quarta-feira, abril 08, 2020

Os dias da imprensa


Há uns tempos, em Vila Real, observei um jovem, na casa dos 20 anos, a comprar dois jornais. Porque ver alguém daquela idade sobraçar imprensa em papel é, por estes dias, uma imagem quase de ficção, ousei perguntar-lhe se ia ler aquilo que acabava de comprar. Olhou-me com alguma estranheza e explicou que os jornais eram para o avô. Nem sequer eram para o pai, dei comigo a imaginar.

Esse avô, tal como eu, era, com certeza, alguém que gostava de folhear a imprensa, de perceber, pelo lugar onde a notícia “sai”, a sua importância relativa. Olharia primeiro, como toda a gente, a página de rosto, depois talvez a terceira ou a última e, tal como a psicologia tradicional aponta, daria, provavelmente, mais importância àquilo que vem nas páginas ímpares do que nas páginas pares - numa das quais, no entanto, o leitor está a fazer o favor de me ler, neste momento, porque quem gosta da opinião sabe onde procurá-la.

No bairro onde vivo, em Lisboa, conseguir comprar um jornal é uma tarefa que exige já uma certa “expertise” – e falo dos tempos de vida normal, não deste confinamento, que nos faz perceber melhor o que deve ser estar com “residência fixa” ou de pulseira eletrónica. As escassas tabacarias, quase já só nos bairros adjacentes, fecham cedo, em algumas certos jornais ou revistas esgotam-se rapidamente, em outras há títulos (como este JN) que nunca surgem à venda. Repito: começa a dar já algum trabalho comprar imprensa em papel.

Não quero parecer catastrofista, mas, ainda antes desta crise, era óbvio que a imprensa escrita estava a perder popularidade - imagino que com exceção da que alimenta o sectarismo desportivo ou a especializada no “voyeurisme” do crime, na vida social dos “famosos”, nos desastres e em tudo o que “corre mal”. E, mesmo essa, ao que consta, estará também a declinar, substituída pelo comodismo da imagem televisiva repetida à exaustão. Irá esta crise ser-lhe fatal?

Sinto-me um utente viciado em plataformas de informação em declínio. Comecei já a migrar para o “on-line”, embora não deva ser exemplo maioritário nas pessoas da minha faixa etária. Uso iPad e iPhone e percebo o truque dos títulos preparados para os “clickbaits”, que dão aos jornais números para encantar os anunciantes. Não tenho hoje falta de notícias, tenho mesmo notícias a mais, o que é diferente de ter melhor informação. A informação são as notícias trabalhadas por alguém que nos dá plena garantia de isenção. Nos dias que correm, estou a perder esses mediadores de confiança.

5 comentários:

Anónimo disse...

Bem, um dos casos gritantes de desinformação que temos por aí são os telejornais da rtp 1, panorama tão mais grave qt se trata de serviço público. Pergunto: sendo o Embaixador membro do respectivo Conselho Geral, não haveria nada a fazer para melhorar os tristes espectáculos protagonizados pelo senhorito rodrigues dos santos e companhia? Este contribuinte ficar-lhe-ia eternamente grato.

MRocha

Luís Lavoura disse...

Uso iPad e iPhone

Usa material caro, com design. É uma pessoa de classe.

(Os iPhones são os smartphones mais caros, segundo leio no Economist.)

Francisco Seixas da Costa disse...

Luis Lavoura. Felizmente, sou uma pessoa que pode comprar o iPhone. Há também quem não tenha dinheiro para ler o The Economist. Ou não tenha tido possibilidade de aprender inglês para o fazer.

Cícero Catilinária disse...

Ou seja, futebolisticamente falando, parou no peito, colou na relva, rematou ao ângulo e... grande golo, caro Embaixador.

Anónimo disse...

Não é preciso dinheiro para ler o The Economist!

Vou ler isto outra vez...