segunda-feira, abril 27, 2020

Vasco Graça Moura


Li algures que passam hoje seis anos sobre a morte de Vasco Graça Moura. E apetece-me transcrever um texto que, no dia da sua morte, publiquei neste blogue:

“Vasco Graça Moura, que hoje desaparece, foi uma figura maior da cultura portuguesa, um brilhante obreiro da nossa língua, uma personalidade que nunca fugiu ao confronto das ideias - ele que as tinha fortes e bem estruturadas. Havia em Graça Moura uma curiosa dualidade, que ele sustentava, parecia-me, com algum prazer. Por um lado, o poeta, o tradutor, o ensaísta e o romancista (esta é a minha ordem pessoal desses seus méritos criadores), o espírito com laivos de genialidade de um intelectual sensível, possuidor de uma cultura quase renascentista, do melhor que Portugal produziu nas últimas décadas. Mas, no outro lado do espelho, havia o actor cívico (escrevo "actor" com "c", em homenagem ao opositor do Acordo Ortográfico que VGM foi), comprometido, usuário brilhante de uma escrita polémica, onde ressoava um quase caceteirismo cívico, muito ao gosto novecentista. Se VGM era um príncipe da escrita e na cultura, era também, num assumido contraste, um ferrabraz na política, embora, falado pessoalmente, estivesse sempre muito distante da ferocidade adjectivada dos seus artigos. O homem que esteve com Sá Carneiro e dele se afastou (e que dele se mantinha bem crítico) era, contudo, o mais improvável turiferário de uma figura como Cavaco Silva, depois de ter arrastado a asa a esse ridículo projeto de moralismo político que deu pelo nome de PRD. Ora se havia coisa que, de VGM, ressaltava à distância esse era o seu desprezo profundo pela mediocridade, pela pusilanimidade, pelo oportunismo, pelo Portugal mesquinho dos que não conseguem deixar de ser bem "pequeninos". Como é que, dentro de si, ele compatibilizava os olhares, críticos ou complacentes, sobre tudo isto? Talvez nunca o venhamos a saber. Embora tivesse falado muitas vezes com VGM, estava muito longe de o conhecer bem. Muita coisa nos separava politicamente e outras opções, noutros domínios, não contribuíam para nos aproximar, pelo que sempre tivemos uma relação pessoal marcada apenas por uma educada cordialidade. Mas tinha por ele um grande respeito e uma forte consideração intelectual. Há semanas, dei aqui conta de um seu excelente ensaio "A identidade cultural europeia". Esta minha última homenagem a VGM é uma sugestão para que o leiam, porque nele está o essencial da sua visão para Portugal e para esta aventura continental a que o destino nos impele. Porque Vasco Graça Moura era, essencialmente, um patriota português e isso não se improvisa: sente-se e sofre-se.”

13 comentários:

Jaime Santos disse...

Uma bela homenagem, Sr. Embaixador. Realmente, fica a pergunta, o que levou tantos intelectuais da nossa praça, pessoas como Pacheco Pereira ou o próprio Eduardo Prado Coelho, se bem me recordo, que era um homem de Esquerda, a desenvolverem esse fascínio pela figura de Cavaco Silva?

Deveríamos também perguntar como outros se deixaram enredar pela conversa de José Sócrates. Se calhar, porque se limitam a ser humanos e depois do investimento emocional que é necessário para se acreditar na visão de alguém, torna-se muito difícil aceitar que fomos afinal enganados e a pessoa é bem menos sagaz do que aparentava.

Anónimo disse...

Peço desculpa ao Senhor Embaixador mas discordo totalmente em tudo que aqui é elogioso ( e é praticamente tudo) para com esta persona que, na minha opinião, pouco foi além de ser o parasita-mor do reino.
E a prova disso é, precisamente, o afastamento de Sá carneiro, um homem culto, para apoiar e parasitar escandalosamente o inculto Cavaco que nem sequer lia jornais.Para ser claro e pegando o boi pelos cornos pode dizer-se que tal persona usou sua áurea de intelectual por forma a embasbacar o rústico de Boliqueime por forma a chular a torto e direito em seu belo proveito. E realmente levou, nesse tempo, a sua parasitagem ao cúmulo de estar anos a fio na UE à custa dos portugueses sem produzir um discurso, um documento, um trabalho ou o que quer de algo visível em prol do país. Ao contrário o que se viu foi um intenso trabalho em actividades próprias para lucros individuais especialmente como tradutor e interveniente em apresentações e colóquios que, normalmente, serviam como auto-elogio.
É o caso de "tradutor" que tanto o ocupou em Bruxelas até o seu correligionário Balsemão lhe dar o Prénmio Camões altamente renumerado. E que traduziu a persona? Traduziu os "grandes" Virgílio e Shakespear para se comparar com eles e dessa forma embasbacar o "intelectual" ao modo de Cavaco e seus "ajudantes" do governo, amigos e apoiantes; sim, pois como traduziu Vasco esses grande da literatura? Duma forma estupidamente forçada para manter a rima em português em desprezo pelo sentido poético e filosófico do original. Quem faz tal por egocentrimo próprio quere-se sempre comparar com o autor original. Veja-se o caso de Frederico Lourenço, muito maior helenista que Vasco, não ousou traduzir Homero com rima com respeito pelo pela fidelidade do texto original.
Quanto à sua obra com "laivos de genialidade" será mais ou menos do mesmo (não li, não comprei nem jamais tenciono ler) pois que o homem, mesmo nas suas crónicas nos jornais, usava do seu "helenismo" os pormenores mais desconhecidos para impressionar os tais "intelectuais" como acima ditos.
Foi tanta a sua desfaçatez de parasita que vulgarmente exigia o seu "direito" a um belo cadeirão dourado onde sentar o cu para receber do erário público e trabalhar para si como aconteceu na Casa da Moeda e por fim no CCB donde retirou o anterior director (de nome?) que já fora recondouzido.
E tinha tal parasita-mor o desplante de chamar "merda" a quem não era de sua opinião e corrente ideológica.
Que a terra lhe seja leve como o chumbo.
jose neves

Majo Dutra disse...

Gostei de o ler.
A propósito de pureza linguística, não existe o termo ''caceteirismo''...
A palavra é de gíria, imprópria para o nível do texto.

Boa saúde e confinamento agradável
~~~~~

Anónimo disse...

Caro jaime Santos pormenorize lá qual é essa "conversa" de José Sócrates, de que pelo seu escrito-dito, tem certamente um conhecimento perfeito de que se trata.
E depois pode, também explicar o que é isso "do investimento emocional que é necessário para se acreditar na visão de alguém" e porque carga de água é um investimento emocional e não pode ser racional e até especialmente analítico.
E, no seguimento, podia explicar qual era essa visão tão especial e cheia de enganos de Sócrates que levou ao engano da maioria dos portugueses por duas vezes.
O Senhor pede ao Sr. Embaixador que se junte a si para perguntar porquê outros se deixaram enganar mas por que razão especial se o senhor próprio já sabe "que fomos afinal enganados" o que pressupõe saber claramente qual, como e razão porque foi enganado.
Mas, afinal, se tem um conhecimento que o permite ter certezas porque não vai a correr, em vez de pedir ao Sr. Embaixador que investigue consigo o que já sabe, ao Dr. Juiz do "processo" e tira-lhe as dúvidas em vez de o homem andar a ler toneladas de papel e ainda não ter encontrado um só documento de prova mínima que seja?
Esse conhecimento que lhe dá a certeza da sua verdade adquiriu-o por si ou apanhou-o de ouvido? Se sabe que o homem, como no caso, pode ser menos sagaz do que aparenta como tem a certeza de que o que sabe não é a sua visão da aparência.
jose neves

Anónimo disse...

"...o mais improvável turiferário de uma figura...". Lá teria, como todos, o seu "modus operandi".
Não há bela sem senão ... e vice-versa.

Unknown disse...

Tenho muito respeito por Francisco Seixas da Costa, e não há dúvida que nos apresenta um texto elegante, de fino recorte literário, de homenagem a VGM.
VGM era um bom polemista, fazendo da polémica uma arte, e valendo-se dela para se manter na ribalta política e mediática. Escrevia bem. Foi homenageado várias vezes ainda em vida, e bem, sendo conhecida a sua doença prolongada que o viria a vitimar. Merece ser estudado nas faculdades de Letras.
Porém, acho que havia vultos na atual época, alguns já falecidos, merecedores de maior atenção do que VGM.
Acho que VGM era um intelectual que se enquadrava bem naquele grupo de personalidades da cultura e da nossa história cultural que Ratazzi tão bem caracterizou quando visitou Portugal no âmbito da sua literatura de viagens, produzida quando calcorreou a Europa de comboio no século XIX.

josé ricardo disse...

Concordo em geral do que disse sobre Vasco Graça Moura. Era um caceteiro político e um brilhante académico na área das humanidades.
Quanto à sua vertente caceteira, recordo uma intervenção dele, há muitos anos, num direto televisivo em que se opunha a um outro grande intelectual chamado António Quadros, nos seus últimos meses de vida. Vasco Graça Moura, ao estilo de André Ventura, deixou António Quadros absolutamente desconcertado e sem grande defesa. Pois bem, a coisa ficou por ali, numa amargura triste para o Partido Socialista que António Quadros representava nesse programa. Acontece que a desforra veio, creio, no dia seguinte (?), na televisão, através de um mais bem estruturado político, muito jovem, chamado… António Costa. E este, sem apelo nem agravo, arrumou completamente Vasco Graça Moura, encostando-o às cordas e deixando-o atordoadíssimo. Gostei de ver e simpatizei com a fibra do Costa, ainda para mais quando o que estava em causa era, sobretudo, mais do que o combate de ideias políticas, o repor a dignidade de um grande homem que foi António Quadros.

Anónimo disse...

Caro Francisco,

O Vasco foi um grande poeta, um grande tradutor, um grande ensaísta e um grande agente cultural.

Sobretudo, foi um grande amigo. Esteve cá sempre para me apoiar nas horas boas e nas horas más.

Nunca o esquecerei e faz-me muita falta.

Um abraço ao longe.

JPGarcia

Anónimo disse...

Subscrevo na íntegra o comentário (anónimo?) de José Neves

Anónimo disse...

Nunca falei com V.G.Moura nem lhe devo obrigações. Mas o comentário do José Neves de 27/4 ás 22:38 incomodou-me. Quem escreve aquele vómito sobre um vulto que morreu há 6 anos e obviamente não está cá para se defender, é muito rasteiro, não passa de um reles invejoso complexado.

Anónimo disse...

Caro anónimo das 12,43 é só para lhe dizer que não sou nem estou minimamente "complexado" de nada pois não sou como VGM e se o quisesse ser a minha natureza impedia-o.
E noto-lhe que quem escrevia nos jornais verdadeiros vómitos era, precisamente, o VGM.
Se "merece" ser estudado já se questionou porque razão o não é!

Nota: aproveito para rectificar que as traduções são Shakespear e Dante e não Virgílio. Este não sei se traduziu ou não pois a partir daquelas duas traduções rimadas para parecer-ser obra própria em estúpido detrimento e desvalorização dos originais.

Anónimo disse...

Senhor embaixador! Subscrevo o que refere sobre esse vulto da cultura portuguesa, quer se goste, quer não se questione! Era um ser admirável que, como todos nós, tinha as suas idiossincrasias. Bem haja

Anónimo disse...

Também eu,subscrevo, na integra, o comentário de José Neves. Já agora.Estava-se a falar do VGM e do Bronco de Boliqueime e lá tinha que vir o Sócrates.

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