Eu estava em Genebra, integrado na delegação portuguesa à VII UNCTAD, a meio de algumas semanas de interessante trabalho, com um grupo divertido. Na nossa delegação, havia diplomatas e técnicos de vários ministérios. Nesse dia, 19 de julho, estavam a ter lugar eleições legislativas em Portugal. Em missão no estrangeiro, nós não votávamos mas, com maior ou menor entusiasmo e diferente "lateralização" ideológica, tínhamos acompanhado, dia a dia, o prélio eleitoral em Portugal. Que se decidia nesse dia.
Mário Soares, há ano e meio presidente, havia dissolvido o parlamento, para evitar que o então secretário-geral do PS, Vitor Constâncio, formasse um governo com o PRD, o partido "regenerador" que, numa eleição anterior, com um discurso "moralizador", havia "roubado" imensos votos aos socialistas. Com essa decisão, Soares "matou" o PRD de Eanes e criou as condições para Cavaco Silva arrancar a primeira das suas duas maiorias absolutas. Entre dois ódios de estimação, Soares fez a sua escolha.
Nessa noite, eu, o Rui Felix Alves e o João Luís Niza Pinheiro, três diplomatas, e o técnico do Ministério da Indústria, Frederico Alcântara de Melo, estávamos politicamente do mesmo lado. Como creio que estamos, até hoje. Juntámo-nos, "like-minded", no gabinete do Niza Pinheiro, então colocado em Genebra, para saber as últimas de Lisboa. Que, tal como no dia de hoje, acabaram muito longe de ser boas para as nossas "cores".
Recordo-me da reação de cada um de nós à maioria absoluta do PSD, e, em especial, tenho na memória o ar extraordinariamente abatido, quase em desespero, do Rui Félix Alves. "E agora! Como é que vai ser? Onde é que isto nos leva?" Cada um de nós expressava, de maneira diferente, o seu abatimento. Mas o Rui estava inconsolável! Lembro de lhe ter dito: "Ó homem! O Cavaco é um direitolas, mas não me parece nada que venha aí o fascismo!"
O Rui Félix Alves era mais antigo do que eu, no MNE, mas tinha sido meu instruendo na tropa. Um dia dos primeiros meses de 1974, antes do 25 de Abril mas depois do golpe de 16 de Março, veio ter comigo no meio da parada e, sem que nos conhecêssemos bem, atirou-me: "Eu sei que você é de esquerda. Queria dizer-lhe que estou à disposição para alinhar numa revolta contra o regime". Temendo ser uma provocação, saí da conversa como pude e "fiz-me de novas". Afinal, como depois vim a saber, no meio daquela sua ingenuidade, o Rui era mesmo "dos nossos".
Nesta que é uma noite menos simpática - gosto destes "understatements" - para a esquerda, a que eu, o Rui, o João Niza e o Alcântara continuamos orgulhosamente a pertencer, não "empanico" como o Rui fez naquela noite de 1987. Mas, desta vez, confesso que estou bastante menos sossegado com o rumo das coisas pátrias. Embora, como intravável otimista, eu continue a achar que um dia os amanhãs voltarão a cantar. Será apenas "whishful thinking"?
(Deixo aqui um abraço solidário e saudoso ao Rui Felix Alves, ao João Luís Niza Pinheiro e ao Frederico Alcântara de Melo)
2 comentários:
Estou em crer que o Chega é o único partido partido que pode estar genuinamente contente. O (eventual) terceiro lugar do Partido Socialista é - pode ser - circunstancial, como o foi a maioria absoluta do PS há dois (!) anos. Neste contexto, hoje é o PS em terceiro, amanhã pode ser o PSD.
Um abraço
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