Em 11 de setembro de 2001, eu era embaixador junto da ONU, em Nova Iorque A Assembleia Geral das Nações Unidas, cujos trabalhos deveriam iniciar-se no dia seguinte, sofreu uma forte perturbação e só se organizou quando a cidade e a segurança nos Estados Unidos recuperaram um mínimo de normalidade.
Em data que não posso precisar, mas ainda antes do Natal desse ano, numa livraria numa esquina da Park Avenue, cruzei-me com uma cara conhecida. Era Jose Miguel Insulza, então ministro do Interior do Chile. Três anos antes, ao tempo em que ele dirigia a diplomacia do seu país, eu tinha-o recebido como representante à Expo 98 e, no ano seguinte, como presidente interino, ele tinha-me acolhido no Palácio de la Moneda, numa visita oficial que fiz ao Chile.
Falámos, naturalmente, do trauma que Nova Iorque e aquele país atravessavam, depois dos acontecimentos de 11 de setembro. Nunca esquecerei uma frase que me disse: “Nosotros también tuvimos nuestro 11 de septiembre”. Era verdade. 11 de setembro de 1973 foi a data do sangrento golpe de Estado no Chile. Insulza fora membro do governo de Allende e esteve exilado vários anos, antes dos chilenos recuperarem a sua democracia. Como muita gente da minha geração, eu também não esquecia isso.
Ao final do dia 11 de setembro de 2001, com as torres gémeas derrubadas, com Nova Iorque sob uma núvem infernal de poeira e o choque da bárbara agressão de que a América acabara de ser vítima pelas mãos do fanatismo, um jornalista português, de Lisboa, que me entrevistava para uma rádio, comentou: “Estou certo que, depois da experiência por que está a passar, o senhor embaixador nunca mais vai esquecer a data de 11 de setembro”. Acho que ficou surpreendido pela minha resposta: “Há muitos anos que eu não esqueço o dia 11 de setembro. Em 1973, foi a data do golpe fascista no Chile”.
Posso revelar que, nos dias seguintes, recebi de Lisboa, desde logo do MNE, alguns remoques sobre aquela minha inusitada reação. É a vida de quem tem memória!
10 comentários:
E é essa memoria que eu admiro e respeito, Senhor Embaixador. E que o dignifica.
Desde que o Presidente George W. Bush anunciou uma "guerra global contra o terror" após
os ataques do 11 de Setembro de 2001, os Estados Unidos envolveram-se em combater em todo o mundo. Como em conflitos passados, as guerras pós-11/9 dos Estados Unidos resultaram em deslocamentos populacionais em massa.
Um relatório recente indica que pelo menos 37 milhões de pessoas fugiram das suas casas nas oito guerras mais violentas que os militares dos EUA lançaram ou participaram desde 2001. O relatório detalha uma metodologia para calcular o tempo de guerra e fornece uma visão geral dos deslocamentos em cada país afectado pela guerra, e aponta para os impactos individuais e sociais dos deslocamentos.
Além dos deslocamentos o relatório mostra (ao lado de mortes de guerra e ferimentos) uma análise das guerras pós-9/11 e as suas consequências a curto e longo prazo.
Em última análise, deslocar 37 milhões — e talvez até 59 milhões — levanta a questão de quem tem a responsabilidade de reparar os danos infligidos aos deslocados.
O incêndio que destruiu estes dias o campo de refugiados da ilha de Lesbos é mais miséria acrescentada para esta gente.
Na Alemanha há uma reacção brutal apôs a leitura deste estudo americano:
“Jurgen Todenhafer
Um novo estudo nos Estados Unidos e porque somos governados por hipócritas.
Caros amigos, um novo estudo americano mostra:
“As guerras dos EUA foram responsáveis por 37 a 59 milhões de refugiados desde 11 de Setembro de 2001.
A todos os políticos alemães que agora fingem emoção para os refugiados em Moria e que todos os anos concordam no Bundestag ao votar a participação alemã em operações de guerra americanas:
''Vergonha para vos! São hipócritas! O mais tardar nas próximas eleições federais aqueles que acreditam nos valores da nossa civilização já não podem votar em vos."
Foi a sorte do Chile ter aparecido um Pinochet.Basta Cuba e Venezuela que não tiveram essa sorte.
Isto hoje vai ser um fedor a estalinistas por aqui!
Se eu fosse o seu chefe na altura, tinha-o logo posto com dono: não foi diplomata, não foi sensível e não foi inteligente. Mas lembrar semelhante coisa deve pô-lo de bem com algumas pessoas.
Dito isto, sinto alguma pena dos comunas quando se fala do Chile. Andarem dezenas de anos a fazer guerras e revoluções para conseguirem impor as suas ditaduras a povos desgraçados e, depois, quando, finalmente, um dos seus é eleito democraticamente, vem um general de pistola em punho e acaba com a festa... Deve custar, que raio!
Felizmente, o Chile teve a "sorte" de ter um ditador que aceitou fazer eleições e sair pacificamente do poder, algo que os pobres povos de Cuba, Vietname, China e outros escravizados pelo comunismo ainda não tiveram.
O embaixador não poderia ter sido posto com dono porque Lisboa dificilmente saberia desta história. Quem a reportaria? O próprio para demonstrar falta de sentido diplomático?
João Vieira
O João Vieira tem de ler melhor. A entrevista e o diálogo foram em direto numa rádio nacional. E eu não demonstrei “falta de sentido diplomático”. Disse uma verdade. O juizo de oportunidade foi meu. Hoje diria a mesma coisa e, tal como em 11.9.01, escusar-me-ia a lembrar que o golpe militar fascista foi feito com pleno apoio americano. Os diplomatas devem ser “económicos com a verdade” quando querem.
Sr. Embaixador, vou deixar de ler os comentários que aqui se publicam. Que "animal anónimo" escreve o que escreveu sobre o Pinochet e quejandos? Acaso não se lembra o "animal" o que aconteceu ao Pinochet e onde e como morreu? Ou só as ditaduras comunistas é que são más? Abraço
Sr Embaixador como eu o compreendo, não deixo de me lembrar do Chile quando se fala ou escreve sobre 11 de Setembro.
Quem é que de esquerda não gostava, na altura, de apodar de "fascistas" golpes de direita ou extrema-direita? A verdade é que, com o abuso da extrema-esquerda, a palavra ficou agora muito desvalorizada
O que sempre me espanta, ao ver/ler comentários de tanta gente sobre o 11 de Setembro de 2001, é essa gente nunca se questionar por que raio de razão é que aqueles bárbaros dos aviões escolheram as torres do Centro Mundial de Comércio, em Nova York, e não escolheram, por exemplo o edifício da João XXI da nossa Caixa Geral de Depósitos...
Mas, como faz o comentador das 13.53, têm o cuidado de buscar causas para golpes de assassinos como o de Pinochet.
E nem se questionam sobre o que aconteceu no mundo tendo como pretexto o ataque às torres gémeas... Aí voltam a pôr em relevo as causas... sem grande conexão entre os mandantes sauditas daquele ataque e as consequências para "outros" que foram devastados com o fogo e a fúria dos norte-americanos. E devem achar bem, agora mesmo, que mais uma base dos estado-unidenses (das cerca de duzentas espalhadas pelo mundo) se tenha instalado na Síria, à revelia do governo desse país, e aí estejam a explorar petróleo...
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