aconteceu, é uma culpa apenas sua. O PS não devia ter caído na esparrela armada pelo primeiro-ministro, ao apresentar uma moção oportunista de confiança. E devia ter desmontado o "bluff" de Luís Montenegro, dizendo: "O primeiro-ministro quer um pretexto para ter eleições e quer embrulhar as trapalhadas éticas em que está envolvido numa moção de confiança. O PS não lhe dá essa oportunidade: por isso, não cai nessa esparrela, abstem-se na sua votação na Assembleia da República e avança para uma comissão parlamentar de inquérito onde tudo será devidamente esclarecido". 

O que teria acontecido, se Pedro Nuno Santos tivesse procedido dessa forma? Montenegro estaria agora fragilizado, entre a espada e a comissão de inquérito, o PS mantinha um número de deputados igual ao PSD e a extrema-direita mantinha o peso que tinha.

Depois, na inevitabilidade de eleições, o PS que Pedro Nuno Santos liderou não soube ler o país que ia votar em 18 de maio. Não apresentou políticas minimamente motivantes para setores de um eleitorado que, entretanto, se tinha deslocado para um terreno tomado por uma agenda de preocupações e de desencanto muito diversa das de um passado recente. A proposta socialista foi um pouco mais do mesmo, a que foram acrescentados uns pozinhos de novidade escassamente mobilizadora. E foi o que se viu. 

Pedro Nuno Santos fez, entretanto, uma campanha eleitoral quase monotemática, não entendendo que o país vivia já num ambiente de amoralidade política que não iria punir excessivamente Montenegro. 

Com esses seus erros, e por essas razões, as coisas são hoje o que são. Essa é a sua culpa e, por isso, fez bem em sair. E esta é a minha opinião.

(Em tempo: para que se não diga que fiz "prognósticos depois do jogo", deixo aqui isto, escrito em 8 de março passado.)




Outros tempos, outras horas!


"Bolas! Só agora olhei para o relógio! Acho que, lá em casa, ninguém vai acreditar que estive no Procópio até estas horas".

"Esteja descansado, Francisco. Se eu atestar, acreditam".

E foi assim que, há mais de uma década, a "sedona" Alice Pinto Coelho, dona e senhora do bar Procópio, deixou atestado fidedigno daquela minha noitada.

Muitas saudades da Alice.

A ver vamos

A capacidade de resposta da União Europeia vai ser posta à prova dos nove perante os direitos alfandegários (não as "tarifas") impostos por Trump. Desejo-nos bom trabalho.

sexta-feira, maio 23, 2025

Sebastião Salgado


... e Sebastião Salgado não esteve em Gaza.

Emboscadas

Uma fotografia com um presidente americano na Sala Oval da Casa Branca foi, por muitas décadas, o testemunho de um momento importante na vida de qualquer político mundial. Trump está a transformar o lugar num local de emboscadas. Foi assim com Zelensky, agora com Ramaphosa. 

Liberdade de imprensa


Continuo fascinado pelo pluralismo mediático no Irão.

A defesa e a segurança da Europa


"A crescente imprevisibilidade na atitude dos EUA, que foi, por décadas, o principal parceiro garante da paz e regulador da segurança e defesa da Europa, torna mais imperativa e urgente a questão da "autonomia estratégica" do continente nesses domínios. Procurando deliberadamente fazer sair o debate de uma perspetiva voluntarista - daquilo que seria desejável - seria interessante abordar, de forma pragmática, o que realisticamente pode vir a ser possível fazer:

1. Que formato institucional e prático pode assumir a afirmação da autonomia estratégica nos domínios da segurança e defesa? Qual o papel que a União Europeia pode desempenhar nesse esforço europeu e como compatibilizar os seus mecanismos funcionais com posições anunciadas por alguns países membros, que se aproximam de um modelo de "diretório" - que os tratados não preveem?

2. Que evolução é plausível que a NATO possa vir a ter, que venha a ser compatível com um contexto político e institucional de maior autonomia estratégica?

3. Como assegurar apoio político, maioritário e constante, dentro das democracias europeias, e sob uma geometria variável, de vontades e de quadros políticos internos, ao esforço financeiro e militar que vai ser necessário desenvolver para esse novo modelo?"

Este foi guião que propus para o debate que moderei esta manhã, entre mais de duas dezenas de especialistas, com o embaixadora da UE, Sofia Moreira de Sousa, numa iniciativa conjunta do Clube de Lisboa / Global Challenges e da Representação da União Europeia em Portugal.

Viver no lixo

Esta é uma questão que preocupa muito pouca gente em Portugal, país habituado a viver no meio de constante poluição visual da propaganda política. Mas já pensaram que nenhum partido cumprirá os prazos para a retirada dos cartazes eleitorais? E que ninguém os multará por isso?

quinta-feira, maio 22, 2025

Revisionismo

Imagino que o Partido Socialista esteja a viver, como será natural, um momento de alguma interrogação quanto ao futuro, em função dos resultados eleitorais e da necessidade de escolher uma nova liderança. Mas, que eu saiba, o PS não vive nenhuma crise de identidade. 

Gostava, contudo, de dizer que o património político do partido estaria em seriamente em causa se acaso alguém, dentre as suas figuras com alguma responsabilidade (não me refiro aos espontâneos habituais, que fazem a alegria dos que não gostam do PS), viesse a dar o mínimo aval a qualquer proposta oportunista de revisão constitucional, oriunda dos suspeitos do costume, com "velhos e relhos" objetivos.

Se tal acontecesse, esses socialistas estariam a dar mostras de não ter percebido que o óbvio propósito da discussão agora lançada em torno da Constituição é, pura e simplesmente, tentar toldar a comemoração do seu cinquentenário em 2026 e envolver o histórico documento num manto de polémica, numa espécie de "révanche" contra o texto que consagra o 25 de Abril e os novos equilíbrios que dele resultaram. Espero, aliás, e não sentado, que nos setores social-democratas do PSD isto seja também entendido.

Ordem

Manuel Alberto Valente


Manuel Alberto Valente, além de poeta, é um nome maior do mundo editorial português. Teve responsabilidades de topo em algumas das grandes casas de edição em Portugal e, nessa qualidade, fez um percurso raro pelo mundo dos livros. Desse trajeto, guardou bastantes episódios, onde surge gente maior do território da escrita. Ao longo dos anos, os seus amigos foram ouvindo algumas dessas histórias da sua boca. Um dia, passou a partilhá-las no "Expresso", onde elas foram surgindo, semana após semana, escritas num português de lei, sempre com muita graça e interesse. Agora, "a pedido de várias famílias" (eu sou uma delas), decidiu editá-las. E elas aí estão, numa bela edição da Quetzal. No dia 2 de junho, na Livraria da Travessa, às 18.30, lá estaremos - e sei que seremos muitos - para dar um abraço ao Manel no lançamento de "O Outro Lado dos Livros - Memórias de um Editor".

quarta-feira, maio 21, 2025

Indignómetro

Quanto mais não seja por razões corporativas, estou 100% de acordo com a reação do nosso governo à atitude agressiva de Israel face aos diplomatas em Jenin. Mas - e isto nada tem a ver com Portugal - gostava de perceber melhor os patamares do "indignómetro" europeu face a Israel.

Vamos lá ver...

Vamos lá ver se nos entendemos: o Chega é um partido de extrema-direita, mas as pessoas que votaram no Chega não são, apenas por essa razão, pessoas de extrema-direita. Como nem toda a gente que, alguma vez na vida, votou no PS se converteu, necessariamente, num socialista.

"Beer, Norm?"


A mais desnecessária pergunta feita no "Cheers" - "Beer, Norm?" - tinha da parte dele respostas magníficas. A série era muito divertida e Norm, bem como o seu colega de balcão, o chatíssimo empregado dos correios, Cliff, eram alguns dos belos "cromos" que nos faziam rir. 

O actor que fazia de Norm, George Wendt, morreu agora. Tinha nascido no mesmo ano que eu.

Sinto saudades do "Cheers" e a reforma vai ser o tempo certo para revisitar a série. Mas apenas quando me reformar, claro.

terça-feira, maio 20, 2025

Estejam atentos

De agora em diante, vamos começar a assistir à tentativa de descaraterização do Chega como um grupo de extrema-direita. Vai começar (se é que já não começou) em certa imprensa, nos comentadores e nos agentes políticos a quem convém normalização do Chega.

segunda-feira, maio 19, 2025

Razão e razões

Não, o eleitorado não tem sempre razão. Tem é sempre razões e é para elas que devemos olhar.

Pior era possível

"Escapámos ao pior cenário: uma maioria absoluta do PSD", dizia-me há pouco, cúmplice, um socialista de carteirinha. Respondi-lhe, por uma vez convicto: "Estás enganado! Muito pior cenário era o PSD necessitar dos liberais para a maioria absoluta. Esse era o cenário de tragédia".

Bravães


Quando ando por perto, sabe-me bem, e conforta-me o patriotismo, passar pela igreja românica de Bravães, às portas de Ponte da Barca. Estou a ouvir o meu pai dizer, numa das vezes que ali foi comigo: "Temos sempre de nos lembrar que isto é do tempo do Afonso Henriques!" Aquele pórtico de pedra antiga trabalhada é de uma beleza que comove.

Na minha primeira vez por ali, no início dos anos 70, foi-nos dito que podíamos visitar a igreja falando com uma senhora, que vivia numa casa vizinha. Lá fomos, entregou-nos confiadamente a chave da porta lateral, fizemos a visita com total liberdade, devolvendo-lha no final. 

No sábado, a igreja estava fechada e já não havia senhora na vizinhança nem chave para levantar. É que Portugal, por várias e nem sempre simpáticas razões, vai mudando de hábitos.

O partido holograma

Com a AD, Luís Montenegro presta um considerável serviço à História contemporânea: prolonga a simpática ilusão de que o CDS, um partido que está inscrito no passado da nossa democracia, ainda existe nos dias que correm.

A boa notícia

Nesta dia de subida exponencial da extrema-direita e de reforço ligeiro da velha direita, a boa notícia é constatar que a direita radical a-social foi bafejada por um crescimento minúsculo.

Pedro Nuno Santos

Num ato de dignidade e coerência política, Pedro Nuno Santos pediu a demissão de líder do Partido Socialista e anunciou que não será candidato à reeleição. 

Não sou atualmente militante do Partido Socialista, mas fui apoiante da candidatura titulada por Pedro Nuno Santos nestas eleições. Faço assim parte dos derrotados da noite de ontem, com muito orgulho e total solidariedade. 

Nestas eleições, a mensagem política do PS não passou. Os portugueses não lhe deram suficiente suporte em votos e, como tal, há que ter humildade democrática para o aceitar, refletir e seguir adiante. 

O exercício de governo continua assim a competir à direita, a quem caberá encontrar soluções para prolongar essa governação. Se o quadro de representação parlamentar mudou, isso deveu-se exclusivamente a um exercício eleitoral provocado por um primeiro-ministro que, por motivos exclusivamente pessoais, gerou uma crise política, totalmente artificial. Sem estas eleições desnecessárias, provocadas por Luís Montenegro e por mais ninguém, a extrema-direita não teria chegado ao ponto a que chegou.

Na sua história, que se confunde com a da nossa democracia, o PS passou já por momentos bastante difíceis e, com o tempo, soube sempre superá-los e recuperar a confiança do povo português. O partido de Mário Soares, de Jorge Sampaio, de António Guterres e de António Costa é o eixo da nossa democracia, goste a direita de ouvir isto ou não.

Por isso, embora o que ontem se passou me entristeça, tenho a certeza de que o tempo fará justiça à mensagem socialista e de que, com ele, a esquerda voltará futuramente a orientar a governação do país.

domingo, maio 18, 2025

A esquerda de Abril

No meio de todo este descalabro da esquerda, fico muito satisfeito pelo facto de o PCP e o Bloco terem tido candidatos eleitos. Não voto por aquelas bandas, estou frequentemente em desacordo com eles, mas, com o Livre, eles fazem parte da diversidade da nossa esquerda de Abril.

Em modo de voo

Sou um desalinhado: soube aqui na net os resultados, mas não estou a ver televisão, nem comentários, nem caras e vozes de políticos. E assim farei até ao fim da noite. Ah! E quem me tentou telefonar nas últimas horas deve ter percebido que estou em "modo de voo"...

19 de julho de 1987

Eu estava em Genebra, integrado na delegação portuguesa à VII UNCTAD, a meio de algumas semanas de interessante trabalho, com um grupo divertido. Na nossa delegação, havia diplomatas e técnicos de vários ministérios. Nesse dia, 19 de julho, estavam a ter lugar eleições legislativas em Portugal. Em missão no estrangeiro, nós não votávamos mas, com maior ou menor entusiasmo e diferente "lateralização" ideológica, tínhamos acompanhado, dia a dia, o prélio eleitoral em Portugal. Que se decidia nesse dia.

Mário Soares, há ano e meio presidente, havia dissolvido o parlamento, para evitar que o então secretário-geral do PS, Vitor Constâncio, formasse um governo com o PRD, o partido "regenerador" que, numa eleição anterior, com um discurso "moralizador", havia "roubado" imensos votos aos socialistas. Com essa decisão, Soares "matou" o PRD de Eanes e criou as condições para Cavaco Silva arrancar a primeira das suas duas maiorias absolutas. Entre dois ódios de estimação, Soares fez a sua escolha.

Nessa noite, eu, o Rui Felix Alves e o João Luís Niza Pinheiro, três diplomatas, e o técnico do Ministério da Indústria, Frederico Alcântara de Melo, estávamos politicamente do mesmo lado. Como creio que estamos, até hoje. Juntámo-nos, "like-minded", no gabinete do Niza Pinheiro, então colocado em Genebra, para saber as últimas de Lisboa. Que, tal como no dia de hoje, acabaram muito longe de ser boas para as nossas "cores".

Recordo-me da reação de cada um de nós à maioria absoluta do PSD, e, em especial, tenho na memória o ar extraordinariamente abatido, quase em desespero, do Rui Félix Alves. "E agora! Como é que vai ser? Onde é que isto nos leva?" Cada um de nós expressava, de maneira diferente, o seu abatimento. Mas o Rui estava inconsolável! Lembro de lhe ter dito: "Ó homem! O Cavaco é um direitolas, mas não me parece nada que venha aí o fascismo!"

O Rui Félix Alves era mais antigo do que eu, no MNE, mas tinha sido meu instruendo na tropa. Um dia dos primeiros meses de 1974, antes do 25 de Abril mas depois do golpe de 16 de Março, veio ter comigo no meio da parada e, sem que nos conhecêssemos bem, atirou-me: "Eu sei que você é de esquerda. Queria dizer-lhe que estou à disposição para alinhar numa revolta contra o regime". Temendo ser uma provocação, saí da conversa como pude e "fiz-me de novas". Afinal, como depois vim a saber, no meio daquela sua ingenuidade, o Rui era mesmo "dos nossos".

Nesta que é uma noite menos simpática - gosto destes "understatements" - para a esquerda, a que eu, o Rui, o João Niza e o Alcântara continuamos orgulhosamente a pertencer, não "empanico" como o Rui fez naquela noite de 1987. Mas, desta vez, confesso que estou bastante menos sossegado com o rumo das coisas pátrias. Embora, como intravável otimista, eu continue a achar que um dia os amanhãs voltarão a cantar. Será apenas "whishful thinking"? 

(Deixo aqui um abraço solidário e saudoso ao Rui Felix Alves, ao João Luís Niza Pinheiro e ao Frederico Alcântara de Melo)

É assim

A democracia, como a quisemos depois do 25 de Abril, é a expressão política da vontade das pessoas. Vence quem consegue convencer mais pessoas, independentemente da qualidade das suas propostas. Numa sociedade livre, como é Portugal, os democratas aceitam sempre os resultados.

sábado, maio 17, 2025

Está feito!

 


Soajo



"Desta vez, não vamos ao "Espigueiro"! Onde fica o "Videira"?". Verdade seja que, desde há muitos anos, dos tempos em que as estradas não eram tão boas, estas eram as minhas únicas duas referências gastronómicas no Soajo.

Ia-se para o Soajo, em regra, por Espanha, saindo do Gerês, pela Peneda e pelo Lindoso. Depois, descia-se aos Arcos, com uma vista lindíssima a caminho do cume e dois miradouros a não perder, embora também haja uma estrada, um pouco apertada, que leva à Barca (passei por ela ontem e está "ível").

Fomos assim ao "Videira". Comemos uma posta de cachena com um gosto e uma suavidade que há muito não experimentávamos. Valeu a pena. Deixo o registo.

Coisas do muito tempo

Ontem, durante uma conversa telefónica com um amigo jornalista (cujo nome não interessa mas que todos conhecem), referi que estava a ler as memórias de um seu colega francês, Jean-François Kahn, onde ele fala do caráter "trotskizante" do regime argelino, logo após a independência do país, em 1961. Como esse meu amigo tinha navegado nessas mesmas águas políticas, perguntei-lhe o que sabia ele disso. Ele logo lembrou o "camarada" Pablo/Michel Raptis, envolvido no apoio aos independentistas e que teria sido depois um conselheiro de Ben Bella. (Por minutos, passámos então ao "fine tuning" do mundo dos admiradores de Trotsky, com a sua conhecida propensão para a cissiparidade. E, entre outros, vieram a jogo os lambertistas e a corrente de Frank, que fiquei a saber que tinha como coroa de glória ter reunido com o próprio Trotsky, antes dos tempos mexicanos). Aí, eu interroguei-me se teria sido Pablo o interlocutor trotskista de um representante da oposição portuguesa, numa congeminação que sabia montada em Bruxelas, que iria permitir a posterior instalação em Argel da FPLN, a frente anti-fascista portuguesa criada em Roma. O meu amigo disse ser provável e adiantou que, nesse caso, nessa conversa, pelo lado português, poderia ter estado Manuel Sertório, figura relevante no início da FPLN, ele próprio ligado ao trotskismo. E logo fez uma pausa de bom senso: "Não acha que isto é uma conversa muito estranha! Já imaginou quantas pessoas ainda a poderiam acompanhar?" E rimo-nos. Aventei que, aqui em Arcos de Valdevez (ou "nos Arcos", para quem é do Minho), onde me encontro a banhos de preguiça, a menção a Sertório talvez trouxesse à baila o nome de Viriato, que imagino que ainda se deva aprender na escola. E acrescentei: "Conhecerão esse Viriato mas, com toda a certeza, nunca ouviram falar de Viriato da Cruz", o poeta e revolucionário angolano que passou as passas do Algarve na China. E daí a nossa conversa transbordou, por largos minutos, para o MPLA, de Neto a Mário de Andrade, e coisas assim. Depois, cada um de nós foi à sua vida, que, como é sabido, são dois dias: amanhã já é sábado e jogam para o título dois clubes que nos dividem, a mim e ao meu amigo, e depois é domingo e há eleições em que, por vias diferentes, juntamos vontades e esperanças contra os mesmos.

O meu pai chamava a isto "conversas arbóreas": de um ramo saem outros e assim sucessivamente. De facto, é uma evidência que há cada vez menos gente capaz de acompanhar estas conversas de gente já com muito tempo na vida. Mas eu gosto delas, confesso. E acho que o Zé também.

sexta-feira, maio 16, 2025

Sorry, mas é verdade

"The meeting itself was a tactical victory for Putin, who managed to start the negotiation process without prior agreement to a ceasefire, which Ukraine and almost all of its supporters in the West had tried to make a precondition for the talks", The New York Times.

Discutir a União Europeia em Viseu

 

Ver aqui.

Teixeira Gomes em debate

Ler aqui.

quinta-feira, maio 15, 2025

Trump ou a orgia de poder


Sempre achei bastante frágil a ideia de que os Estados Unidos da América vivem um período de inexorável declínio, no sentido de que a ascensão da China e a multi-polaridade têm nas mãos os destinos do mundo.

É uma evidência que o poder mundial tem vindo a ficar progressivamente mais disperso, mas gostava que me respondessem, com sinceridade, a esta pergunta: salvo se alguém anunciasse que ia mandar executar um celerado ataque nuclear, quem, senão um presidente americano, tem a antecipada garantia de conseguir deixar o resto do mundo atarantado, por virtude de decisões que assume em nome do seu país?

Se os líderes chinês, russo ou indiano, para não falar de qualquer europeu, decidirem falar grosso em termos de comércio internacional, alguém se assusta e entra em quase pânico, como aconteceu depois de Trump ter dito o que disse? 

O poder não é outra coisa senão isso: a capacidade de conseguir constranger os outros. E essa pressão só é eficaz porque se sabe que, por detrás das palavras, há formas poderosas de a levar à prática.

Por uma conjugação até agora única de circunstâncias, os EUA reunem em si, desde há já muitos anos, o controlo de vários e importantes eixos de poder. Acresce que, com formas diferentes, a América instalou modelos de dependência um pouco por todo o mundo, que lhe servem de fator potenciador dos seus interesses. Até aos dias de hoje, nenhum outro país conjuga dimensões militares, económicas e diplomáticas tão poderosas no seu conjunto. Isto pode vir a alterar-se? Talvez, mas confesso que, por ora, não consigo prever o cenário de concretização desse futuro.

Um poder benévolo?

É sabido que os EUA tiveram um papel determinante no desenho da ordem mundial instituída desde a Segunda Guerra mundial. Essa ordem pressupunha a observância de um conjunto de regras que os EUA, curiosamente, muitas vezes se eximiam a cumprir. Porquê? Porque a América se arrogava uma excecionalidade que fazia com que o normativo internacional só fosse "enforced" quando ela deixava. Vejam-se, como elucidativo exemplo, as resoluções do Conselho de Segurança da ONU sobre Israel.

Dir-se-á que, durante a Guerra Fria, do "outro lado do espelho", ou do "muro", as coisas se passavam de forma similar. É e não é verdade: o poder condicionadoramericano, dentro da ordem multilateral, nunca teve um rival de nível equivalente, tanto mais que, com mais ou menos relutância, o mundo ocidental, sob influência ou tutela americana, foi aceitando essa liderança, às vezes vergando-se simplesmente à sua inevitabilidade. Quando, depois da implosão da União Soviética, a América passou a "hiperpotência", esse desequilíbrio acentuou-se ainda mais.

Não obstante esta preeminência, o mundo ocidental foiconstatando que, em certos ciclos políticos, mais democráticos do que republicanos, a América se coibia, algumas vezes, na demonstração arrogante da sua força, dando sinais de que tinha em alguma atenção a vontade dos outros, os interesses dos aliados e amigos, de ocasião ou não. Porém, invariavelmente, isso só acontecia, em conjunturas em que interesses essenciais dos EUA não estavam em jogo. Em muitas outras ocasiões, a palavra americana esteve sempre longe de ser suave. É que osEUA dão-se sempre ao luxo de não esconderem, ou de darem por entendido pelos outros, o seu poderio, sempre que desejam afirmar a sua vontade.

Os primeiro tempos de Trump

Tudo o que ficou escrito dizia respeito a outra América. Achegada ao poder de Trump conduz-nos para um tempo novo na atitude dos Estados Unidos na ordem internacional. A atitude de alguma condescendência com os interesses alheios deixou de ser praticada.

No seu primeiro mandato tinha sido evidente, na ordem externa, a introdução de uma agenda já fortemente "revisionista", embora um pouco caótica na sua coerência global. Veio a perceber-se, o novo presidente havia sido forçado a acomodar na sua administração personalidades que ainda estavam marcadas por uma agenda republicana mais tradicional. Isso fez com que as tensões no seio do seu primeiro governo fossem evidentes, com uma resultante final que acabou por revelar-se algo confusa. 

Mesmo correndo o risco da caricatura, ficava a sensação de que Trump tinha então como prioridade desmontar a herança dos oito anos de Obama e confrontar virtualmente a agenda que Hillary Clinton tinha anunciado que se iria seguir. Era uma outra América que aí vinha.

O essencial dessa mensagem externa, parte dela anunciada para consumo interno, foi-se clarificando: tensão deliberada com a China, uma estranha propensão para um diálogo privilegiado com a Rússia, abandono dos compromissos económicos e ambientais multilaterais, assumido protecionismo radical, egoísmo transacional no terreno securitário externo, descaso flagrante com os aliados, em especial europeus, e com o sistema multilateral em geral, obsessão com as fronteiras, desengajamento de presença militar em cenários de tensão ou conflito. A isto se somou um endurecimento com Cuba e Venezuela, um estender de mão em jeito de ultimato à Coreia do Norte. E algo mais.

A agenda pró-israelita, que nos EUA tem uma conhecida relevância interna transpartidária, ficou evidente no "upgrading" das relações bilaterais (mudança da embaixada para Jerusalem e reconhecimento da ocupação dos Golan), no endurecer da atitude face ao Irão e na saída do acordo nuclear, na promoção dos "acordos de Abraão"para atenuar bilateralmente as dificuldades israelitas no mundo árabe, no assumido viés anti-islâmico, com introdução de restrições no acesso de cidadãos dessa origem aos EUA, bem como no abandono do Conselho de Direitos Humanos da ONU. 

Trump fazia o que tinha prometido: colocar, desbragadamente, a "America first", assim respondendo aos preconceitos, medos e obsessões do eleitorado que o elegera. 

O Trump II

Há dias, alguém qualificou, de forma simples mas certeira, a postura externa de Trump neste segundo mandato: imperialista e expansionista. Sem surpresas, muitas das linhas que tinham estado presentes na gestão externa anterior surgem plasmadas neste novo tempo. Contudo, háalgumas "novidades" que permitem pensar que a nova equipa de Trump, já desembaraçada do empecilho de algum pensamento mais tradicional, trouxe para a Casa Branca, sem peias nem limites de qualquer moralidade, uma agenda nacionalista hiper-egoísta, com umaafirmação extrema de poder, só limitado pela sua própria vontade. 

O segundo mandato de Trump veio encontrar a Rússia já em disputa armada por territórios ucranianos, o que é um cenário verdadeiramente novo face ao antecedente. Trump não se acanhou perante o desafio: em dois dias, segundo disse, resolveria o assunto, acabaria com a guerra, guerraessa que, se ele tivesse estado no lugar de Joe Biden, nunca teria sido iniciada. Nisto, há que reconhecer, pode ter alguma razão, por muito que isso possa ser desagradável aos ouvidos de alguns. A Rússia poderia ter obtido de Trump, sem um tiro, algo que ainda está longe de ter conseguido, depois de três anos de luta.

Mas a guerra estava lá. E o facilitismo quase primário com que Trump tende a abordar, em geral, os temas internacionais começa a confrontar-se, neste caso particular, com um choque de realidade na complexidade do pantanoso tema da Ucrânia. À hora em que este texto está a ser escrito, ainda não é muito claro como Trump conseguirá ou não salvar a face da América neste dossiê. Uma coisa é certa: perca ou ganhe, sairá sempre "vitorioso", porque o desaire não faz parte da suanarrativa.

As surpresas

Trump II trouxe, na área externa, quatro iniciativas verdadeiramente inesperadas. 

Desde logo, a afirmação do desejo de afirmar a soberania americana sobre a Gronelândia, território sobre tutela dinamarquesa onde os EUA já operavam militarmente, em aparente ambiente pacífico. O discurso agressivo e ofensivo de Trump sobre Copenhaga é demonstrativo do grau de consideração que os países europeus lhe oferecem.

Num segundo tema, os EUA assumem uma espécie de nova Doutrina Monroe, ao afirmarem o desejo de reverter o poder do Panamá sobre o canal que o atravessa, cujo estatuto parecia ter sido eternamente resolvido. A palavra de Washington, pelos vistos, já não vale o que valia.

Surpresa imensa está a ser, também, o modo como o Canadá tem vindo a ser tratado por Trump. Não é apenas a imposição de fortes direitos aduaneiros, de que já falaremos. Trata-se do alimentar de um discurso desrespeitoso e agressivo para com um dos países que, ao longo da História, tem mostrado cultivar uma relação departicular proximidade com a América, um aliado fidelíssimo e sem falhas. Ao insinuar que o Canadá deveria passar a ser o 51º estado americano, que se trata de uma entidade internacional que não tem razão de existir com soberania própria, Trump assume uma deriva quase imperial.

A quarta surpresa, que aqui distingo porque é paradigmática de um mundo trumpiano que tem a virtualidade de se situar em limiares quase oníricos, é a ideia de transformar Gaza num grande projeto imobiliário, naturalmente considerando como questão menor o destino dos quase três milhões de pessoas que lá vivem ou viviam - porque Israel, com a complacência cúmplice da América e perante a cobardia do mundo, tem vindo a atenuar o peso demográfico no território. Quando os nazis fizeram o que fizeram aos judeus, isso fazia parte da "solução final" do problema judaico. Agora, com a vítima anterior a ser osujeito da nova oração genocida, ainda não há nome para qualificar, para a História, esta ignomínia.

O comércio

Trump é um homem de negócios. Olha o mundo como um espaço de transações. Vive obcecado com o lucro, com as vantagens. Já no seu primeiro mandato tinha ficado claro que considerava que os EUA, em lugar de terem sido os grandes ganhadores de um mundo globalizado, feito à imagem e semelhança da ideologia que a América tinha espalhado e promovido como a filosofia capitalista salvífica, era, afinal, um perdedor da História. É estranho que a potência que fez grande parte da sua riqueza global nesse registo doutrinário se revolte contra si mesma. Porquê? Por ter sido eleito, em grande parte, por uma América que pagou o preço da "destruição criativa" que está na própria essência do capitalismo, como Shumpetersempre alertou ser o mal indispensável à bondade e sobrevivência do sistema. Afinal, Joseph Siglitz deve estar a rir-se, a ver Trump associar-se, um quarto de século depois do seu livro clássico, ao "descontentes" da globalização.

Ainda não passou tempo suficiente para percebermos se Trump brincou demasiado com o fogo ao ter incendiado os mercados com os seus brutais anúncios tarifários. Claro que há um limite de impactos que, mais cedo ou mais tarde, ele terá de digerir e acomodar. Mas também é evidente que o peso dos EUA acabará por favorecer o seu "bullying" e garantir-lhe ganhos no reequilíbrio dealgumas balanças comerciais bilaterais. 

Mas como terminará a tensão com a China, cuja rigidez política lhe permite levar muito mais longe um "bluff" a que as verdadeiras economias de mercado não de podem dar ao luxo? 

E agora?

Vale a pena pensar - por muito que pensar nisso possaangustiar muita gente - que Trump só agora está a começar este seu segundo mandato. Passaram apenas 100 dias! 

Claro que a sua ação vai acabar por ser moderada pelo inevitável impacto de algumas realidades exteriores, a que não poderá escapar, mesmo que muito contra a sua vontade. É óbvio que tudo indica que as eleições intercalares de novembro de 2026 acabarão por "atar-lhe" as mãos, de alguma forma, no plano legislativo - e isso pode justificar, de certo modo, este afã decisório neste ano de aturdimento e surpresa. 

Contudo, todas essas "boas notícias" poderão pouco significar se Donald Trump, neste entretanto, vier a mudar a realidade institucional dos EUA, se conseguir levar à prática o desmantelamento ou a fragilização do aparelho constitucional, derrubando os "checks-and-balances" em torno dos quais foi consolidada a democracia americana.

Confesso que não desisto de ser otimista e de pensar, como cantava o meu saudoso amigo Fausto, que "atrás dos tempos vêm tempos e outros tempos hão-de vir". Ou, para ser mais simples, que há mais vida para além de Trump. Mas haverá?

(Artigo publicado na revista "Visão", em 1 de maio de 2025. Agora, duas semanas passadas sobre a sua publicação, sem risco de prejudicar as vendas da "Visão", já posso republicar o texto aqui.)

Com dedicatória

O anti-americanismo radical é a doença senil do pós-comunismo de alguns. Por princípio, são contra a América, o mau da fita. A arrogância po...