domingo, abril 05, 2020

O discurso da rainha


Vi, há minutos, o discurso da rainha Isabel II ao país. Estava lá o essencial. Quem escreveu o texto fê-lo com uma grande atenção aos pormenores, sem gongorismos e numa linguagem escorreita e muito adequada. A mensagem tinha um tom muito profissional, bem à altura da grande profissional da representação simbólica do poder que aquela senhora é. Pela primeira vez num seu discurso real - e lembro-me de todos os anteriores, desde aquele que ela mencionou, nos anos 40 - houve um “editing” de imagem, intercalando neste caso cenas do combate ao vírus. O Reino (“so far”) Unido do futuro deve ter gostado: modernidade qb e tradição com conta peso e medida. Como gostou, com certeza, daquela imensa serenidade, a roçar, como sempre, uma aparente frieza - menos “blood, sweat and tears” e mais “we shall overcome”. Até nisso, o discurso foi britânico. Enfim, foi uma boa peça, de alguém que falou com a autoridade da muita História que já passou por ela, onde não faltou a inevitável referência à Commonwealth, embora, neste caso, a diversidade da dita impeça qualquer juízo valorativo de eficácia sobre o modo como aí terá sido sentida a mensagem. Há ainda algo que me marcou: a pompa com que todas as televisões marcaram a entrada em cena da soberana. Persiste por ali um respeito, que faz parte da coreografia que sustenta a monarquia, e que uma vez mais ficou bem visível. Mas quando esta senhora morrer, e ela “já não vai para nova”, ou há uma imensa inteligência e bom senso da parte de quem lhe suceder, ou esta “magia” dificilmente sobreviverá por muito tempo.

4 comentários:

Anónimo disse...

Uma Monarquia, bem establecida, por vezes tem algumas claras vantagens.
Existe alguém que politicamente pode falar, calma e soberanamente, em tom apartidário.
Enfim, alguém que pode falar a todo o seu Reino, com autenticidade, sem estar a namorar apoios partidários para o próximo acto eleitoral.
Exelente exemplo, este.

Anónimo disse...

Senhor Embaixador, a dita "magia" é atualmente, como dizem os ingleses wishfull thinking. O Reino Unido não é atualmente, nem cultural nem demograficamente, o mesmo país do tempo em que o Rei Jorge VI, pai da atual, fazia discursos na BBC rádio, ouvidos quase religiosamente. O protocolo vai-se mantendo simplesmente por inércia, para delight dos saudosistas. Vamos colocar as coisas em perspectiva.

AV disse...

Foi um discurso bem medido. Não teve nada a mais nem a menos. Proferido de forma firme, com um toque de ‘stiff upper lip’, mas também humano. Aos 94 anos continua um exemplo de representação da instituição que encarna.

Anónimo disse...

O impacto real das palavras da Rainha mede-se pelo facto de enquanto ela apelava para os ingleses ficaram em casa, os mesmos invadirem alegremente os parques e jardins de Londres. ;)

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...