terça-feira, março 03, 2020

Brasil

Desde que saí do Brasil, fui-me habituando a alimentar regulares discordâncias com amigos que por lá criei. Alguns com posições diametralmente opostas, note-se. Aquele país entrou numa “guerra de trincheiras” da qual me recuso a ser parte.

Vem isto a propósito da atribuição, pelo município de Paris, de uma distinção ao antigo presidente Lula. 

Há amigos meus indignados com o que consideram ser uma provocação, uma atitude desajustada face a um cidadão cuja precária liberdade, de que atualmente usufrui, não pode fazer esquecer que ele foi já condenado em justiça e sobre ele impendem ainda outras acusações.

Outros amigos, porém, exultam, por estas horas, ao verem como que implicitamente reconhecido pelo mundo que Lula está a ser sujeito, no seu país, a um processo condenatório completamente enviesado, por motivos puramente políticos, sob um corpo de provas frágil e muito pouco credível.

(Já imagino o que virá “por aí”, em termos de comentários indignados!).

Não sou brasileiro, não sou juíz, mas acompanho com alguma atenção o que se passa naquele país. Por isso, apenas quero dizer uma coisa, bem simples: não tenho a certeza de que Lula não seja culpado de alguma coisa, mas tenho a convicção (que, valha ela o que valer, é a minha e por isso aqui a deixo) de que a sua culpabilidade é bem menor do que a diabolização que dele querem fazer.

3 comentários:

Joaquim de Freitas disse...

Muito bem, Senhor Embaixador pelo seu texto, que subscrevo inteiramente. Que importam as reações dos reacionários! O Sr. é um democrata.

Mas vale a pena consultar o que escrevia a imprensa francesa sobre Lula, agora que os membros eleitos da municipalidade parisiense votaram, e bem, a sua cidadania parisiense.

Courrier International, 22 de Setembro de 2016: "Os procuradores estimam que os montantes indevidos cobrados pelo Sr. Lula ascenderiam a 3,7 milhões de reais (cerca de 1 milhão de euros) ... ».
Montantes cobrados, não montantes que teriam sido cobrados. O condicional então intervém para indicar dúvidas sobre... A quantia.

Challenges, 19 de Dezembro de 2017: "... Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), ameaçado de inelegibilidade para as eleições presidenciais de 2018 por receber um triplex em troca de serviços prestados a outro grupo de construção.
Então, recebeu um triplex, sem dúvida.

L'Express, 1 de Mrço de 2018: "Brasil: ex-Presidente Lula "inocente" e mais do que nunca candidato."
Reparar nas citações irónicas de "inocentes".


Valeurs Actuelles, 9 de Abril de 2018: "... No entanto, não só a sua convicção está motivada, como pode não ser única... ». Sem comentários.

Liberation, 19 de Agosto de 2018: "O ex-chefe de Estado está detido por corrupção e branqueamento de capitais".
Note-se que não está detido por acusações de corrupção, mas por corrupção.

Valeurs Actuelles, 25 de Janeiro de 2018: "A condenação em julho de 2017 não estava no vento, o juiz Sérgio Moro tinha proferido o seu veredicto, fundamentando a sua decisão num relatório de 218 páginas."
Convicção em “betão armado”!

Os que condenaram Lula, sem esquecer aquele presidente que foi logo parar à prisao por corrupçao, têm muitas mais culpas no cartorio que Lula.

Anónimo disse...

Os crimes de Luca comparados aos que se imputam ao Sócrates parecem coisinhas menores. Uma casinha...

disse...

Sr. Embaixador,
Esta é para si: "Lula ladrão, roubou meu coração!"

O outro lado do vento

Na passada semana, publiquei na "Visão", a convite da revista, um artigo com o título em epígrafe.  Agora que já saiu um novo núme...