Havia lá por casa, em Vila Real, um livro com o título “Tratado da Natureza Humana”. Era uma tradução francesa de uma obra de David Hume, um importante filósofo do século XVIII. Nunca li o livro, confesso, embora, muitos anos mais tarde, tivesse vindo a conhecer a essência do pensamento do autor. O meu pai tinha-o herdado do meu avô, mas também nunca me pareceu muito interessado nele.
Um dia, tinha eu aí uns oito ou nove anos, perguntei-lhe: “Este livro é sobre quê? Quem o escreveu?” O meu pai, sem que eu lhe tivesse detetado a ironia, disse: “É de um filósofo. Foi o homem que inventou a pedra Hume...” E passou adiante. Eu registei.
A pedra Hume era uma massa translúcida que via numa prateleira da casa de banho e que o meu pai usava para estancar o sangue, em caso de pequenas feridas na feitura da barba.
Muitos anos mais tarde, numa ida a Vila Real, ao ver o livro numa estante, quando já sabia bem quem era David Hume, confrontei o meu pai com a resposta que me tinha dado. Já não se lembrava. Os miúdos fixam estas coisas, os adultos não. Rimo-nos.
Hoje de manhã, alguém me ouviu dizer, irritado com um inesperado corte na pele, ao fazer a barba: “Onde é que anda a pedra Hume?”. “A pedra quê?”, foi a resposta. Cá em casa não há nem nunca houve pedra Hume. Há uns sticks envolvidos num papel vermelho, com um nome comercial qualquer. E, como é típico destas coisas de utilização rara, para emergências, nunca estão num sítio visível quando delas necessitamos.
Enfim, coisas do quotidiano, em dias de confinamento. Prometo solenemente duas coisas: não escrever um diário deste tempo do vírus e, em absoluto, não comprar nenhum livro inspirado no tema. Já basta o que basta, e não é pouco!
8 comentários:
uns sticks envolvidos num papel vermelho
Não sei o que seja, mas deve ser algo parecido com as cotonetes. Uma porcaria de plástico, de usar e deitar fora, que as pessoas usam e depois lançam para a sanita, entupindo os canos.
Sabendo que o Franscisco é uma pessoa que preza a sua apresentação, não me atrevo a recomendar-lhe aquilo que eu faço: aparar a barba com um aparador, em vez de raspar a pele com uma lâmina.
Mas recomendo a todos aqueles que não prezam tanto a sua apresentação como o Francisco.
Agora regressei atrás uns 50 anos, lembro-me perfeitamente de o meu pai usar a "pedra hume", de bom tamanho....eu ainda a cheguei a usar....acompanho o seu blogue com cada vez mais interesse. Um abraço e boa "prisão domiciliária...
Há coisas do arco-da-velha, pois precisamente, neste instante ia dar início a uma leitura crítica de 18 pág. da Breve História da Filosofia Moderna sobre Hume de Roger Scruton.
Não tenho em casa, também nunca o encontrei à venda, o "Tratado da Natureza Humana" publicado em 1739 tinha Hume 28 mas já li cerca de uma dezena de críticas de estudiosos de Hume.
Esta Breve História de Roger Scruton é muito interessante e profundo nas análises que faz e, além de seguir a cronologia dos filósofos, explica muito bem as ligações das ideias entre filósofos assinalando as ideias originais de outros que deram origem ás ideias dos filósofos posteriores. E faz isso com boa exposição literária o que torna o livro de leitura impossível de deixar folhas ou capítulos pata trás.
Além do mais Hume foi diplomata de profissão em paris.
jose neves
Só queria acrescentar que também conheci bem a tal "pedra hume" que o barbeiro da minha aldeia usou sempre até morrer no ano 2000.
josé neves
Não use esses sticks brancos ardem muito.
Papel higiénico estanca o sangue em poucos minutos.
Pelos comentários, o pessoal desconhece de todo a pedra hume. Ou então já mal se lembra. A pedra hume, é uma pedra de cor branca, um branco leitoso, translúcida, que era usada a seguir ao escanhoar a barba para refrescar e desinfectar a pele. Via o meu a usar a pedra hume quando se barbeava. Hoje encontra-se à venda nas herbanárias, mas para usar como desodorizante. E não é muito barata: um stick com formato semelhante a um desodorizante custa ± 15 €. Não comprei e fui a uma drogaria aqui da minha zona. As drogarias vendem de tudo, desde soda cáustica, sabão macaco, lâminas para a barba - daquelas de antigamente, tipo gillete - fósforos, ácidos vários para limpeza, gás em botija, etc. Perguntei se tinha pedra hume. E tinha. Por apenas 1,5 € cada, comprei duas embalagens que me devem dar para anos e anos, se eu durar assim tanto. A marca da pedra hume, em embalagem tipo Portugal anos 50, é a "444, aftershave dermoprotector", e é distribuída pela empresa Maria Teresa & Proença, Lda, com sede no Largos dos Lóios, n.º 55, no Porto. E já agora, a minha apreciação como utilizador: para quem gosta de um frescor picante a seguir ao escanhoar, é bom, é barato, e eu gosto dessa sensação.
Um conselho às senhoras, utilizem para limpeza facial. De manhã passar pela face e pescoço, enxaguar, secar e aplicar o hidratante diário. Excelente.
Enviar um comentário