terça-feira, abril 07, 2020

Hume


Havia lá por casa, em Vila Real, um livro com o título “Tratado da Natureza Humana”. Era uma tradução francesa de uma obra de David Hume, um importante filósofo do século XVIII. Nunca li o livro, confesso, embora, muitos anos mais tarde, tivesse vindo a conhecer a essência do pensamento do autor. O meu pai tinha-o herdado do meu avô, mas também nunca me pareceu muito interessado nele.

Um dia, tinha eu aí uns oito ou nove anos, perguntei-lhe: “Este livro é sobre quê? Quem o escreveu?” O meu pai, sem que eu lhe tivesse detetado a ironia, disse: “É de um filósofo. Foi o homem que inventou a pedra Hume...” E passou adiante. Eu registei.

A pedra Hume era uma massa translúcida que via numa prateleira da casa de banho e que o meu pai usava para estancar o sangue, em caso de pequenas feridas na feitura da barba.

Muitos anos mais tarde, numa ida a Vila Real, ao ver o livro numa estante, quando já sabia bem quem era David Hume, confrontei o meu pai com a resposta que me tinha dado. Já não se lembrava. Os miúdos fixam estas coisas, os adultos não. Rimo-nos.

Hoje de manhã, alguém me ouviu dizer, irritado com um inesperado corte na pele, ao fazer a barba: “Onde é que anda a pedra Hume?”. “A pedra quê?”, foi a resposta. Cá em casa não há nem nunca houve pedra Hume. Há uns sticks envolvidos num papel vermelho, com um nome comercial qualquer. E, como é típico destas coisas de utilização rara, para emergências, nunca estão num sítio visível quando delas necessitamos.

Enfim, coisas do quotidiano, em dias de confinamento. Prometo solenemente duas coisas: não escrever um diário deste tempo do vírus e, em absoluto, não comprar nenhum livro inspirado no tema. Já basta o que basta, e não é pouco!

8 comentários:

Luís Lavoura disse...

uns sticks envolvidos num papel vermelho

Não sei o que seja, mas deve ser algo parecido com as cotonetes. Uma porcaria de plástico, de usar e deitar fora, que as pessoas usam e depois lançam para a sanita, entupindo os canos.

Luís Lavoura disse...

Sabendo que o Franscisco é uma pessoa que preza a sua apresentação, não me atrevo a recomendar-lhe aquilo que eu faço: aparar a barba com um aparador, em vez de raspar a pele com uma lâmina.
Mas recomendo a todos aqueles que não prezam tanto a sua apresentação como o Francisco.

Paulo Vasconcelos disse...

Agora regressei atrás uns 50 anos, lembro-me perfeitamente de o meu pai usar a "pedra hume", de bom tamanho....eu ainda a cheguei a usar....acompanho o seu blogue com cada vez mais interesse. Um abraço e boa "prisão domiciliária...

Anónimo disse...

Há coisas do arco-da-velha, pois precisamente, neste instante ia dar início a uma leitura crítica de 18 pág. da Breve História da Filosofia Moderna sobre Hume de Roger Scruton.
Não tenho em casa, também nunca o encontrei à venda, o "Tratado da Natureza Humana" publicado em 1739 tinha Hume 28 mas já li cerca de uma dezena de críticas de estudiosos de Hume.
Esta Breve História de Roger Scruton é muito interessante e profundo nas análises que faz e, além de seguir a cronologia dos filósofos, explica muito bem as ligações das ideias entre filósofos assinalando as ideias originais de outros que deram origem ás ideias dos filósofos posteriores. E faz isso com boa exposição literária o que torna o livro de leitura impossível de deixar folhas ou capítulos pata trás.
Além do mais Hume foi diplomata de profissão em paris.

jose neves

Anónimo disse...

Só queria acrescentar que também conheci bem a tal "pedra hume" que o barbeiro da minha aldeia usou sempre até morrer no ano 2000.

josé neves

Anónimo disse...

Não use esses sticks brancos ardem muito.
Papel higiénico estanca o sangue em poucos minutos.

rui esteves disse...

Pelos comentários, o pessoal desconhece de todo a pedra hume. Ou então já mal se lembra. A pedra hume, é uma pedra de cor branca, um branco leitoso, translúcida, que era usada a seguir ao escanhoar a barba para refrescar e desinfectar a pele. Via o meu a usar a pedra hume quando se barbeava. Hoje encontra-se à venda nas herbanárias, mas para usar como desodorizante. E não é muito barata: um stick com formato semelhante a um desodorizante custa ± 15 €. Não comprei e fui a uma drogaria aqui da minha zona. As drogarias vendem de tudo, desde soda cáustica, sabão macaco, lâminas para a barba - daquelas de antigamente, tipo gillete - fósforos, ácidos vários para limpeza, gás em botija, etc. Perguntei se tinha pedra hume. E tinha. Por apenas 1,5 € cada, comprei duas embalagens que me devem dar para anos e anos, se eu durar assim tanto. A marca da pedra hume, em embalagem tipo Portugal anos 50, é a "444, aftershave dermoprotector", e é distribuída pela empresa Maria Teresa & Proença, Lda, com sede no Largos dos Lóios, n.º 55, no Porto. E já agora, a minha apreciação como utilizador: para quem gosta de um frescor picante a seguir ao escanhoar, é bom, é barato, e eu gosto dessa sensação.

Anónimo disse...

Um conselho às senhoras, utilizem para limpeza facial. De manhã passar pela face e pescoço, enxaguar, secar e aplicar o hidratante diário. Excelente.

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