domingo, abril 26, 2020

O homem da bandeira



Ontem, quando vi a fotografia do homem que percorreu sozinho a Avenida da Liberdade, no dia dela, com uma grande bandeira nacional às costas, lembrei-me de uma figura que, durante a ditadura, sempre em solene silêncio, surgia com uma idêntica bandeira nos atos públicos oposicionistas. A primeira vez que recordo tê-lo visto foi no funeral de António Sérgio, nos Prazeres, em janeiro de 1969.

Era um homem alto, magro, de cara seca e fechada. Aquela imensa bandeira, que imagino irritasse a polícia que sempre por ali andava, fardada ou travestida, era, em si mesma, um imenso berro à liberdade. Um dia, vim a saber que o homem se chamava Américo.

Ao que agora apurei, depois do 25 de abril, o Américo passou a surgir nas manifestações do Partido Socialista. Mas eu, no PREC, nunca frequentei as manifestações do PS. Andava por outras paragens...

É pena se não foi dada ao Américo a Ordem da Liberdade e não teve a bandeira nacional a cobrir-lhe o caixão, na hora da morte.

Ainda no dia de ontem, ao ver o filme de Glauber Rocha sobre o 1° de maio de 1974, surgiu-me a imagem do Américo, o homem da bandeira.

6 comentários:

disse...

os heróis incógnitos são quase sempre os maiores...

Anónimo disse...

Esse homem da bandeira era um verdadeiro antifascista. Nada a ver com os do dia 26.

Anónimo disse...

Uma narrativa deliciosa e uma história contada com muito realismo e piada. Bem haja

Anónimo disse...

O meu avô paterno foi uma das referências da minha vida de criança e adolescente.
Todos os anos, pelo 5 de Outubro, subia ao Cemitério do Alto São João, depois à Praça António José de Almeida para uns «Viva a República».
Morreu em 1968, com 93 anos.
Foi um dos muitos que morreu sem saber qual a cor da liberdade.
Estava na Praça António José de Almeida, quando, no 5 de Outubro de 1958, a PIDE prendeu o General Humberto Delgado.
O meu pai dizia-lhe que ele devia deixar-se dessas romagens que não conduziam a nada.
«Dizes tu! Eu e o homem da bandeira nunca falhamos!»
Referia-se a um republicano que, no 5 de Outubro, aparecia com uma grande bandeira portuguesa. Esse chegou a ver a cor da liberdade e, depois de Abril, foi militante do Partido Socialista.
Num 25 de Abril, o meu pai whiscava, eu gintonicava, Cecília Bartoli, em fundo, cantando Vivaldi, discorríamos sobre os tempos idos, dos que estavam para chegar e ele batia na tecla de que o 25 de Abril acabaria nas mesmas evocações-quase-solitárias do meu avô e dos companheiros republicanos históricos.
Sucedeu nascer um desesperante silêncio, agitei o gelo no copo, olhei a rodela de limão, murmurei para dentro de mim que o meu pai era capaz de ter razão, mas deixei o silêncio escorrer…
Que nada perturbe esse silêncio… ainda estou a ouvi-lo… e numa, difusa, vagamente avermelhada, imagem, admito ver o meu avô e o homem da bandeira…

Anónimo disse...

Suspeito que o pai deste anónimo já está com a razão
João Vieira

Júlia Matos Silva disse...

Caro Francisco Seixas da Costa,
Sem prejuízo de apreciar o seu texto onde homenageia o admirável "homem da bandeira", venho por este meio esclarecer a suposta autoria do documentário «As Armas e o Povo». O documentário é uma síntese imagética de diferentes filmagens efectuadas entre os dias 25 de Abril e 1 de Maio de 1974 por vários realizadores e é o resultado de difícil trabalho de síntese efectuado pelo realizador Fernando Matos Silva, que elaborou a montagem. O Glauber Rocha estava exilado em Paris e havia atravessado as fronteiras, para viver a revolução do 25 de Abril em direto. Quem filmou as entrevistas do Glauber Rocha foi o realizador António Escudeiro, também já falecido.
Envio-lho um texto publicado no facebook pela historiadora Irene Pimentel que ajuda a clarificar a problemática da autoria de um filme coletivo.
Como sei que era amigo do àlvaro Guerra, gostaria ainda de lhe poder enviar um texto
sobre a extraordinária noite, vivida em minha casa, a partir das seis horas da tarde do dia 24 e as 5 horas da manhã. O Álvaro Guerra, nosso íntimo amigo, e o Fernando Matos Silva, meu marido, estavam totalmente envolvidos em tudo o que ia acontecer.
Ao nascer do dia, o Álvaro foi para o jornar República e o Fernando foi filmar o uque estava acontecer e são dele as imagens do Largo do Carmo, dado que a televisão só chegou ao final da manhã. Se tiver interesse em lar a narrativa desta 2jornada particular" envie-me o seu endereço de mail.
Júlia Matos Silva (juliams@mail.telepac.pt)
Texto de Irene Pimentel
«O filme não é da autoria de Glauber Rocha, como há muitos a referir. Se forem ver o IMDB, foi realizado por um colectivo de realizadores, dos quais Fernando e João Matos Silva, Fernando Lopes, Manuel Costa e Silva e Fonseca e Costa, entre outros. As imagens e entrevistas do Glauber Rocha foram um acrescento, pois o realizador brasileiro só chegou a Portugal já a 29 ou 30 de Abril. E como viram, o filme tem imagens do 25 de Abril no largo do Carmo, filmadas por Fernando Matos Silva, que também, com outros, filmaram a saída da prisão de Caxias. A montagem do filme foi de Fernando Matos Silva. A autoria deste excelente filme é um colectivo de muitos realizadores portugueses e de Glauber Rocha. Podem ver os nomes deles, abaixo. O facto de ser assinado colectivamente por um Sindicato de realizadores tem a ver com o "ar do tempo" do 25 de Abril: tudo era considerado colectivo, nada individual.»

Maduro e a democracia

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