segunda-feira, março 09, 2015

Garagens


Um velho e querido amigo polaco, de há mais de duas décadas, antigo membro do governo e hoje deputado europeu, ironizava ontem no seu Twitter que, enquanto os cidadãos da Europa ocidental se preocupam em ter um segundo carro na sua garagem, os cidadãos do leste europeu preocupam-se em não ter por lá um tanque russo...

Esta é a mostra do contraste de perspetivas que se vive no seio da União Europeia sobre a questão russa. Na Polónia, tal como nos países bálticos, respira-se hoje um ambiente de pouco abafada angústia quanto à Rússia, às suas ambições e ao grau de determinação do mundo ocidental de lhe fazer frente. Essa Europa mais a Leste vê com preocupação que a prosperidade e o bem-estar no ocidente europeu, ameaçados, por exemplo, pelo custo das sanções à Rússia e pelas necessidades em fornecimento de gás cuja torneira está em Moscovo, são fatores que mobilizam, muito mais que a segurança, as respetivas opiniões públicas.

Ao meu amigo polaco eu poderia perguntar se o seu país e outros dessa área não terão, involuntariamente, sido co-responsáveis pela criação na Ucrânia de expetativas que o bom-senso deveria ter moderado e que, indiretamente, também estão hoje por detrás da tragédia que aquele país atravessa. Eu não tenho certezas mas, na verdade, também não sou vizinho próximo da Rússia.

A Europa, a Grécia e nós


Aqui fica o link para a intervenção que fiz na conferência "Grécia e agora?" promovida pelo Instituto de Direito Económico, Financeiro e Fiscal da Faculdade do Direito da Universidade de Lisboa, no passado dia 4 de março.

Declaração de interesses

Neste ano em que, lá para outubro, se decidirá a quem vai competir a futura liderança política do país, decidi aceitar o honroso convite que me foi feito para integrar um grupo de pessoas a quem caberá acompanhar a preparação do programa socialista para as próximas eleições legislativas.
 
Fazem parte desse grupo Ana Maria Bettencourt, António Correia de Campos, António Vitorino, Augusto Santos Silva, Gustavo Cardoso, Helena André, Helena Freitas, João Cravinho, Paulo Pedroso e eu próprio.
 
Há muito que decidi, em definitivo - e eu sou dos que levam a sério a palavra irrevogável -, nunca mais voltar a ter ação política ativa, mas considerei ser meu dever cívico integrar esta tarefa, pontual e limitada no tempo, de aconselhamento de quantos  se envolvem no esforço democrático e patriótico de preparar uma agenda de alternância, capaz de resgatar o país do improviso governativo que sobre ele se abateu nos últimos anos.
 
Se estiverem de acordo comigo, "wish me luck"! Se não estiverem, amigos como dantes e, lá para outubro, logo regressa o quartel-general a Abrantes...

domingo, março 08, 2015

Viva o Estado!

Nestes dias que antecederam o 8 de março, o que mais se ouviu por aí foi a crítica - muito justa - ao facto de muitas mulheres serem discriminadas, face aos homens, na sua retribuição salarial. 

Ninguém se terá lembrado - e seria muito justo que isso fosse dito - que, na Administração Pública, não existe hoje a menor discrepância de salários entre homens e mulheres.

Quando tanto se diaboliza o serviço público, convém que, ainda dentro do dia internacional da mulher, possamos, também a este respeito, dizer com orgulho: viva o Estado! 

8 de março

Neste dia internacional da mulher, e num tempo em que combate à violência doméstica está (felizmente) na atualidade, vale a pena lembrar, pelo que revela de um Portugal que, se calhar, ainda continua a existir por aí, o que uma mulher de A-Ver-o-Mar dizia à escritora Luísa Dacosta, quando interrogada sobre se o marido lhe batia: "Ele não me bate muito, só o preciso".

O drama presidencial


O senhor presidente da República deve receber em Belém os insofismáveis registos de opinião que dão nota de que a generalidade dos portugueses avalia hoje, de forma amplamente negativa, a sua prestação no lugar que ocupa. Seria interessante, se não fosse impossível, o país conhecer o que infere o chefe do Estado desse facto, a quem atribui as culpas desse estado de alma da nação face ao seu supremo magistrado - num fim de mandato que, por regra, leva à atenuação das arestas da crítica e à cristalização, no imaginário coletivo, de um somatório das qualidades que a benevolência da memória pública foi capaz de decantar nos titulares cessantes do cargo. Mas podemos imaginar, atentando naquilo que conhecemos da personagem, que o senhor Presidente não se deve auto-atribuir grandes responsabilidades nesse estado de coisas, passando as culpas para a conjuntura adversa, para o viés da comunicação social, para a má fé das forças políticas e dos fazedores de opinião. O senhor presidente, lá no fundo, deve achar-se filho daquela senhora que, ao ver um pelotão militar marchar, conclui que só o seu rebento leva o passo certo.

Ontem, o senhor presidente, ao comentar as trapalhadas das contas do primeiro-ministro com o erário, deu uma prova mais de que permanece numa profunda dessintonia com o país, que - com todo o devido respeito - não entende que lhe compete interpretar o sentimento maioritário dos portugueses e que o cargo que ocupa imporia que mantivesse, até ao último dia que o vai exercer, uma neutralidade e uma avaliação elevada da situação política que lhe compete tutelar. Resta a leitura de que, por detrás deste evidente gesto de não adesão à exigência nacional da clarificação, de uma vez por todas, do passado profissional, fiscal e contributivo do dr. Passos Coelho, o senhor presidente da República possa estar a ecoar subliminarmente o seu próprio embaraço, o facto de não ter deliberadamente deixado dilucidada uma questão que o país sabe que continua a ser-lhe incómoda: a sua lamentável relação com o caso BPN. Neste teatro de sombras em que o palácio de Belém se converteu, este parece ser o drama do senhor presidente. Que, para o país, é uma tragédia.

Festivais


Sou de um tempo em que o festival português da canção e, depois, o da Eurovisão, paravam o país, comigo incluído, bem entendido. Lembro-me bem de uma noite de 1967, no Porto, em que só uma réstea de bom-senso me fez optar por ir para o "galinheiro" do Palácio de Cristal, ver um Portugal-Espanha em hóquei, em vez de assistir, na sala de TV do Centro Universitário, à vitoria de "O vento mudou", de Eduardo Nascimento. No ano seguinte, colaborei com o júri que, em Vila Real ("Aqui vão os votos do júri de Vila Real: canção número 1..."), certificou a escolha de "Verão", de Carlos Mendes.  Em 1969, Simone de Oliveira quase que trasladou para a final da Eurovisão, em Madrid, a "alma" do país, com a "Desfolhada". A dimensão popular da sua recepção em Santa Apolónia derrotou a chegada do Porto de Humberto Delgado, em 1958, e estabeleceu uma fasquia a que Mário Soares não conseguiu estar à altura, quando por aí regressou do exílio, em 1974.

Esse foi também o início do cíclico, angustiado e também muito lusitano tempo das "vitórias morais", da denúncia das sinistras conspirações internacionais contra as nossas inspiradas obras, pela óbvia perfídia dessa Europa a que já havíamos aderido vocalmente "avant la lettre". Tempo que passou a consagrar, com a vitória interna, a saudável presença de José Carlos Ary dos Santos nestas lides musicais. A textos seus se ficaram a dever alguns dos melhores momentos do festival.

A canção vitoriosa em 1974 foi a senha da Revolução de abril, com Paulo de Carvalho a cantar "E depois do adeus". O adeus à ditadura foi, para mim, o início do adeus ao festival. Em 1975, um capitão de Abril (!) representou Portugal na Eurovisão, num escusado pleonasmo político-musical. Seguiram-se dois anos de canções militantes para, finalmente, o nosso país passar a eleger coisas com títulos tão significativos como "Dai-li, dai-li dou", "Sobe, sobe, balão sobe", "Baunilha e Chocolate" ou outros com idêntica profundidade e inspiração lexical. Nuns anos, ainda houve recaídas para o cançonetismo de "mensagem", noutros, há que reconhecer, aconteceram momentos musicais com alguma graça e qualidade. Muito poucos.

A presença da canção portuguesa nos festivais da Eurovisão é, desde o primeiro dia, desde 1964, um dos raros momentos do ano em que a política externa portuguesa é assumida pela generalidade dos telespetadores que ainda ligam ao tema: "vamos a ver se os "nuestros hermanos" votam ou não em nós!"; "ainda estou para saber para que serve a velha Aliança? Os "bifes" deixaram-nos cair"; "espero que os nossos emigrantes ponham a França a nosso favor"; ou "e deixámos nós aqueles tipos entrar para a Europa para agora não nos darem nem um pontinho...". E só registo os comentários publicáveis, claro. João Abel Manta retratou como ninguém, em tempos de ditadura (e, julgo, teve um ridículo processo censório por isso), esse "musicopatriotismo", como a imagem acima atesta.

Há cinco anos, escrevi por aqui o texto que acaba de ler. Há minutos, ao ouvir uma miúda (bem gira, por sinal!) aos berros e desafinada, que parece que nos vai representar à cidade da música, para uma gala da Eurovisão que agora inclui a Austrália (!!!), quase que senti saudades da "Oração" do António Calvário, já há meio século.

sábado, março 07, 2015

Memorabilia diplomatica* (I): Comissões mistas

Naqueles tempos, as chamadas “comissões mistas”, as visitas técnicas de membros dos governos aos seus homólogos de outros países, para assinar ou cumprir acordos, demoravam vários dias, entrecortados de trabalho e de algum lazer. Bons tempos esses!

Estávamos em Marrocos, no início da minha carreira, e eu fazia parte de uma dessas delegações, chefiada por um político jovial e mundano, saído de uma área técnica que não vem para o caso referir.

Acabado o jantar oficial do primeiro dia, em Rabat, o nosso governante chama-me à parte e coloca-me uma questão: “Você é muito mais novo que eu, mas já ouviu falar do caso Profumo?”. Ora eu conhecia bastante bem a história do ministro da Defesa britânico, John Profumo, que, uns bons anos antes, havia caído em desgraça, com grande escândalo público, por partilhar uma amante com o adido militar soviético.

Estranhei um pouco que a curiosidade prosseguisse, numa linha inquisitiva: “E lembra-se do nome dela?”. Com algum gozo, mostrei a minha familiaridade com a intriga política londrina e disse-lhe que ela se chamava Christine Keeler. Ele ficou satisfeito.

Mas o que eu não sabia, e ele logo me revelou com um sorriso cúmplice, é que, segundo informações seguras de que dispunha, Christine Keeler vivia então em Marrrocos, mais precisamente em Casablanca, onde dirigia nada mais nada menos que uma próspera “casa de meninas”.

Chegado a este ponto, o nosso político – que, diga-se de passagem, não foi muito longe na sua carreira governativa – lança-me o desafio: “Meu caro, você é um homem do mundo, lá dos Estrangeiros e agora vai ter de mostrar o que vale. Tem como missão arranjar maneira de, numa destas noites, eu dar um salto lá à “casa” da Keeler. Fale com o protocolo marroquino, eles estão habituados a estas coisas. E você, se quiser, até pode vir comigo. Tome bem nota: é um encontro com a História!”.

Caí das nuvens, confesso. Fiz-lhe ver que, andando nós com batedores, com uma delegação relativamente numerosa e enredados em compromissos oficiais vários, era um pouco delicado e difícil montar uma escapada lúdica daquele porte, para uma cidade a quase uma centena de quilómetros da capital. Mas o nosso político insistia e, praticamente, só não ameaçou queixar-se de mim em Lisboa porque, apesar de tudo, este tipo de tarefas não fazia parte, pelo menos obrigatória, da “job description” dos nossos diplomatas.

A minha discreta missão junto do protocolo marroquino não teve, porém, aquilo que se possa qualificar como um acolhimento entusiasmado. No entanto, para atenuar os fulgores do nosso político, lá se conseguiu para ele um programa alternativo, através de uma espécie de “room service” feminino, que a viúva de um antigo chefe da polícia de Rabat tinha à época instalado para clientes VIP, no hotel onde nos alojávamos. Do mal o menos.

John Profumo morreu já há alguns anos, bem depois no nosso episódico governante. Christine Keeler, que tem hoje 73 anos (na bela foto que reproduzo tinha 19), acabou por ganhar renovada fama, em 1989, com o filme “Scandal“, onde era relatada a sua aventura londrina. Não verifiquei, na autobiografia que publicou, os relatos das suas posteriores noites de Casablanca. Mesmo que o tivesse feito, e graças à minha lamentável imperícia diplomática, eles não poderiam incluir qualquer nota sobre a visita de um fogoso político português, nos idos da década de 70. A menos que outros por lá tivessem andado! Quem sabe?...
* Memorabilia diplomatica : inicio hoje a republicação de historietas diplomáticas já inseridas neste blogue, que o tempo deixou para trás e que, naturalmente, dificilmente serão do conhecimento dos leitores mais recentes. Irei numerá-las à medida da sua republicação, que será feita sem qualquer critério temporal. Usando a frase que as escolas hoteleiras ensinaram a dizer, nos restaurantes, aos miúdos delas saídos, "espero que gostem".

sexta-feira, março 06, 2015

Quadratura do Círculo


Por amiga sugestão de Jorge Coelho, simpaticamente aceite pela equipa da "Quadratura do Círculo", substituí-o na última edição do programa. Agradeço-lhe a experiência. Como diria Américo Tomás, só tenho um "adjetivo" para a qualificar: gostei! 

O convidado foi muito bem tratado pelos episódicos companheiros de mesa. Quem o não terá sido da mesma forma foi o dr. Passos Coelho, sobre quem convergiram algumas críticas fortes, de que pode ver uma amostra aqui. É a vida, repetindo a frase de um seu saudoso antecessor no cargo que ocupa!

quinta-feira, março 05, 2015

"Público"


Hoje, o "Público" faz 25 anos.

Quando apareceu, em 1990. o diário representou uma lufada de ar fresco no panorama jornalístico português, com uma importância quase similar àquela que o "Expresso" teve nos estertores da ditadura - e não será por acaso que o "Público" foi criado por gente saída do "Expresso". O "Público" passou a ser o nosso "Le Monde", o nosso "El País", o nosso "La Reppublica". Era, manifestamente, era um corte cultural com a prática de imprensa diária em que, até aí, Portugal tinha vivido.

Sempre tive no "Público" pessoas que mereceram a minha estima e amizade, ao longo destas duas décadas e meia em que, com as limitações frequentes da distância, acompanho regularmente o jornal. Devo ao "Público" a simpática atenção que deu às diversas atividades que desenvolvi ao longo dos anos. Nele publiquei vários artigos, por ele fui entrevistado algumas vezes. A todos os meus amigos do "Público"-  mesmo àqueles que dele se afastaram há muito, como é o caso do seu fundador e idealizador, Vicente Jorge Silva - deixo aqui um forte abraço coletivo de parabéns.

Por muita água que tenha corrido sob as pontes, por muito que o "Público" tenha mudado, uma realidade é indiscutível: há uma imprensa portuguesa antes do "Público" e outra depois da sua aparição.

Profissionalismo


Ontem à noite assisti a uma demonstração pouco comum de profissionalismo. 

Paulo Dentinho, correspondente da RTP em Paris, fez uma excelente entrevista ao ditador sírio Bashar al-Assad. Com frontalidade, sem deixar de colocar todas as questões pertinentes, Dentinho conseguir conduzir, com extremo profissionalismo, um diálogo de onde nunca transpareceu a menor subserviência. Domínio dos assuntos, profundidade nas questões, assertividade na colocação dos temas.

Uma entrevista deste tipo é um poço de riscos. Deixar de colocar questões essenciais seria uma prova de tibieza e poderia ser vista como um "frete", como uma espécie de compensação pela obtenção deste raro "furo" jornalístico. Paulo Dentinho não se deixou cair nessa ratoeira, tal como, há quatro anos, havia feito o mesmo com Mouammar Khadafi, no auge da guerra na Líbia.

O profissionalismo é a marca de bons profissionais da RTP e é a prova provada de que a televisão de serviço público tem hoje, a servi-la, gente de imensa qualidade. Como é o caso de Paulo Dentinho. Apetece assim dizer a quem tutela a RTP, uma variante da frase clássica: deixem-nos trabalhar!

Quadratura do Círculo


Hoje à noite, a partir das 23 horas, na SIC Notícias, vou ter o gosto de substituir pontualmente Jorge Coelho no seu debate semanal com António Lobo Xavier e José Pacheco Pereira, sob moderação de Carlos Andrade.

quarta-feira, março 04, 2015

Indignidade parlamentar

Nunca fui deputado, mas julgo conhecer o essencial da ética de relacionamento entre os parlamentares. Nesse âmbito, para além da vivacidade dos debates, creio que há um código implícito de comportamento que rege as relações entre os eleitos. Nele se insere um mínimo respeito mútuo que, naturalmente, tem um maior rigor quando se trata de figuras cimeiras de qualquer dos grupos políticos.

Hoje, no quadro da polémica sobre as dívidas do primeiro-ministro à Segurança Social, a maioria vetou o envio de perguntas escritas ao chefe do governo. Pense-se o que se pensar deste assunto, PSD e CDS estão no pleno uso das suas faculdades parlamentares so assim procederem. Até aqui, tudo bem.

O que é inadmissível, e de uma baixeza e indignidade política que eu pensava ser impossível de ocorrer, foi ouvir um obscuro deputado social-democrata, de seu nome Adão e Silva, que falava em nome do seu partido no tratamento da questão, inquirir jocosamente sobre se a relutância do PS em utilizar o debate quinzenal para inquirir pessoalmente o dr. Passos Coelho não teria a ver com o facto dos socialistas não confiarem na capacidade do seu líder parlamentar. Já vi o nível das intervenções políticas descer muito, mas a triste realidade surpreende-nos sempre.

É nestas alturas que sinto saudades do tempo em que, com gente desta, isto se resolvia com umas bengaladas.

ps -  Fui agora informado que o "e" em "Adão e Silva" foi um erro do oráculo televisivo. Devo dizer que estava algo perplexo, porque conheço vários "Adão e Silva" e estava a estranhar que este senhor fosse da mesma extração familiar. Afinal é "Adão Silva". Ainda bem!

Queixas

Os governos português e espanhol queixaram-se à Comissão Europeia das acusações do PM grego de que Madrid e Lisboa - ainda não percebi bem por que ordem - tinham estado na linha da frente da tentativa de isolamento da Grécia no âmbito do Eurogrupo.

Hoje, o presidente da Comissão Europeia veio confirmar que os dois países ibéricos foram dos mais intransigentes, ainda mais do que a Alemanha, nessa discussão. 

Portugal vai agora queixar-se do sr. Juncker? E a quem?

Espionagem

Um pequeno escândalo abala a próxima candidatura de Hillary Clinton à presidência americana: aparentemente, durante a sua anterior encarnação como responsável pela diplomacia americana, a senhora terá usado, em regra, o seu endereço pessoal de mail, não tendo trabalhado usualmente com um endereço "corporativo" governamental. Ora isso, segundo os especialistas, poderá ter fragilizado a segurança das suas comunicações. A polémica está assim lançada.

Manifesto a minha solidariedade com a sra. Clinton. Passei os últimos anos a usar o meu email pessoal para coisas oficiais. Porquê? Isso não podia ser "apanhado" por terceiros? Não podiam ter lido o que eu escrevia? Claro, foi sempre esse o meu sonho...

A Cimeira das Lajes

 
Na edição correspondente a Dezembro de 2014 da revista "Relações Internacionais" publico uma recensão sobre o livro de Bernardo Pires de Lima "A Cimeira das Lajes. Portugal, Espanha e a Guerra do Iraque", editado pela "Tinta da China", que pode ser lida aqui.
 
O autor é um académico com um importante trabalho diário na imprensa sobre questões internacionais. Agora que passou mais de uma década sobre esse evento, parece ser importante revisitar esse momento em que se verificou uma quebra de consenso nacional sobre política externa. 

terça-feira, março 03, 2015

Yolanda Brígida

Você era uma criança. Falava à televisão, ao lado dos seus pais, emigrados na Suíça. Perguntaram-lhe o que gostava mais de ver nos noticiários. Com o olhar vivo e inocente, disse: os desastres! Essa sua resposta ficou-me para sempre.
 
Tempos mais tarde, curso tirado, estagiária da notícia, salário de recibo verde, telefonou-me para Brasília a inquirir do nome de um português envolvido num acidente. Expliquei que a ética da minha profissão não me autorizava a quebrar o sigilo. Não esqueci a sua reação: "A ética?! Deixe-se disso! Vá! Diga-me lá! É que se eu não consigo essa informação, o meu chefe põe-me na rua!"
 
Um dia, num jornal com mais de cem anos, na "silly season", li uma peça sua sobre um senhor chamado Eça de Queirós. Explicava, pedagógica, que era "um escritor realista português do século XIX", do qual citava obras a esmo. Fui ver: o texto era da Wikipedia. Fazia bem em apoiar-se em fontes prestigiadas, nessa Britannica da geração dos "shots".
 
Veja-a agora muito por aí, Yolanda Brígida ou Cátia Vanessa ou qualquer outra coisa assim que a rica imaginação dos seus pais tenha gerado. De "corneto" na mão, nos "travellings" na peugada do advogado desconcertante, à coca da casa dos "pulseirados", a perguntar como se sente à mãe que perdeu o filho no mar alto, a entrevistar o primo da vizinha de um tipo que conheceu o criminoso.
 
Vi um dia a sua glória. Uma baliza tinha caído sobre a cabeça de uma criança. O dia era “seco” em eventos. Os três telejornais abriram com a notícia, era o "seu" desastre. E lá estava você em campo, baliza ao fundo, preparada para a partida. Ao longe, as "repórteres" dos outros canais, seus heterónimos, filmavam-se comicamente entre si, debitando “buchas” para as respetivas câmaras, à espera do requestado edil local, que você entrevistava e que se prestava ao papel de alterne entre pantalhas, a todas anunciando o clássico "rigoroso inquérito". Um "must"!
 
É que onde eu gosto verdadeiramente de a ver é nos diretos, à porta de um tribunal fechado há horas, na soleira de uma urgência com uma velhinha a revelar o cancelamento da consulta numa greve, no rescaldo de um incêndio a recolher a clássica declaração sobre a "mão criminosa” no sinistro. Adoro as redundâncias em que ecoa, quase palavra por palavra, o que o “pivot” acabou de dizer, não vá alguém ter entrado na sala só nesse instante. Exulto quando se dirige, impante, à vedeta em estúdio, que mal a conhece, com um íntimo: "Daqui é tudo, Judite!'.
 
Há dias, vi-a numa de excelência. António Costa tinha acabado de falar sobre o seu "sermão aos chineses", que em ano eleitoral substitui o "sermão aos peixes", do outro António, mas Vieira. Ele saía já de cena, tenso, e você, marota, ética Cofina, reguila qb, sem esperar resposta, só para gáudio da malta lá na redação, atirou-lhe à cara: "O país está melhor, António Costa?". Eu, no caso dele, sabia o que lhe tinha atirado à cara, a si.

(Artigo que hoje publico no "Diário Económico")

segunda-feira, março 02, 2015

Refletir é preciso

Na carreira diplomática, que me encheu a existência profissional até há uns tempos, existe uma regra de ouro, em face de situações que nos incitam a uma reação imediata, a qual nos pode parecer óbvia e indiscutível: parar um pouco para refletir. Quando a pena ou a tecla nos apelam para enviar, logo de seguida, um "telegrama" ou uma "nota verbal" com uma reação forte e dura, a boa experiência aconselha a "dormir sobre" ela.

Quantas vezes, perante uma patetice qualquer, recebida da "Secretaria de Estado" (designação que damos ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Lisboa), não me apeteceu arrasar de imediato, com um "telegrama", o funcionário expedidor, acobertado sob o heterónimo de "NEstrangeiros" (expressão que assina vulgarmente as comunicações que recebemos nos postos). Mas, como referi, a profissão ensinou-me a saber "dormir sobre o telegrama", fórmula há muito consagrada na casa. É que, no dias seguintes, com mais calma e ponderação, a validade dos nossos argumentos aparece quase sempre servida por uma linguagem mais elegante e aceitável, embora não necessariamente menos firme.

Lembrei-me disto a propósito da Grécia. Nos tempos que correm, o eixo daquela diplomacia que é sempre relevante afastou-se do Palácio das Necessidades. Não é coisa que me agrade constatar, mas é a realidade das coisas. E assim, do reino profissional dos "telegramas", passámos, nos últimos anos, à glória das folhas de Excel feitas política externa (às vezes, com alguma irresponsabilidade que vai até ao ponto de "tweetar" garotices). Do "terceiro andar" do Palácio, local do poder, a reação político-diplomática aparece regularmente transferida para outras sedes, quase sempre desenhadas com cifrões à mistura. E tenho pena que, por essas novas bandas, não haja hoje, ao que tudo parece indicar, uma massa crítica suficiente que evite que as reações dos políticos, quando confrontados com os "cornetos" das estagiárias televisivas, não haja sido antes aculturada por umas horas de reflexão. E, já agora!, com algum sentido e responsabilidade de Estado, se não for pedir muito.

Por isso, ó gentes deste governo cessante, não "syrizem" as vossas emoções, "durmam sobre" o assunto, reajam com um estilo "cool", percebam que a precipitação pode estragar duradouramente uma relação bilateral, tendo de caber aos vindouros sarar as feridas e juntar os cacos. É que, depois, como ensinou o meu amigo e colega Marcello Duarte Mathias, "gasta-se uma vida inteira a corrigir um erro de trajetória". Ouçam-no, tanto mais que ele tem ascendência grega...

Fernando Madrinha


Devo-me ter cruzado no máximo umas três vezes na vida com Fernando Madrinha, jornalista do "Expresso" e seu colunista até ao seu último número. Não o conheço bem, quero eu dizer. Mas conheço-o de escrita, ao longo de quase 20 anos - eu que sou um leitor do "Expresso" desde o nº 1, isto é, há mais de 40 anos. E nem sempre estando de acordo com o que ele escreve, longe disso!, reconheço-o como uma voz livre e uma opinião ponderada e equilibrada, num mundo do jornalismo opinativo onde se passam muitos recados e se fazem ainda mais fretes. Tenho assim pena, desconhendo as razões de fundo, de vir a perder os seus textos. Só espero que o jornal nos não nos venha a "compensar" com (mais) alguns "talibans" de pena adjetivada, que fazem do radicalismo, de qualquer dos lados do espetro, o seu "fond de commerce". Cá estarei para ver.

José Quitério



Foi uma bela cerimónia aquela que ontem teve lugar na Reitoria da Universidade de Coimbra, no dia em que se comemorava o 725º aniversário da instituição. 

Tratou-se da entrega do "Prémio Universidade de Coimbra" 2015 a José Quitério, a figura do jornalismo português que dedicou à cultura da gastronomia mais de quatro décadas da sua vida. 

O elogio do premiado foi feito por outro nome cimeiro da gastronomia portuguesa, José Bento dos Santos, atual presidente da Academia Internacional de Gastronomia. Antes, havia sido feita a leitura de um belíssimo e clássico texto de José Quitério.

A unanimidade é muito difícil de se obter, em qualquer área da vida. Mas eu desafiaria alguém em Portugal a juntar, como aconteceu com José Quitério, o conjunto tão diverso de personalidades que apoiaram a sua candidatura, proposta pelo jornalista Fortunato da Câmara, que desde há semanas lhe sucedeu como crítico gastronómico do "Expresso". Senão, vejamos:

Álvaro Siza Vieira, arquiteto
André Jordan, empresário
António Lobo Xavier, advogado
António Mega Ferreira, escritor
Artur Santos Silva, presidente da Fundação Calouste Gulbenkian
Baptista Bastos, escritor
Carlos do Carmo, cantor
Francisco José Viegas, escritor
Francisco Pinto Balsemão, empresário
Guilherme de Oliveira Martins, presidente do Centro Nacional de Cultura
Helena Sacadura Cabral, economista
Joaquim Furtado, jornalista
José Bento dos Santos, empresário
José Carlos de Vasconcelos, jornalista
José Miguel Júdice, advogado
Luis Pato, empresário
Maria de Lurdes Modesto, publicista em culinária
Maria do Céu Guerra, atriz
Miguel Esteves Cardoso, escritor
Rui Vieira Nery, professor universitário.

domingo, março 01, 2015

O dever

Não me parece uma falta de extrema gravidade a existência de uma dívida do dr. Passos Coelho à Segurança Social. Pode acontecer a qualquer um.

Só que o dr. Passos Coelho não é qualquer um, é o primeiro-ministro do país, a quem sempre exige uma conduta impoluta, como se vê a Justiça exigir noutro contexto.

Por isso, representa uma evidente falta de cultura democrática, em lugar de procurar justificar-se em formalismos, não ter apresentado desculpas públicas ao país. O país ficaria satisfeito e o primeiro-ministro teria saído bem desta pequena história. 

Assim, não saiu.

Renso

Quando o novo primeiro-ministro italiano, de quem antes pouco tinha ouvido falar (não acompanho em pormenor a vida política italiana, devo confessar), tomou posse, o seu nome - Renzi - ficou às voltas na minha cabeça. Aquele apelido dizia-me alguma coisa, mas não conseguia pensar o que fosse.

Um dia, a luz surgiu-me. Um nome "próximo" era vulgar aos meus ouvidos, desde a infância. Fazia parte dos amigos que, com o meu pai, se sentavam na esplanada do Girassol, no jardim, nas férias de Verão, em Viana do Castelo. Chamavam-lhe "Renso". Um dia, tinha eu aí uns oito ou nove anos, referi-me a ele como o "senhor Renso". O meu pai corrigiu-me: "Deves chamar-lhe senhor Coutinho. Só os amigos próximos o tratam por Renso" disse, com um sorriso enigmático. Tomei devida nota.

Passaram uns anos e, no grupo do Girassol, que o meu pai continuava a frequentar em férias, ouvi um dia dizer que "a mulher do Renso tem andado adoentada". Nessa ocasião, inquiri, finalmente, da origem do "petit nom". E fui esclarecido.

O "Renso" tinha sido colega de escola primária do meu pai. Na realidade, chamava-se Coutinho. A crueldade dos colegas levou-os a apodá-lo de "toucinho". Com o tempo, a miudagem veio a mudar criativamente o "toucinho" para "ranço". A corruptela da vida transformou, finalmente, o "ranço" em "renso". Daí ao "senhor Renso" foi um passo curto. As voltas que os nomes dão!

Que o Estado Islâmico não pegue nisto, é o mínimo que se pode desejar, atenta a incompatibilidade entre Maomé e o toucinho...

sábado, fevereiro 28, 2015



Epígrafe

De palavras não sei. Apenas tento
desvendar o seu lento movimento
quando passam ao longo do que invento
como pre-feitos blocos de cimento.
 
De palavras não sei. Apenas quero
retomar-lhes o peso   a consistência
e com elas erguer a fogo e ferro
um palácio de força e resistência.
De palavras não sei. Por isso canto
em cada uma apenas outro tanto
do que sinto por dentro   quando as digo.
 
Palavra que me lavra. Alfaia escrava.
De mim próprio matéria bruta e brava
-- expressão da multidão que está comigo.

José Carlos Ary dos Santos

sexta-feira, fevereiro 27, 2015

Regresso à escola

Há semanas, tive necessidade de obter uma certidão da minha licenciatura. Desloquei-me à secretaria da minha faculdade e, quando referi o ano de fim do meu curso, a simpática funcionária que me atendeu (já não era a Dona Irene, do meu tempo) voltou-se para as colegas e, como se apresentasse uma avis rara, disse alto: "Está aqui um aluno dos anos 70!". Ficou toda a gente a olhar para mim, comigo a não me reconhecer no qualificativo de "aluno"! A colega logo reagiu: "Esses anos já estão lá em baixo..." o que significava que jaziam nas catacumbas da faculdade tais registos do antanho, imagino que com patine de teias de aranha. (E devem ter ficado a perguntar-se: para que é que este homem quer uma certidão de licenciatura?). Dias depois, lá surgiram as papeladas que me diziam respeito e tiveram a amabilidade de me trazer, por curiosidade, no livro de registos, uma fotografia minha desses tempos, com forte cabelame e uma imponente bigodaça. As figuras que fazíamos!

Nos últimos anos, "regressei" à universidade. Já tinha feito uma incursão, há uns tempos, na Universidade de Aveiro, onde orientei uma tese de mestrado. Depois, na UTAD, presidi durante cerca de quatro anos ao respetivo Conselho Geral, uma experiência muito interessante, embora nem sempre fácil. Em Coimbra, colaboro com a respetiva Faculdade de Economia, de cujo Conselho Consultivo faço parte, desde há quase cinco anos. Na Universidade Autónoma, faço este ano letivo parte do corpo docente na área das Relações Internacionais. E, na Universidade Nova de Lisboa, além de integrar desde 2013 o Conselho da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, tive hoje a grata experiência de ser arguente em duas teses de mestrado na área das Relações Internacionais. Sabe-me bem este regresso à escola. 

Falando da Grécia


quinta-feira, fevereiro 26, 2015

Tertúlias


Faço parte de várias tertúlias. Nenhuma delas tem uma agenda de intervenção pública, mas em todas aprendo coisas úteis. Como regra, congregam pessoas, homens e mulheres, que se sentem bem a falar umas com as outras, mesmo se oriundas de círculos muito diferentes e com perspetivas, políticas e não só, às vezes contrastantes. Algumas dessas tertúlias são semanais, outras acontecem todos os meses, outras "quando o rei faz anos". Umas são temáticas, outras de mero convívio, às vezes com copos e vitualhas à mistura. 

A tertúlia é uma magnífica terapia contra o sectarismo, a bem da tolerância. Ouvir os que pensam de forma diferente da nossa enriquece-nos. Conversar com quem connosco partilha identidades conforta-nos. O fim de ciclo de uma tertúlia começa a pressentir-se quando os debates se transformam em discussões acaloradas. Já assisti à diluição de algumas tertúlias de que fiz parte, algumas vezes com pena, outras com alívio. Mas sou um "tertuliano" militante, confesso.

quarta-feira, fevereiro 25, 2015

Ucrânia


Paulo Sande, Bernardo Pires de Lima e eu próprio discutimos na Económico TV a crise político-militar na Ucrânia.

Pode ver esse debate aqui e aqui.

Trocadilhos

Gosto de trocadilhos criativos na designação de lojas. Ontem passei pelo "Ás de Comer". Há dias, pela lavandaria "Lavarte". E lembrei-me da clínica veterinária com que deparei um dia no Rio: "Cãopacabana". A Maria Lúcia Lepecki, recém chegada do Brasil nos anos 70, foi quem me chamou pela primeira vez a atenção para esta inócua mas divertida aventura no reino da "paranomásia" (é verdade, é assim que isto se chama). Ela que se encantava com a involuntária ironia da "A Reparadora dos Anjos" e a quem uma vez levei uma fotografia da estreita "Rés vés", uma loja que havia em Campo de Ourique e cujo subliminar trocadilho só funcionava para quem se lembrasse da frase completa.

"Portugal no primeiro quartel do século XXI"

Terá lugar amanhã, quinta-feira, dia 26 de fevereiro, na Fundação Calouste Gulbenkian, a conferência "Portugal no Primeiro Quartel do Século XXI - Estratégias Rumo ao Futuro".

A realização será presidida pelo general Ramalho Eanes, contando com a participação do Bastonário da Ordem dos Engenheiros, eng. Carlos Matias Ramos, do presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, dr. Artur Santos Silva, do professor Jorge Miranda, do almirante Fernando Melo Gomes e de mim próprio.

Caber-me-á desenvolver o tema: "Política externa e diplomacia nacional - a envolvente europeia e mundial. Adequação da política externa portuguesa à nova realidade existente".

 

terça-feira, fevereiro 24, 2015

Elegia

já nada é o que era
e provavelmente nunca mais o será
e mesmo que o fosse
algo me diz que já não seria o que era
porque o que era
era o que era por ser o que era
do que eu me lembro muito bem
embora eu então não fosse o que agora sou
mas o que agora sou
ou estou a ser
é deixar de ser o que sou
porque eu sou deixando de ser
deixar de ser é a minha maneira de ser
sou a cada instante
o que já não sou
e o mesmo se deve passar com tudo o que é
motivo por que não admira que assim seja
quer dizer
que nada seja o que era
e se assim é
ou já não é
seja ou não seja


Alberto Pimenta, in 'Ascensão de Dez Gostos à Boca'

Esse mesmo!

Custa-me falar deste assunto, por razões facilmente compreensíveis. Mas sentir-me-ia pior não o fazendo.
 
Nos últimos três anos, este governo foi acusado de não ter uma política europeia. E não teve. Ou melhor, tinha a que lhe ditava o seu tropismo para um mimetismo silencioso e sorridente para com quem distribuía as cartas do jogo. Era cómodo, era barato e sempre ia "dando" uns milhões - pagos com juros de palmo a quem, na Europa rica, vive à tripa forra com a desgraça, e com os juros, dos outros. E ainda ficávamos obsequiosamente gratos, o que deve dar um gozo imenso a quem nos olha hoje com um irónico e sobranceiro sorriso setentrional.
 
Subitamente, o governo "decidiu" ter uma política europeia. Do silêncio fragoroso, emergiram vozes, que surgiram das Finanças, essência da política externa que nos resta. Só que, ao contrário daquilo que foi o sentido do combate europeu de Portugal durante décadas, a nova "coragem" política à mesa do Conselho de Ministros, que no passado nos colocava em saudável confronto com os contribuintes líquidos, na linha de defesa de uma Europa mais solidária, passou a revelar-se face aos deserdados da sorte europeia. Portugal "faz" de Benelux, finge de nórdico, tem tiques de ricaço, p'cebe?. Num duplo sentido, só percetível por alguns, quase poderíamos dizer que é a Cova da Moura a "armar" a Quinta da Marinha.
 
Aprendi na escola primária que colocarmo-nos ao lado dos mais fortes para poder bater nos mais fracos tem um nome muito feito. Esse mesmo!

Os embaixadores

 

Era uma vilória pequena, a uma grande distância de Lisboa. O dia estava muito quente. O embaixador, de passagem, decidira beber uma cerveja num snack-bar local. A sala tinha bastante gente, pelo que optou por uma mesa mais isolada, distante da porta, onde o ar condicionado parecia funcionar de forma mais eficaz. E entreteve-se a ler um jornal que encontrou por ali.

Uma exclamação fê-lo levantar os olhos: "Ó embaixador!". Tentou perceber quem o chamava, mas não viu ninguém dirigir-se-lhe. Pelo contrário, alguns dos circunstantes viraram-se para um cavalheiro que acabava de entrar, cuja cara não era muito percetível, com a luz da rua a recortá-lo por detrás. Viu-o cumprimentar, à passagem, vários dos presentes e sentar-se a uma das mesas. Era um homem alto, já bastante entrado na casa dos 70.

Um dos seus companheiros de mesa pediu para o balcão: "Ó Pinto! Traz aqui um café para o sr. embaixador. Em chávena fria, como ele gosta". Notava-se que o recém-chegado gozava de prestígio local. O silêncio e a atenção que envolviam as palavras com que se dirigia a quem o rodeava confirmavam isso mesmo.

O embaixador visitante estava cada vez mais curioso. Quem seria aquele seu colega? Conhecia bem a carreira e, muito em especial, sabia quem eram os que tinham ocupado postos de embaixador. Nenhum correspondia àquela figura.

Procurou fixar melhor a cara do novo cliente e, poucos instantes depois, fez-se-lhe luz: era de facto um diplomata, uma boa dezena de anos mais velho do que ele. Recordava-se vagamente que ele havia sido vítima de uma intriga e de uma perseguição por parte da hierarquia, pelo que acabara por nunca lhe ser atribuída a chefia de uma embaixada. Conhecia-o de vista, desde há décadas, mas não se recordava de, alguma vez, ter trocado com ele qualquer palavra. Estava reformado, há já uns bons anos.

A insistência com que fixava a mesa acabou por não passar desapercebida e o antigo colega cruzou com ele, de súbito, um brevíssimo olhar, que logo desviou. Reconhecera-o, pela certa, e pareceu ter ficado preocupado. Um cumprimento de outro cliente "Boa tarde, senhor embaixador!" foi recebido com um esgar inquieto pelo homem, que terá entendido que, naquela sala, estava alguém que sabia que o seu estatuto profissional não era exatamente aquele que a vilória tinha consagrado, provavelmente desde há vários anos.

A situação estava a começar a tornar-se algo pesada. O  embaixador, logo que pôde, pagou a cerveja e caminhou em direção à porta. À passagem pela mesa em que o seu velho colega de carreira estava sentado, lançou, alto, com um sorriso simpático: "Boa tarde, embaixador! Tive muito gosto em vê-lo!". E saiu. Satisfeito.  

segunda-feira, fevereiro 23, 2015

José Sócrates

Há pouco, dei comigo a pensar que José Sócrates, com todas as acusações que sobre ele agora impendem por, alegadamente, ter quebrado o segredo de justiça ainda se arrisca, um destes dias, a ir dar com os costados a uma prisão.

Ilídio Monteiro


Há coincidências terríveis. Na passada semana, juntei-me com dois amigos num almoço, a convite de um deles. Já não estávamos os três juntos desde 1976, ano em que nos tínhamos deslocado numa delegação técnica portuguesa à Líbia. Foi essa mesma "aventura", de há quase 40 anos, que nos juntou.
 
Um dos membros dessa delegação tinha sido o engº Ilídio Monteiro, que nela representava a Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas, de quem falámos nesse almoço. Na decorrência dessa missão, aquele empresário acabaria por desenvolver vários e importantes negócios na Líbia, por décadas, os primeiros dos quais com base em protocolos que, no ano seguinte, foram assinados por uma nova delegação portuguesa enviada a Tripoli, em que também participei.
 
Há minutos, pela memória da semana dada por Marcelo Rebelo de Sousa na televisão, soube da morte muito recente do engº Ilídio Monteiro. Tive o gosto de me cruzar com ele várias vezes, ao longo dos anos. Era uma pessoa muito agradável, com humor e ironia, que gostava das coisas boas da vida, para além de ter sido um grande empresário no seu setor. Deixo aqui o meu pesar à sua família. 

domingo, fevereiro 22, 2015

Não, senhora ministra!

A ministra Maria Luís Albuquerque é, no plano técnico, uma das figuras mais competentes deste governo. Dirão alguns, mais cínicos e irónicos, que isso não é difícil... Talvez seja verdade, mas o que é indiscutível é que a senhora ministra das Finanças demonstra, com clareza, ter um perfeito domínio das questões que lhe compete tutelar, sendo mesmo capaz de o fazer com uma capacidade de explicitação pública muito superior ao seu antecessor. E lá virão os mesmos dizer que também isso, em si, não é obra por aí além... Quero com isto dizer que, goste-se ou não da política que defende - e eu não gosto mesmo nada - ela defende-a de forma capaz e a prova provada disso está no crescente "appeal" que faz nascer nas hostes do seu partido, onde, qual Cavaco Silva ao rodar o carro para a Figueira da Foz, surge sebastianisticamente como uma promessa, ungida daquela sedução pelos titulares das Finanças que, de tempos a tempos, empolgam os setores conservadores de um país que nunca soube fazer suas contas.

Dizia-se de um certo professor que tive que, entusiasmado pelo brilho que achava ter nas suas aulas, saía delas "aos ombros de si próprio". A senhora ministra das Finanças, verdejante oásis no deserto político em que se move, ter-se-á também deixado deslumbrar pelo nível da sua "performance" dentro do executivo de que faz parte e tem vindo a dar mostras de um comportamento que, frequentemente, roça já um perfil de arrogância e alguma sobranceria. Vê-se isso no parlamento onde dá ares de que mais ninguém "sabe da poda". Não fosse o seu sorriso gaiato e a sua cara laroca a ajudarem e as coisas seriam ainda bem piores.

O destino político da senhora ministra estará, daqui a meses, na mão dos portugueses. E esses, a seu tempo, dirão de sua justiça. Só que, até lá, a senhora ministra não tem um mandato que lhe permita, ainda que temporalmente, conspurcar fora de portas o nome do país honrado em que exerce funções. Alguém deveria conseguir explicar à senhora ministra que o espetáculo a que se prestou ao lado do seu colega alemão foi de uma indignidade, quase sem par, na representação externa do Estado. Deixar-se utilizar como instrumento comparativo por parte de Berlim na sua cruzada de isolamento da Grécia configurou uma das mais tristes figuras que alguma vez vi fazer a um governante português na ordem externa - e, podem crer!, já vi bastantes e bem lamentáveis. E prolongar essa atitude no Eurogrupo, para entrar no "quadro de honra" com que Berlim premeia os "alunos" bem comportados, ajudando cobardemente à humilhação de um país também amigo e aliado, provocou um incómodo muito raro no país, ao que se diz até nas hostes da maioria. Este governo - e meço as palavras - consegue, dia após dia, surpreender-nos na sua capacidade de rebaixar a dignidade do Estado que circunstancialmente titula.

Angola, a hora da política


Há tempestades anunciadas, pelo que é irresponsável não tomar, a montante de ventos e chuvas fortes no horizonte, medidas que possam atenuar os seus efeitos. O que está prestes a ocorrer nas relações económicas luso-angolanas é uma dessas tempestades. E o Estado português parece ter enterrada a cabeça na areia.

O país não terá ainda plena consciência das ameaças que hoje pairam sobre o futuro de largas dezenas de milhares de portugueses que trabalham em Angola, com as dificuldades que já sentem nas transferências salariais que suportam outras tantas famílias em Portugal. Quem encheu de PME’s sucessivas caravanas ministeriais, com “números” otimistas nas televisões, tem hoje a obrigação de se revelar eficaz em iniciativas políticas para compensar os efeitos da crise que afeta conjunturalmente a economia angolana.

Foi garantido pelo senhor ministro dos Negócios Estrangeiros que o chefe de Estado angolano declarara ultrapassada a tensão política bilateral. Então por que esperam as nossas autoridades para daí tirar as necessárias consequências? A relação luso-angolana é estratégica? Em que é que isso se pode traduzir, em gestos pró-ativos de boa vontade por parte de Angola ou no tocante a facilidades de crédito a implementar por Lisboa, com vista a apoiar pontualmente os nossos operadores económicos, naquele que é um dos mercados essenciais para as nossas empresas?

Os empresários e os trabalhadores portugueses deram provas, ao longo das últimas décadas, de uma cooperação leal com um país que, se lhes deu oportunidades, beneficiou também da sua competente retribuição, de que a paisagem contemporânea da vida angolana é talvez o melhor testemunho.

Não quero ensinar o pai-nosso ao vigário, mas lembraria que a diplomacia económica não é apenas o passarinhar entre aeroportos e salões dourados, não se esgota na assinatura de protocolos de duvidosa implementação. A ação dos agentes diplomáticos só é eficaz se reforçada pela intervenção dos atores políticos, cuja determinação visível na defesa do interesse nacional é também a condição sine qua non para a sua avaliação.

O senhor presidente da República tem aqui uma particular responsabilidade. Nesta especial relação, o papel dos chefes de Estado tem sido historicamente essencial. O professor Cavaco Silva prestaria um último serviço ao país – e, por consequência, ao seu próprio prestígio – se desse mostras públicas de se empenhar ativamemente na procura de soluções com vista a minorar os graves problemas que, no relacionamento entre Portugal e Angola, estão aí já ao virar da esquina.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

sábado, fevereiro 21, 2015

Bielorrússia

Um dia de 1996, o Ministério dos Negócios Estrangeiros português recebeu uma nota da embaixada da Bielorrússia em Londres, cujo titular estava acreditado em Lisboa, pedindo "as melhores diligências" para que, de futuro, em língua portuguesa, o nome do país fosse designado por "Belarus" e não por "Bielorrússia". A ideia, ao que parece, era distanciar o país da imagem da Rússia. Em russo, a palavra "Bielorrússia" significa "Rússia branca". Recordo-me de ter tido cuidado de mandar explicar ao governo de Minsk que, em Portugal, o Estado não se arrogava o direito de controlar a tradução dos topónimos.

A Bielorrússia é um estado encravado entre a Rússia, a Ucrânia, a Polónia, a Letónia e a Lituânia, com uma democracia de "faz-de-conta", muito típica de alguns Estados que emergiram após a eclosão da União Soviética. Desde 1994, é dirigida com mão de ferro por Alexander Lukashenko, que se mantém à frente de um regime que limita as liberdades essenciais dos cerca de 10 milhões de cidadãos do país.

Lukashenko teve artes de conseguir que a sua capital, Minsk, fosse escolhida para os encontros tendentes a discutir a pacificação da Ucrânia e, na passada semana, lá o vimos, impante, abrir caminho às negociações entre a Alemanha, França, Rússia e Ucrânia. Este papel "mediador" de Minsk já havia sido reconhecido em 1992, quando foi criado o "grupo de Minsk", que tem a seu cargo, no âmbito da OSCE, o acompanhamento da questão do Nagorno-Karabakh, entre a Arménia e o Azerbaijão. Não deixa de ser irónico que seja necessário sediar na capital de um país liderado por um autocrata encontros de paz. Mas é a vida...

Em 2002, a Bielorrússia cruzou-se no meu caminho. No âmbito da presidência portuguesa da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa), ao tempo em que representava diplomaticamente Portugal junto da organização, em Viena, coube-me gerir um caso interessante com a Bielorrússia. Descontente com o teor dos relatórios que a "Missão" (já explicarei porque coloco a palavra entre aspas) da OSCE em Minsk produzia, que punham a nu as arbitrariedades anti-democráticas das suas autoridades, o governo de Lukashenko optou por um procedimento hábil: forçou discretamente os trabalhadores bielorrussos a desvincularem-se da Missão e não renovou os vistos aos elementos estrangeiros que nela trabalhavam. Assim, ao final de alguns meses após esta ação ter sido desencadeada, a Missão deixou de ter condições para funcionar. E o governo de Minsk anunciou unilateralmente a data de 31 de dezembro de 2002 como limite às suas atividades, argumentando que se tinha "esgotado o seu objeto". Para a Bielorrússia, as coisas eram imperativas: a Missão da OSCE em Minsk tinha de encerrar naquela data.

Como presidente do Conselho Permanente da OSCE, em Viena, fiquei com a "batata quente" na mão. Portugal iria ficar na pequena história da organização como o país que "deixara encerrar" a Missão em Minsk, facto que podia vir a ser um precedente muito perigoso para outros Estados membros da OSCE, eles próprios pouco satisfeitos com o que a OSCE reportava sobre as fragilidades da sua vida política interna. Os meus colegas ocidentais - com destaque para os EUA, França, Reino Unido e Alemanha - pressionavam-me para que eu tentasse encontrar uma solução para que a OSCE pudesse continuar em Minsk. A Holanda, que nos sucederia na presidência no dia 1 de janeiro de 2003, preparava-se já para "lamentar" ter o início do seu mandato marcado por esse facto.

Portugal "portara-se bem" com a Bielorrússia até então. Contra a vontade da União Europeia, trabalhara para que o seu ministro dos Negócios Estrangeiros viesse a cimeira da organização no Porto, no início do mês de dezembro, a fim de que fosse possível tentar que os então 55 Estados da OSCE conseguissem acordar conclusões consensuais (isso foi possível, pela última vez, nessa cimeira do Porto, em 2002, e nunca mais o seria na história posterior da OSCE). Simultaneamente, eu próprio cuidara em manter sempre uma relação cordial com o meu colega bielorrusso em Viena. Era um homem grande, um cientista feito embaixador, que percebia claramente que a "bofetada"que a Bielorrússia estava prestes a dar à OSCE não deixaria de ter consequências negativas para o seu país, que já se defrontava com sanções por parte da União Europeia e com um ambiente de isolamento e hostilidade crescente. Ser embaixador da Bielorrússia era (e nunca deixou de ser) uma tarefa muito difícil.

Com o meu colega e "deputy", embaixador Carlos Pais, embora sem a menor instrução orientadora de Lisboa, decidimos propor ao Secretário-Geral da OSCE e, posteriormente, à Bielorrússia uma saída para a organização manter uma presença em Minsk, com um mútuo "face-saving". Nos termos desse "deal", a "Missão OSCE em Minsk", que tinha um mandato próprio, aprovado anos antes do Conselho Permanente da OSCE, encerraria formalmente, como os bielorrussos desejavam, no fim do ano. Entretanto, Em contrapartida, propúnhamos a instalação de um "Escritório OSCE em Minsk", com um novo mandato, que tentaríamos negociar com Minsk e fazer aprovar pela OSCE até ao final do ano, para entrar em vigor no primeiro dia do ano seguinte.

Depois de alguma hesitação, a Bielorrússia "comprou" a nossa ideia e fez deslocar a Viena, por duas vezes, uma delegação chefiada por um representante pessoal de Alexander Lukashenko, com o qual discuti, durante horas intermináveis, por cerca de quatro dias, o texto do novo mandato, que seria depois vertido num "memorandum of understanding". Posso hoje revelar que os quatro países ocidentais, que, com a Rússia, eram vulgarmente referidos como os "major players" dentro da organização, "fizeram-nos a vida negra" até ao último instante, com exigências nas funções futuras do "Escritório" de que os bielorrussos nem queriam ouvir falar.

No termo de uma presidência que, por razões que não vêm aqui para o caso, já havia sido muito difícil, este trabalho de "go-betweener" revelou-se de extrema complexidade e o ter-se conseguido um resultado positivo muito se ficou a dever ao meu colega Carlos Pais que, com uma "paciência de santo", me ajudou a inventar fórmulas de texto imaginativas que combinassem um mínimo de eficácia operacional futura do Escritório, com uma "ambiguidade criativa" que conseguisse fazer a ponte. E tivemos sucesso: a "Missão" encerrou em 31.12.02 e o "Escritório" iniciou a sua existência em 1.1.03.

A prova provada da eficácia do Escritório seria dada, oito anos mais tarde, pela própria Bielorrússia, que decidiu impor a data de 31.12.10 como data limite para a atividade daquela presença da OSCE, obrigando então, e definitivamente, à saída da OSCE de Minsk, ao que parece descontente com o facto da organização ter denunciado, por intermédio daquele Escritório, mais uma vaga das tradicionais irregularidades eleitorais praticadas pelo governo de Lukashenko. A prazo, veio assim a constatara-se que o mandato que Portugal desenhou foi mesmo incomodamente eficaz.      

sexta-feira, fevereiro 20, 2015

As caras da Europa

Há 17 dias, escreveu-se aqui:

"Na história recente da União, as coisas têm sido sempre assim. Por isso, não devemos estranhar que, por Bruxelas, a verdade seja por vezes aquela que um dirigente desportivo por cá lapidou um dia: “o que é verdade hoje pode não o ser amanhã”. É evidente que o sismo que a Grécia provocou na Europa tem uma natureza diferente de tudo aquilo a que as suas instituições estão habituadas a reagir. A Grécia deu ares de estar a funcionar “fora da caixa”, porque colocou questões numa matriz diversa da que está nos “manuais”.

Mas a Europa tem uma sabedoria maior do que vulgarmente se pensa. Nas horas que correm, interroga-se sobre o limiar de intransigência da Grécia, tentando perceber como lhe será possível negociar algo que seja um face saving para ambas as partes. Se Atenas der algum espaço de manobra, a Europa encontrará uma solução. Foi sempre assim, recordem-se."

Alguns acharam isto otimista. Mas isto é a Europa.

Sampaio sobre a Grécia e Portugal

 
“Portugal, desde que entrou para a União Europeia esteve sempre na formação dos consensos necessários. Vivi isso como Presidente da República com os primeiros-ministros que tive, com os negociadores, procurando precisamente que estivéssemos sempre a trabalhar para encontrar um denominador comum, em torno de princípios de solidariedade, participantes num projecto que é comum. Nos tempos que vamos vivendo, acho que os países que têm sofrido mais, não devem pôr-se uns contra os outros. Devem, pelo contrário, encontrar as alianças possíveis, num esforço efectivo de encontrar uma solução que possa servir a União Europeia. Não faz sentido os países estarem uns contra os outros. Não faz sentido… Só quero dizer isto assim, que toda a gente percebe. Não quero dizer mais do que isto. O que é preciso é que possamos continuar na União Europeia, independentemente das dificuldades que possamos encontrar, a procurar as melhores soluções para a nossa caminhada comum.”
 
("Público" 20.2.15)

O método Varoufakis

No âmbito da preparação de uma atividade docente universitária, que versa sobre a negociação diplomática, estou a recolher dados para poder utilizar o processo negocial grego na Europa como um modelo de estudo.
 
Independentemente do seu resultado final, esta negociação aberta, com forte utilização agressiva dos mídia, configura uma tática pouco comum no mundo multilateral.
 
O governo grego tinha duas frentes essenciais a atender. Desde logo, a mais vital, eram as instituições europeias e os seus parceiros nesse âmbito. Não menos importante era a sua frente interna, onde os resultados no plano europeu serão sempre medidos à luz das promessas eleitorais muito firmes que o Syriza fez durante sua campanha. Mas houve sempre uma terceira dimensão instrumental que também esteve nos objetivos de Atenas: a opinião pública europeia, com que os gregos pareciam contar, através do levantamento de uma onda de simpatia que acabasse por condicionar os restantes governos.
 
É neste particular que se insere o esforço de diabolização da Alemanha, de que a Grécia quis erigir-se como contraponto "afetivo". Ao vocalizar a acusação de "má da fita" à Alemanha, o governo grego procurou "isolar" Berlim, contando com um sobressalto na opinião europeia que, na realidade, não se verificou. Da parte dos países do ajustamento, nos quais os gregos esperavam poder suscitar uma onda de simpatia, por terem partilhado agruras similares, nenhuma reação forte emergiu. Pelo contrário, os "ajustados" procuraram, numa lógica puramente nacional, afastar o seu caso do da Grécia, garantindo a benção dos "powers that be" - isto é, da própria Alemanha, de cuja boa vontade dependem. Falhada uma empatia operativa por parte da França e da Itália (com a qual a Grécia começou por cometer uma indiscrição imperdoável), Atenas voltou-se para a Comissão Europeia. que esteve à altura dessa confiança. Mas também, neste caso, ao dar conhecimento público do "non paper" de Moscovici, a Grécia quebrou uma relação de confiança. O desespero não é bom conselheiro num processo negocial. 
 
No plano multilateral, as coisas não haviam começado bem. A "receção" em Atenas ao presidente do Eurogrupo, Dijsselbloem, foi lida por muitos como uma provocação. Se a intenção era "assustar" Bruxelas, o modo pouco urbano como a parte pública dessa visita decorreu não ajudou em nada. Já no Eurogrupo, o governo grego começou por colocar a sua questão através da contestação da filosofia subjacente ao processo europeu tradicional, tentando situar o problema num patamar diferente daquele em que assentava o paradigma da UE. Como que para reforçar essa distância, utilizou mesmo uma figura, como o seu ministro das Finanças, que passou uma mensagem - e até uma postura física e coreográfica - de não estar disponível para ter um debate assente nos termos de referência habituais. Hoje, em perspetiva, constata-se que a postura de Varoufakis não ajudou nem ajuda, "to say the least". Ele estava convencido de que a originalidade académica das ideias que trazia acabaria por impor-se com naturalidade, porque colocaria em fácil evidência que havia alternativas sensatas ao modelo dos programas de ajustamento que a Europa utilizara até então. E, neste particular, a Grécia parecia julgar que, ao propor os modelos de "bonds" quase eternos, tinha "descoberto a pólvora". Isso fê-los, aparentemente, descuidar na preparação de planos B e C, essenciais para amortecerem recuos, sem que eles fossem vistos como humilhações. Ora são apenas estas que parecem estar agora na agenda, acompanhadas de uma escassa boa vontade do parceiros para as travestirem por forma a "salvar a face" à Grécia. A cristalização pública de posições nunca ajuda.
 
Pela minha experiência, que naturalmente vale o que vale, o efeito surpresa, numa negociação multilateral, raras vezes funciona. O passado ensinou-me que é sempre muito importante "trabalhar" um-a-um os parceiros, enquanto aliados potenciais, a montante dos encontros coletivos, tentando garantir antecipadamente, da parte de cada um deles, uma atitude de apoio nesse contexto negocial subsequente. Para tal, é essencial partilhar com aqueles que julgamos potencialmente permeáveis aos nossos argumentos o essencial daquilo que iremos apresentar, dando-lhes razões para os convencer das vantagens que poderão retirar do facto de poderem vir a colocar-se ao nosso lado. Na vida internacional, salvo no caso das ditaduras ou dos regimes autoritários, os governos não têm mandato para poderem mudar internacionalmente de posição (muito menos radicalmente) sem terem garantido que as suas opiniões públicas podem vir a entender a racionalidade dessa mesma alteração. Ora os gregos, muito por falta de tempo, mas igualmente por manifesta falta de jeito e alguma arrogância voluntarista, não fizeram devidamente esse trabalho de casa e criaram uma expetativa de reconhecimento público da "bondade" natural das suas propostas que, muito claramente, não se concretizou. Os governos europeus não foram minimamente pressionados pelas suas opiniões públicas para ajudarem a Grécia a sair do seu isolamento e o resultado foi o que se viu.
 
Este texto é escrito antes da nova apreciação no Eurogrupo das derradeiras propostas gregas e tem apenas uma intenção de discussão metodológica, não de apreciação da substância dos temas.     

quinta-feira, fevereiro 19, 2015

O nosso amigo Jean-Claude


Um dia de 1998, acompanhei António Guterres ao gabinete do primeiro-ministro do Luxemburgo, Jean-Claude Juncker. A Comissão europeia tinha acabado de apresentar a sua primeira proposta para as "perspetivas financeiras" para o período 2000-2006, o orçamento plurianual de onde decorrem os fundos comunitários. O resultado, maugrado as diligências que havíamos feito nos meses anteriores junto de diversos setores da Comissão, era dececionante para o nosso país. Agora, tornava-se importante mobilizar os nossos amigos europeus a fim de fazer evoluir a proposta, em moldes que pudessem acomodar os nossos interesses.

Nunca mais me esquecerei das palavras espontâneas que ouvimos de Juncker, logo que António Guterres acabou de lhe expor o nosso problema: "António, podes contar comigo a 100%. Farei tudo o que estiver ao meu alcance para beneficiar Portugal". E fê-lo, a partir daí, de forma exemplar, passando a defender-nos em todos os contextos possíveis. Não houve Conselho europeu em que Juncker não tivesse estado abertamente ao nosso lado, movimentando-se, além disso, junto de outros parceiros para fazer valer os argumentos portugueses.

Jean-Claude Juncker é um exemplo de um grande europeu, da escola de um Jacques Delors, uma das poucas personalidades que, pela sua inigualável experiência e pela profunda coerência e verticalidade que o carateriza, merece o respeito da grande maioria de quantos se movimentam pelos corredores da União europeia. Mas, do mesmo modo, a sua independência face aos grandes Estados europeus, bem como o modo frontal como a assume, não terão sido estranhos à sua liminar exclusão, quando o seu nome surgiu mencionado para a presidência da Comissão europeia.

Se Portugal tem verdadeiros amigos entre os dirigentes desta Europa, a experiência demonstrou-me que Jean-Claude Juncker é o mais dedicado deles.

(Este é um post "reciclado". Relembro-o hoje, num dia em que a minha admiração por Jean-Claude Juncker aumentou).

Sensatez

De acordo com a imprensa de hoje, o ministro dos Negócios Estrangeiros terá ontem afirmado, em frente do seu colega de Londres, que Portugal não considera oportuno rever os tratados europeus à medida dos interesses britânicos. É uma posição sensata. O Reino Unido, que tem da União Europeia uma visão instrumental e um interesse basicamente apoiado nas vantagens do mercado interno, tem anunciado a intenção de propor um conjunto de recuos no âmbito do projeto comum, que teriam como consequência um progressivo desmembrar do mesmo. Para Londres, a Europa parece não ser essencial, mas para nós é. O governo português - e nunca esperei outra coisa da "boa escola" do MNE nesta matéria - não favorece a estratégia dos conservadores britânicos, que pretenderiam utilizar algumas "vitórias" na frente europeia como forma de adubarem as suas hipóteses nas próximas eleições legislativas, assim retirando terreno à sua direita, ao UKIP. Portugal não "fez o jeito" ao governo britânico. E fez bem. Dirão alguns que Lisboa diz isto porque sabe que Berlim concorda. É indiferente: disse a coisa certa, mesmo se traduzida do alemão. E a oposição portuguesa responsável deveria aproveitar para apludir o governo. É tão raro, de há uns anos para cá, ouvir o executivo português dizer qualquer coisa de construtivo em matéria europeia que o país deve aproveitar para "deitar foguetes" quando isso acontece.

Fora da caixa


A situação que se vive entre a Grécia e a União Europeia traz à discussão um problema interessante, sob o ponto de vista teórico, que poderá ser reforçado se acaso o Podemos vier a assumir responsabilidades de governo em Espanha ou mesmo se o Front National vier a ascender ao poder em França.

A questão tem a ver com o surgimento, nos poderes sufragados eleitoralmente nos Estados membros, de forças políticas que, à esquerda ou à direita, recusam o modelo liberal, cuja filosofia enforma hoje todos os tratados europeus. Se olharmos para o discurso do ministro das Finanças grego - melhor, se lermos retrospetivamente aquilo que ele escreveu ao longo de anos - verificamos que a lógica em que assentam as suas propostas, mais do que não coincidirem com os compromissos assumidos pela Grécia dentro da UE, apresentam a caraterística de se situarem-se "fora da caixa", porque comportam em si mesmo uma aberta recusa da filosofia dominante. Mas, curiosamente, isso também é válido para o discurso soberanista de Marine Le Pen, num outro lado do espetro.

A União Europeia foi criada em torno de um compromisso entre o liberalismo, a social-democracia e a democracia cristã. A sua filosofia inicial acabou por ser uma mescla com uma forte componente social, para a qual essas três correntes contribuíram, fruto de preocupações comuns no pós-guerra. Com o surgimento de uma vocação económico-financeira por detrás do projeto europeu, os setores mais "sociais" foram progressivamente perdendo a liderança do processo e veio a prevalecer uma economia de mercado que, por alegadas razões de eficácia operativa num mundo globalizado, foi prescindindo do "modelo social", que hoje é residual, muito deixado à subsidiariedade (isto é, à capacidade de cada Estado) e sustentado a custo, curiosamente sob fogo teórico de alguns países que haviam estado na sua génese. Quer a democracia cristã original, quer principalmente o socialismo democrático, estão do lado dos "perdedores" deste "campeonato" europeu, hoje ganho amplamente pelo liberalismo (a que alguns chamam neo-liberalismo porque se despiu precisamente das preocupações sociais do liberalismo histórico). Este "template" formatou a vida política na generalidade do Estados da UE, com a ascensão ao poder de forças que não são verdadeiras alternativas - são apenas  modelos "nuancés" do mesmo padrão. O espartilho macro-económico, com limitações drásticas em matéria de défices, tornou a representação política refém de opções que só no discurso, e muito marginalmente nas alocações orçamentais, são diferentes entre si. Que o desespero, de esquerda ou de direita, se afirme "fora da caixa" era algo que, mais tarde ou mais cedo, acabaria por acontecer. Hoje é o Syriza a tentar recusar as medidas de austeridade, amanhã será o Front National a pôr em causa o livre comércio, a impossibilidade das ajudas de Estado e o resto da agenda soberanista que aí está ao virar da esquina. Resta saber se a Europa conseguirá resistir a estas tensões.

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...